O fato mais importante sobre o processo de impeachment de Dilma Rousseff é, sem dúvida, a polêmica que se produziu após perícia do Senado concluir que (1) a presidente não teve participação em atraso de repasse de recursos a bancos públicos que financiaram o plano Safra – ou seja, Dilma “não pedalou” –, mas (2) seria responsável por três decretos de crédito suplementar que teriam estourado a meta fiscal do país.
Adversários de Dilma dizem que esses três decretos bastam para autorizar o impeachment, os aliados dizem que não bastam porque a lei não exige que decretos como aqueles sejam autorizados pelo Congresso.
As interpretações sobre o resultado dessa perícia variam ao gosto do freguês. Como o processo no Senado não encerra tecnicidade alguma, sendo conduzido pelos inimigos políticos da presidente, chega a ser ingenuidade cobrar sinceridade deles no sentido de admitirem que uma perícia que derruba uma das duas acusações do processo de impeachment e coloca a outra sob dúvida deveria bastar para que a acusação de crime contra o Orçamento seja rejeitada, mesmo que uma acusação reformulada seja feita mais adiante.
Contudo, os esforços da direita para derrubar Dilma tentam, de todas as formas, ser contemplados com o rótulo de “processo legal”, de maneira que pode haver alguma ambição de que essa controvérsia gerada pela perícia senatorial seja dirimida, isto é, seja esclarecida.
Muitos dos que têm ambições quanto às próprias biografias estão tratando de deixar claro que não compactuam com a farsa que está se desenhando no Senado.
Um dos colunistas mais festejados da grande mídia e que nunca poderá ser acusado de ser “petista” acaba de reconhecer que o processo de impeachment contra Dilma é um “ardil” proveniente de uma “trama”. Para que se possa mensurar a condenação de Gaspari da farsa no Senado, ele compara a condução do processo de impeachment com julgamentos do Conselho de Segurança Nacional da ditadura militar.
Um dos autores do impeachment, o jurista Miguel Reale Jr., diz que a acusação de Dilma não pretende questionar a perícia do Senado após esta negar que a presidente teria “pedalado”. “Nada temos a questionar. A perícia fixou a materialidade. Diz que foi desrespeitada a meta fiscal. E que houve operações de crédito”, declarou o jurista.
Reale considera “tola e bisonha” a questão de haver ou não carta de Dilma autorizando isto ou aquilo. “Trata-se de uma decisão de política oficial dela com seus ministros e pronto. Além do mais, não é tarefa da perícia tratar desse tema”, opinou o jurista.
Por outro lado, deve ser total a exigibilidade de provas de crime de responsabilidade para cassar mandato de um presidente da República.
Essa importância do voto popular não é reconhecida pela direita brasileira, sobretudo pela imprensa corporativa. Abaixo do Equador, eleições nunca foram tão sagradas quanto nas democracias estáveis do Norte do planeta, razão pela qual o dito Terceiro Mundo é tão pródigo em golpes de Estado.
Porém, como cresce cada vez mais a tese de que há um golpe em curso no país, sem o esclarecimento pericial das acusações contra Dilma de ter cometido crime contra a ordem orçamentária, se ela cair o Brasil será governado por dois anos e meio por um governo suspeito de golpe.
Todos podem imaginar as consequências disso. Ninguém investe a sério em países que sofrem golpes de Estado. Mesmo que seja um golpe pró capitalismo, golpes costumam ser sucedidos por contragolpes e geram instabilidade política, ou seja, o governo que assume o poder por meio de um golpe pode cair de repente.
Golpe é sinônimo de instabilidade política, e quando a política de um país é instável as regras do jogo não valem nada, de modo que ninguém vai querer fazer investimentos de longo prazo. No máximo, o capital virá para cá para desfrutar de nossas altas taxas de juro enquanto permanecerem altas. Se a relação custo-benefício cair, o capital pula fora com o apertar de um botão…
O Brasil já viveu isso antes, quando PMDB e PSDB governaram.
Por essas e outras razões é que a perícia sobre se Dilma cometeu ou não algum crime contra a ordem orçamentária precisa ser indubitável para ao menos revestir o golpe de uma fina camada de seriedade, já que, mesmo que alguma perícia mostre que houve alguma irregularidade, como diz o colunista Elio Gaspari, “No caso dos três decretos assinados pela presidente, houve crime. Isso é o que basta para um impedimento, mas deve-se admitir que esse critério derrubaria todos os governantes, de Michel Temer a Tomé de Sousa”.
Ou seja: mesmo que Dilma tivesse “pedalado” e que fosse impositiva uma “autorização do Congresso” para ela emitir os tais “três decretos de créditos suplementares”, a presidente não teria feito nada mais do que todos os outros governantes fizeram.
Bem, está eliminada a tese da “pedalada”. O que sobra aos inimigos da presidente são os três decretos que ela teria assinado sem autorização do Congresso. Porém, fica cada vez mais claro que essa autorização seria desnecessária.
Nem o relator da comissão de impeachment, o senador Antônio Anastasia (PSDB-MG), afirma que Dilma precisaria de autorização do Congresso para assinar os decretos de crédito suplementar.
Detalhe: Anastasia fez três questionamentos ao resultado da perícia, enquanto a presidente Dilma apresentou 12.
O principal questionamento de Anastasia é se os decretos de crédito suplementar que embasam a acusação contra Dilma poderiam ter tido outro tipo de tramitação, como projeto de lei, por exemplo, que garantisse um efeito neutro sobre a meta fiscal.
Isso ocorreu porque não está escrito em lugar nenhum que Dilma precisava dessa autorização do Congresso para emitir aqueles decretos, já que estavam embasados por medidas paralelas de contenção de gastos que autorizariam o governo a remanejar recursos.
Trocando em miúdos a alegação da defesa de Dilma: ela economizou de um lado (ajuste fiscal) para gastar de outro (créditos suplementares).
De acordo com o laudo pericial, os decretos de crédito suplementar tiveram impacto negativo no cumprimento da meta fiscal aprovada em janeiro de 2015 e que se encontrava vigente no momento da assinatura dos atos, em julho e agosto.
O advogado de Dilma, José Eduardo Cardozo, porém, refuta essa tese e pede à junta pericial – composta pelos servidores João Henrique Pederiva, Diego Prandino Alves e Fernando Álvaro Leão Rincon, que gastam seu tempo livre fazendo ataques a Dilma no Facebook – que esclareça os fundamentos legais que levaram à conclusão de que os decretos de crédito suplementar tiveram impacto negativo na meta fiscal.
Entre outras perguntas, Cardozo destacou trechos do laudo pericial informando que decretos de contingenciamento de gastos editados pelo governo garantiram o cumprimento da meta fiscal de 2015. Ele pediu que os peritos confirmem as alegações.
Temos, assim, a seguinte situação: a Comissão do Impeachment tentou impedir a perícia, mas foi obrigada pelo presidente do processo, o ministro Ricardo Lewandowski, a aceitar. Contudo, a defesa requeria perícia internacional, mas a Comissão nomeou três antipetistas notórios para periciar provas contra a petista Dilma Rousseff. Feita a perícia, as conclusões são contraditórias e nebulosas, pois negam existência de um dos “crimes” orçamentários dos quais ela é acusada e afirmam a existência de outro, mas há dúvida de que esse outro seja mesmo crime.
Uma perícia correta precisa provar ou negar cabalmente que Dilma precisaria de autorização do Congresso para ter emitido os tais três decretos de crédito suplementar. A presidente só precisaria dessa autorização se os decretos não tiverem sido amparados por medidas de contenção de gastos que compensariam os gastos autorizados.
A perícia do Senado é suspeita para dar essa resposta. Em primeiro lugar, porque o Senado tentou impedir que as provas contra Dilma fossem periciadas. Em segundo lugar, porque os servidores escolhidos para levar a perícia a cabo são desafetos assumidos da presidente da República e de seu partido.
O Brasil não pode tirar o mandato de Dilma Rousseff sem que exista um mínimo de seriedade no processo. Já corre o mundo a informação de que os peritos que emitiram as conclusões supracitadas atuam na internet como militantes contra a presidente afastada e seu grupo político. E que o que eles consideraram “crime”, na verdade não seria crime nenhum.
Quem pode evitar que o Brasil fique internacionalmente marcado por um golpe de Estado disfarçado é o presidente do processo de impeachment, o ministro Ricardo Lewandowski.
Lewandowski não substitui o presidente da comissão especial do Senado, Raimundo Lira (PMDB-PB). O presidente do Supremo é responsável por decidir sobre recursos durante o período de instrução do processo, de maneira individual e sem precisar consultar outros ministros do STF.
Cabe a ele aceitar o pedido da defesa de Dilma para que as supostas “provas” de um seu crime orçamentário sejam submetidas a perícia internacional. O problema para os golpistas, porém, é que dificilmente tal perícia deixaria de mostrar que o golpe é golpe.
Fonte: www.blogdacidadania.com.br via Blog O Messiense.