José Romero Araújo Cardoso
Cultivar raízes significa expressão máxima de identidade com a formação
cultural que denota as bases imateriais de construção coletiva de um povo no
realce ao reconhecimento, pilares da ênfase regionalista que precisam dia após
dia ser cimentados para que gerações futuras não percam o rumo quanto à
permanência e vigência de valores e costumes que caracterizam a altivez de uma
raça e que determinam o próprio significado de nação como fundamento de um povo
forte e determinado em permanecer ligado a elos coesos que agregam o
reconhecimento em fazer parte de coletividades marcadas por ideais comuns bem
definidos e alicerçados.
A presença e a importância do
legado Gonzagueano na mentalidade da gente nordestina perfaz um dos mais
importantes elos culturais que assegura a continuidade e permanência da idéia
acerca de pertencer a uma região, requisito indispensável para a efetivação do
reconhecimento e plena aceitação da afetividade que devem direcionar as bases da
nordestinidade enquanto expressão cultural regionalista.
Luiz Gonzaga do Nascimento (13 de dezembro de 1912, Exu, Pernambuco – 2
de agosto de 1989, Recife, Pernambuco) conseguiu de forma sui generis, através
de seu talento artístico-musical, amalgamar, na mente dos nordestinos, amor
extraordinário às coisas, valores, costumes, fatos corriqueiros do cotidiano da
região, etc., os quais caracterizam de forma monumental originalidades
referentes ao Nordeste Brasileiro.
Em torno da fenomenal construção cultural cuidadosamente trabalhada pelo
eterno Rei do Baião, surgiram ao longo dos tempos apreciadores e discípulos da
fantástica e sublime manifestação de amor ao torrão natal que o saudoso e
inesquecível sanfoneiro do riacho da Brígida enfatizou em suas canções
maravilhosas, a maioria retratando o nordeste sofrido com o drama das secas e
descaso das quase inflexíveis estruturas de poder.
Asa Branca, gravada em 1947,
fruto magistral surgido da parceira com o advogado cearense Humberto Teixeira
(5 de janeiro de 1915, Iguatu, Ceará – 3 de outubro de 1979, Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro), e Vozes das Secas,
lançada com coragem e estardalhaço em 1953, composta pelo velho Lua em conjunto
com José Dantas de Sousa Filho ( 27 de fevereiro de 1921, Carnaíba, Pernambuco
– 11 de março de 1962, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro), o célebre Zé Dantas,
médico pernambucano que se tornou um dos principais colaboradores de Luiz
Gonzaga em sua missão de erguer o nordeste a patamares culturais superiores, sintetizam
magistralmente através de seus acordes, melodias e harmonias agruras e
tormentas que historicamente afligem a gente nordestina.
Encantado com a arte do grande nordestino, Chico Cardoso inspirou-se na
experiência pioneira realizada pelo próprio Luiz Gonzaga em Exu, estruturando
em sertões adustos localizados na zona rural do município paraibano de São João
do Rio do Peixe espaço dedicado àquele que conseguiu imortalizar a cultura
nordestina em sua expressão máxima.
Há dez anos, em 2007, surgiu o Parque Cultural O Rei do Baião, cujo
trabalho em prol da valorização da autenticidade regional torna-se louvável e
expressivo a cada ano que passa, pois constitui lócus magnífico onde o
reconhecimento nordestino se faz presente em cada metro quadrado.
Intercalando-se com a proposta de homenagear Luiz Gonzaga, sua arte e
sua influência na música regional nordestina, encontra-se presente tributo
merecido a destacadas personalidades do mundo cultural, sobretudo paraibano,
cujas influências no âmbito político verificaram-se de forma proeminente,
ressaltando a afinidade de Chico Cardoso com a instigante arte de administrar o
processo de organização do espaço.
O universo conspirou em favor do grande jornalista e animador cultural a
ponto de existir nas imediações do Parque Cultural que estruturou comunidade
rural denominada Cacimba Nova.
A Fazenda Cacimba Nova, localizada nos Cariris Velhos, território marcado
profundamente pela figura do grande poeta paraibano José Marcolino (28 de junho
de 1930, Sumé, Paraíba – 20 de setembro de 1987, Carnaíba, Pernambuco),
intitula uma das mais belas canções compostas pelo saudoso menestrel em
parceira com Luiz Gonzaga, denominando ainda o lugar de origem de Luiz Pereira
de Sousa, o famoso Luiz do Triângulo, corajoso combatente de Princesa, a
serviço do Coronel José Pereira (4 de dezembro de 1884, Princesa, Parahyba – 13
de novembro de 1949, Recife, Pernambuco), quando da verdadeira guerra civil
ocorrida no Estado da Parahyba em 1930.
Comandante de um dos destacamentos enviados por Zé Pereira em 28 de
fevereiro de 1930 para libertar a família Dantas Villar, aprisionada pelo
Tenente Ascendino Feitosa e sua tropa na então Vila do Teixeira, Luiz do
Triângulo recebeu título de nobreza na literatura armorial de Ariano Suassuna
(16 de junho de 1927, Parahyba, Parahyba – 23 de julho de 2014, Recife,
Pernambuco), em célebre trabalho literário intitulado Romance da Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta.
Valorizando a cultura regional, Chico Cardoso e equipe instituíram concursos
que se tornaram concorridíssimos, os quais abrangem de cordel a festival de
sanfoneiros, interpretando a arte magistral do eterno Rei do Baião, sem falar
de incentivo à produção textual através de crônicas e cartas, cujo enfoque tem
sido dado ao universo gonzagueano.
Consciente de que para preservar tem que cultivar em grau exponencial, a
direção do Parque Cultural O Rei do Baião tem fomentado de forma lógica e
incondicional ênfase à relação direta entre a originalidade nordestina e as
manifestações culturais destacadas nos eventos anuais que são realizados com a
finalidade de assinalar a importância da identidade cultural regional através
da inspiração no legado do Rei do Baião.
Contribuir para que o verdadeiro reconhecimento nordestino não seja
destruído pelas exigências da pós-modernidade marcada pelo advento fantástico
da era assinalada pela revolução técnico-científico-informacional que exige dilapidação
e desorganização de culturas originais, um dos fundamentos da globalização,
tornou-se um dos motivos de existência do Parque Cultural O Rei do Baião,
principalmente quando crise de valores atinge de forma avassaladora todos os
quadrantes da nave espacial conhecida como planeta Terra.
José
Romero Araújo Cardoso.
Geógrafo. Professor-Adjunto do Departamento de Geografia da Faculdade de
Filosofia e Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.
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