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terça-feira, 22 de abril de 2025

Cidade de Felipe Guerra será palco do “IV Seminário Cangaço – Coronéis e Cangaceiros”, promovido pela Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço – SBEC.

 



O evento acontecerá nos dias 25 e 26 de abril de 2025 (Sexta e Sábado), no Auditório da Secretaria Municipal de Assistência Social de Felipe Guerra/RN, e tem o apoio da prefeitura da cidade.

Os objetivos do IV Seminário Cangaço Felipe Guerra são:

• Fomentar os estudos sobre a memória temática do município de Felipe Guerra/RN em relação ao Cangaço;

• Incentivar o turismo regional atuando como referências as belezas naturais, a cultura e a história do Cangaço.

Para o evento é esperado um público de aproximadamente 100 pessoas de Felipe Guerra, Mossoró e de cidades vizinhas.

O seminário que está em sua quarta edição, contará com mesas redondas, palestras, sessões de filmes e demais atividades relacionadas ao Cangaço, tudo sob tutela de palestrantes e estudiosos renomados.

VEJA PROGRAMAÇÃO

• Mesa 1 – 25/04/2025 das 09h às 11h

Tema: República dos Coronéis do Oeste potiguar e do Cariri Cearense Palestrantes:

– Galbi Saldanha (Natal/RN)

– Honório de Medeiros (Natal/RN)

– Bosco André (Missão Velha/CE)

Mediador: Geraldo Maia

Mesa 2 – Sessão de filme das 15h às 17h

Tema: Assim morreu Lampião: Entrevista com Jairo Luiz.

Mesa de debate: Coordenação Lemuel Rodrigues e Direção da SBEC

Mesa 3 – das 19h às 21h:

Tema: Coronéis e Cangaceiros Palestrantes:

– Israel Maria dos Santos Segundo (Natal/RN)

– Luan Alendes Ferreira Batista (Antônio Martins/RN)

– João Batista Souto (Belo Horizonte/MG)

– Mediador: Luiz Agnaldo

ENCERRAMENTO NO DIA 26/04/2025:

Às 07h – Visita Técnica aos Lugares de Memória.

Coordenação: Adailton Alves (Secretário da SEDETUR) 12h – Almoço.

Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço tem sede no Museu Histórico “Lauro da Escóssia”, de Mossoró e foi fundada em 13 de junho de 1993.

Tem como diretores o professor e estudioso sobre o tema Lemuel Rodrigues e Geraldo Maia.

Informações @sbeccangaco


Tudo que é importante para você é importante para o Caderno Potiguar

📞WhatsApp: 99951-7693

terça-feira, 8 de abril de 2025

Especial: Napoleão Nunes: metáforas do efêmero embelezam a realidade.

Por Márcio Lima Dantas. 



Napoleão Nunes (Natal, 1978), no seu ofício de artista visual, exercitou uma  variedade de técnicas, tanto no uso da pincelada quanto na apreensão de eventual tema,  expressando toda uma gama de multifária capacidade de rubricar a apreensão de uma  enormidade de objetos, animais, autoestradas das cidades, nu feminino, escultura em grés  cerâmico vidrado, pássaros nas folhagens e rosto de criança. O escopo que serve de substrato para a borboleta evidenciar sua breve vida como  Metáfora nos conduz ao símbolo da transformação. Sua vida é uma sucessão de quatro  etapas: ovo, larva, pupa (crisálida) e imago (adulta). O fato de se transformar e ficar presa  durante algum tempo, sem guarida, sem substância de maior função vital, sem companhia,  sem conselho de mãe, deixa-a angustiada para se desvencilhar desse cárcere. Com efeito, a borboleta vem a se tornar um símbolo detentor da noção de  transformação, de um vir a ser, do que aguarda, do efêmero da natureza que vem a se  renovar, assim como o círculo solar e o círculo lunar. Dessa feita, transforma-se em uma  bela Metáfora de tudo o que flui e transmuta-se, sendo da natureza, estando aí na  realidade, nos canteiros que dividem o meio da rua, nos jardins das casas modestas dos  subúrbios, nas herdades nas quais habitam os abastados. Em assim sendo, a Metáfora da beleza das borboletas, variegadas em cores  múltiplas, desenhos multicoloridos, outorga o advento de um pulsar espiritual dos mais  marcantes e mais intensamente emergindo do que emana também de uma simbologia que  registra o recomeço das coisas, do dia, dos relacionamentos interpessoais. Por isso que  seria bom evocar a pupa (crisálida) e o imago (adulto).

O certo é que todas as culturas  reverenciaram a borboleta como observada e cultuada, conduzindo a uma espécie de  persignação, em um louvor ao recomeço, às boas energias, alternando-se, em uma  efeméride em que o sol rebrilha a cada dia, iluminando cada borboleta. Sucede que as tomadas de longe (Orla de Cabo Branco), rio com uma ponte, sendo  uma ilha separando as duas margens, a praia de Ponta Negra, a praia de Cabo Branco, as  aves (Galo de Campina), o cardume de peixes, o cachorro, as mulheres nuas, não passam  de puro pretexto para exercitar a capacidade de captar a luz de um dia no qual esplende o  sol, clareando, de perto ou de longe, a amplitude da transparência plena de Apolo a  demonstrar seu poder sanativo.

Por enfim, buscamos demonstrar ao longo deste texto que a multiplicidade  encontrada na obra de Napoleão Nunes referenda o fato de o artista não está em busca de  um estilo, uma dicção, uma gramática, que possa ser sua assinatura e o contemplador de  longe já possa afirmar que “aquela tela pertence a Napoleão Nunes”. 

Na verdade, a quantidade de técnicas e temas é tão grande que ninguém poderia chancelar esse quadro com borboletas e flores ou a orquídea entre folhagens verdes como  inerente à rubrica do artista. De jeito qualidade se poderia deixar de salientar sua verve,  sua capacidade, sua confiança na sintaxe do seu domínio do pictórico. O que sucede com  Napoleão Nunes é tão-somente um processo de Metalinguagem, ou seja, quando o código  se volta sobre si mesmo. Ao invés de tratar de outro objeto, de outro conceito, de outra  comarca, seja lá o que for, menos o código se voltar sobre si mesmo. Quero dizer acerca do conjunto que essa série circunscreve, que não foi por acaso,  mas muito mais que o expressivo pictórico colocado em evidência. Quer dizer, o artista  coloca o código para falar dele mesmo. Estamos tratando da Metalinguagem (esse  conceito vem da Linguística, estou me apropriando e transferindo suas categorias de  análise para a arte pictórica). Vejamos por que: a obsessão da borboleta pousar sobre  várias cores e formas, assim como o lugar de repouso, as flores e seu colorido, normal ou  dobradas; e, finalmente, as exquises orquídeas e sua opulenta maneira de estar nos jardins  ou no meio do mato. Vejamos como essa gramática funciona. Se a pintura ou o desenho busca não se  voltar sobre algum aspecto da realidade, em uma atitude de realismo muito próximo aos elementos que estão ao redor do pintor, mas se compraz em pintar pintando. Por exemplo,  um pintor cujo tema que consta na tela é alguém que pinta uma paisagem ou elabora um  retrato. No caso de Napoleão Nunes, são inúmeras as pinturas de borboletas sobre uma  flor, ou orquídeas. Vamos nos deter somente nessas três imagens, bem claro que o artista  variou tanto na forma quanto na técnica. Eis que encontramos mulheres nuas, Orla de  Cabo Branco, peixes, rosto de criança, paisagens rurais.

 Essa invariante, da borboleta sobre a flor, longe de ser uma obsessão do artista,  desenvolve-se como o fulcro de onde se dissipa aquela que vai ser a comarca da  Metalinguagem. É o cerne de onde o artista, com suas pinceladas espessas, com suas pinceladas em forma de pequenos retângulos miúdos, busca extrair, por meio de uma  justaposição, o efeito tanto da cor quanto da luz solar. Bem diferente das pinceladas mais suaves da pintura acadêmica, buscando retratar  o real do jeito que ele se apresenta e não distorcendo (no bom sentido) em nada, como se  fosse um retrato ou se pintasse por meio da fotografia. Para encerrar, o que chamei aqui de Metalinguagem é um se deter de um (código = pintura) e que se ousa ficar sobre ele mesmo (código = fazer/fazendo uma borboleta  sobre uma flor). Sucede dessa maneira: como se o teatro discorresse acerca do teatro.
A  quantidade do que falei, só pode ser por conta de uma coisa: o artista busca, através de  um exercício contínuo que não chega a enfadar, pelo contrário, se esmera, com as pinceladas consistentes, com encorpamento de tinta, aqui ou acolá exercitando uma  sombra ou outra. Com efeito, nenhum estilo histórico poderia ser mais adequado ao exercício de  uma pintura que se volta sobre si mesma: o Expressionismo tão peculiar de Napoleão  Nunes. Mesmo o Expressionismo nos seus primórdios, no início do século XX, esse artista ainda consegue chantar diferenças, mesmo porque o nosso sol é bastante diferente  do hemisfério norte, cuja luminosidade resplende uma transparência que ressalta as  nossas cores e nuances. Por fim, gostaria de dizer que a Metalinguagem – o artista  pintando os mesmos temas – nos conduziu a pensar dessa maneira. Há uma mensagem que evidencia ela mesma, ou seja, a insistência de fixar sobre  um mesmo tema, como se necessitasse aprender a arte do Expressionismo e o que  encontrou de melhor para o prazer do domínio foram apenas três elementos: orquídea,  beija-flor e qualquer espécie de flor.

Cariri Cangaço Oeste Potiguar.

 

22, 23 e 24 de Maio
Patu - Martins - Antônio Martins - Lucrécia

quinta-feira, 3 de abril de 2025

Especial: Francisco Eduardo: retratos, andanças e marinas fundam uma poética.

Por Márcio de Lima Dantas.

Veredas são caminhos abertos, livres 

entre florestas inóspitas ou suaves 

e são símbolos de ruas de escassez 

de cidades com seus bairros de mágoa. 

Fiama Hasse Pais Brandão 


 

Francisco Eduardo nasceu em Santa Cruz do Inharé (1971). Fez curso no Centro  Social Urbano. Segundo o artista, tudo começou quando viu uma ilustração de um pintor  em uma revista em quadrinhos; logo encantou-se, em seguida, não quis mais saber de  outra coisa senão das artes visuais. Para início de conversa, penso que seja interessante apresentar e ressaltar a sua  verve retratista, um dos traços mais fortes da sua obra, tanto no fato de deter uma  eloquência bastante original e ungida de vasta competência ao colocar rostos de artistas  ou cantores bastante conhecidos do público, como de personagens da literatura. Com relação ao primeiro conjunto, encontramos retratos de Rita Lee, Zé Ramalho,  Gal Costa e Belchior. Exibe-se com grande maestria na arte de retratar rostos e semblantes  dos muitos que se expõem para grandes multidões. Não parece ser tão fácil definir o  contorno daquele ou daquela que, quase necessariamente, demonstra uma necessidade de  um feitio realista, no sentido de que a arte do retrato remonta à Antiguidade, ou seja,  detém uma longa história, criando para os pintores desafios como pintar os olhos ou a  boca. Com efeito, buscar os contornos de um semblante conduz o pintor a remeter a uma  linha de continuidade, cujo lastro é a história do retrato, já que foi bastante exercitado,  perfazendo técnicas de evocar toda uma necessidade do que já se conduziu. Vejamos o  caso de harmonizar o olhar com a boca. Há quem diga de difícil diapasão.

No caso de Zé  Ramalho, percebe-se um indivíduo de grande introspecção, intimista e plácido, revelando  um espírito de temperamento sossegado, tudo menos conturbado. Parece que gosta de  estar consigo mesmo, compondo, tocando o violão. Já Gal Gosta detém o oposto. Sempre sorridente e simpática, buscando uma  discrição, parece que o palco é sua herdade, no qual encontra-se à vontade, com sua voz  aguda e grande capacidade de se fazer ouvir e compreender. Ela é do tipo que, logo que encontra alguém, parece desperta a empatia, seja para o grande público ou para os mais  íntimos. Assim como o masculino está para Zé Ramalho, o feminino está para Gal Gosta.  Nenhuma dúvida, logrou êxito ao proceder o retrato dos dois artistas, embora tenha  elaborado o retrato de outros cantores e musicistas. 

Há um díptico plasmado por meio de uma série de elementos extraídos do bioma  da Caatinga. São mandacarus com flores, palmatórias floridas, alguns poucos animais  desse meio. A expressividade de formas e cores chama a atenção por um diferencial: a  mira do pintor encontra-se distante dos elementos conformadores da paisagem. No caso  de Francisco Eduardo, isso foi quebrado nas duas telas. As telas são pintadas em Acrílica  sobre papel Arches 850 gramas. Esse díptico, distribuindo cactos de várias espécies, sendo as serras bastante longe,  é de extraordinária beleza e faz uso de uma licença poética, pois na nossa flora não  existem mandacarus amarelos ou vermelhos. Como se sabe, a cor é de um verde escuro.  Por outro lado, repito, há o fato de o artista ter posto os elementos que compõem a tela muito perto de quem contempla.
O inverossímil acabou por imprimir um efeito de  organização inusitada, juntando coisas que não existem na realidade. Não até certo ponto,  pois o mandacaru encontra-se cheio de robustas flores. Gostaria de insistir acerca da forma como o pintor orientou os paradigmas que  conformam o conjunto. É no sentido de a flora e a fauna da Caatinga estarem muito  próximas ao olhar do espectador. Logo, aquele que se dirige a contemplar como se  estivesse logo rente à tela chega primeiro do que o resto da paisagem. Ademais, os  mandacarus e as palmatórias estão plenos de exquises flores. De outra feita, não  predomina o verde nos cactos; pelo chão, uma cotia e uma iguana. Ora, o que chamamos licença poética funciona como uma metáfora, um arbítrio,  uma convenção. Só existe a partir do momento no qual o artista outorga à tela o chamado  real concreto e, por sua vez, incorpora-se à realidade, como um acréscimo; afinal, é do  ethos da arte o fato de questionar o que existe e não nos apetece, o que nos chega sem  pedirmos, o que, de atribulações, lacera nossa pele, o que nos alcança em enfermidades.  Enfim, o que o espírito tem que administrar, de uma forma ou de outra, chova ou faça sol. A arte tem o papel de exercitar as vicissitudes, por meio de transfigurações, que  tentamos alterar o que chamam de Realidade.

Vejamos mais um conjunto de telas cujo referente são as marinas. Não são tantas,  mas o suficiente para acolher o pincel e a paleta e imprimir como sendo elaboradas por  um artista de valor. É possível classificar em três. Essas telas retratam, sob um causticante  sol, uma barraca de praia completa de pessoas, sendo que o curioso, e que difere da outra,  é o fato de as cadeiras de plástico serem azuis, brancas ou vermelhas. 

Com efeito, o artista conseguiu captar o bulício de, quem sabe, um domingo de  praia, com seu efeito de sol bronzeando todos que ali se encontram, com sombrinhas amarelas e verdes. Tudo resguarda a tranquilidade de um céu de azul intenso, com suas  nuvens esgarçadas. Na verdade, não é um referente muito comum para ser retratado, mas  o que importa são as partes interagindo umas com as outras, deixando entrever sua  justaposição de cores; tanto é que estão todos de costas. Isso mesmo, o que vale não é o significado, mas o significante, com sua  tranquilidade de sair de casa e sentir o bafejar do luminescente sol, sanativo, e também se  servir de um vento que sopra, como se fosse para purificar em trajes de banho. Prefiro me deter sobre as marinas.

Há de tudo, desde pequenos barcos ancorados,  até os medianos vistos ao longe. Penso que a Opus Magnum de toda obra é esse pequeno  barco com velas pandas, todo azul, seguido de um pequeno barco amarelo. Há uma  harmonia nas cores que acompanham essa embarcação: o mar de um azul esplêndido e o  céu também é uma nuance do azul. Bom observar a claridade que um sol transparente reflete às pequenas ondas do  mar, exalando claridade por meio da vela branca. Tudo é suave, e o vento também sopra  para fazer o barco seguir. Nenhum espectador negaria contemplar e aprovar essa marina.  Além dessa, de fora à parte, existe uma variedade enorme de barcos ancorados ou  lançados ao mar. O pintor é um grande mestre em transpor o reflexo solar na lâmina  d’água, variando de acordo com a hora do dia ou de como o sol esteja sombreando, simplesmente, como um sol no crepúsculo matinal. Essa aludida variedade tanto pode ser  mirada bem próximo ou um pouco mais distante; o que importa é a habilidade de desenhar  o barco, seja em que lugar esteja.

quarta-feira, 2 de abril de 2025

Especial: Nivaldo: uma pintura na qual o afeto aninhou sua morada

Por Márcio Lima Dantas.

As palavras simples, tão-só 

para medirem, em tempo e modo. 

Com o silêncio da mão se respondia. 

Fiama Hasse Pais Brandão 



Nivaldo Rocha do Vale (Santa Cruz do Inharé, 1945), autodidata, inícios como pintor aos dezessete anos (1963). Residia com a mãe, Severina, cuja alcunha era Raminha,  e a mãe desta, Maria Joaquina da Conceição, conhecida na pequena cidade por  Quinininha. Residiam na Rua Frei Miguelinho; a casa existe até hoje. Sua avó tinha como  meio de vida a venda de óleo para cabelo e rouge. Outrora, fazia parte da toilette das  mulheres, principalmente as de origem rural. E assim o tempo passava; quando chegava  da antiga feira de Santa Cruz, logo ia abraçar o rapazinho. Por se inscrever como naïf, seus traços característicos e predominantes remetem  aos seus pares, a uma tradição de um estilo de pintura que vinca a história da arte, embora  saia um tanto de perto da chamada História das Belas Artes Ocidentais, sendo sempre  necessário fincar os pontos de onde diferem o artista em estudo dos demais, para que  exude sua singularidade e o confirme como detentor de diferenças, configurando uma  nova gramática, capaz de reconstituir o que o pintor nega da realidade que o cerca. 

Assim sendo, nesse jogo de quebra-cabeças que é a vida, com suas alternâncias,  de dias francos que passam sem nos consultar, caminhando em sua marcha indelével para  o futuro. Nesta nossa história, há uma lacuna, uma falta, um hiato; e isso nos cheira a uma  comarca do campo afetivo. E não temos medo de errar. Como fora muito amado por Da. Quininha, esta fazia os gostos de Nivaldo. Para  tanto, adquiria tintas para que o jovem rapaz exercitasse a arte de desenhar e de pintar.  Erguendo-se perante si, tateando certas ordens que nem sabia direito do que se tratava,  assim como uma casa de alvenaria, colocava aos poucos os tijolos amealhados pela avó,  que também não sabia direito do que se tratava. Aquele rapazola, diferente dos da  vizinhança, com certos gostos que não dizem respeito aos da sua idade, mas, de toda  maneira, era algo que existia como parte do mundo que o cercava. Assim, no mundo da arte, é que certas coisas acontecem. Todo começo é  involuntário? (Fernando Pessoa). Quase sempre sim, pois estamos lidando com forças  interiores, vindas do Inconsciente, que nem sempre têm resposta para o que inquirimos. E isso se acentua quando a arte é naïf, pois não está vinculada a determinadas tradições que nos são facilmente reconhecíveis.
Desse modo, a arte é uma espécie de chamado que  nasce de regiões mais profundas da mente, lugar no qual não possuímos quase nada de  domínio, são os lagares de águas adormecidas, precisando de algum movimento consciente para serem baldeadas, emergindo com as forças pulsantes, vindo a ser, ou  melhor, querendo tomar formas que o indivíduo nem sabia se tinha. Podemos apontar algumas características mais ostensivas encontradas na obra de  Nivaldo. A primeira coisa perceptível é que o espaço pictórico encontra-se pleno de  hiatos, não segue a regra geral dos naïfs, na qual todos os espaços têm que estar  preenchidos por elementos relativos ao tema central. No caso do pintor de Santa Cruz, é  possível encontrar grande parte do espaço da tela traspassado, sem figuras ou ornamentos,  como se estivessem vazados. Quer dizer que a tela aparenta muitas aberturas, como se  houvesse uma necessidade de ser preenchida com mais algumas figuras relacionadas ao  que se propõe como um todo apresentado na tela. É suficiente ver os dois quadros: “Dois meninos brincando” e “Gado no curral”.  Não há como deixar de perceber que ambos não seguem todo o preenchimento pictórico  que se oferece ao branco da tela, em uma alegria que é invariante aos ingênuos, quer seja  nas festas populares, quer seja nas horas de lazer, quer diga respeito às horas entretidas  com a labuta do cotidiano. O melhor trabalho de Nivaldo é uma composição elaborada com cajus vermelhos  e amarelos, folhas de caju, entrecortados por pequenos peixes.
Na verdade, não é uma  árvore produtora de cajus, mas um arranjo de elementos posicionados na totalidade do  quadro, ou seja, a composição diz respeito às folhas, aos cajus e aos peixes, configurando  uma estampa de rara beleza, pelo fato de ter organizado as formas, bem como as cores.  Enfim, o artista logrou êxito por meio de poucos elementos do espaço pictórico, fazendo  uma diferença dos seus demais trabalhos. Aqui podemos encontrar uma composição na qual há um horror vacui, tudo o que o artista não é, porém, adentrou por esse novo  caminho. Quem sabe possa abrir uma nova picada e se deixar conduzir em uma série  nova, capaz de multiplicar seu trabalho em outra pluralidade de uma obra que já foi e sempre será de uma fina estampa. 







Especial: A primazia do desenho na obra de José Gurgel

 Por: Márcio de Lima Dantas.


Todavia vocábulos, para sempre 

insonoros, ou no futuro incriados 

demonstram que os poetas todos 

morrem sempre mais na língua. 

Fiama Hasse Pais Brandão 



1. Arquitetura 

Do espólio que o artista visual José Gurgel (Mossoró, 1940 – 28.04.1987) legou à  posteridade, deixou, — é o que tive acesso — somente sete croquis. Desses, apenas dois  integram as ideias do Modernismo encarnados em Oscar Niemeyer, criando uma escola  cujo elemento primevo é o arco ou a linha curva, evocando, sem esconder muito, a nossa  tradição barroca, tanto na arte quanto no Imaginário. Há um croqui de grande elegância,  com seus arcos ogivais; também um outro com arcos ditos tradicionais. Curioso que há  um croqui que fundiu a linha curva com a linha reta. Em uma sugestão de edifício híbrido, em um elegante êxito de dois tipos de linhas que nem sempre é possível encontrar, fundir e engendrar uma terceira coisa, que só um espectador atento pode compreender que lógica  reinou para que esse fenômeno acontecesse. Vejamos como continuar. Os outros quatro croquis parecem muito com uma  vertente contemporânea da edificação de moradias. Por minha conta e risco, nominarei  Minimalismo, visto terem como paradigmas primeiros o vidro, a madeira e o concreto  armado. É o que vigora nas residências de classe média dos condomínios fechados. Talvez o apreço por essa forma quadrática, não havendo lugar para janelas nem  portas (salvo a de entrada), organiza-se como metáfora do nosso tempo. Falo desse Ar do  tempo, no qual passamos a viver para dentro e não mais para fora. Curioso é que lembra  os pátios de Sevilha (Espanha), herança moura na qual as residências pouco se  importavam em ornamentos na fachada; o que interessava era o dentro, quer dizer, existem sempre amplos pátios com vasos de flores pendurados de cima abaixo. Apenas o  portão de ferro da entrada vaza o conhecimento do que tem lá dentro. Não é possível ver  as pessoas em suas azáfamas domésticas. Com efeito, aqui, no nosso caso, também serve como subtexto a dizer que pessoas  residentes ali não estão muito dispostas a interagir com vizinhos. Gente de fora é  impossível. A guarita e seus seguros portões estão em contato pelos interfones e toda uma  parafernália de coisas de segurança. Enfim, o que gostaria de reafirmar é da sintonia de José Gurgel com a cadência  do seu tempo. Se foram construídas ou não, pouco importa. Vale o subjacente à  Arquitetura, como ele compreendia, como edificava uma herdade.

Como disse, o que já  avançava como estilo, que, por sua vez, eram as formas de cambiar e interagir uns com  os outros. Falo da contemporaneidade. Sucede que os desdobramentos desses meios  sopraram formas esdrúxulas de reconhecermos uns aos outros. Formas tantas restaram  uma bacia de valores, nos quais a soberba parece ser o que detém mais valia.  Com efeito, as edificações vêm a se tornar espelhos do que sucede no interior das  casas, mas também nas formas de etiquetas, de sentir e de se comportar. Vale a residência,  também, como um texto no qual está escrito um aviso para quem se aproxime. Uma  gramática com sua sintaxe a proclamar o orgulho de pertencer a uma classe e seus  costumes. Essa presunção nada mais é do que um valor que a tantos parece como uma  verdade. Acontece que grande parte de defeitos, como a altivez, por exemplo, ou a  presunção, não passa de um culto à dissimulação, pois tudo isso é vago e tem a fundura  de um prato. Não passando de algo sem fundamento, pois a vida de verdade o tempo joga  com outras cartas, escolhendo os naipes para cada um, sem uma lógica ou com outra  lógica. Carece de humildade para se desvencilhar de tanta artificialidade. Por fim, voltemos às casas que José Gomes concebeu ou idealizou, pois não  sabemos se foram edificadas. Porém, diz muito dele, da maneira como concebia a vida e  os intercâmbios entre os indivíduos. Malgrado o que dissemos acerca das residências, do  Minimalismo presente no rarefeito e suas consequências sociais ou representantes do  Espírito do Tempo, também podemos encontrar janelas nas muitas paredes formadas por  varandas. Afinal de contas, é do conhecimento de todos a temperatura média de Mossoró:  extremamente quente e abafado, necessitando, mesmo que a casa tenha sua planta lacrada  por quase todos os lados, ainda assim se faz necessário entradas de vento. 

2. Desenhos 


Acredito que, de todas as técnicas picturais manuseadas por José Gurgel, aquela  na qual conseguiu atingir seu apogeu foi onde se encontra o desenho. Assim, podemos classificar em diversas proposições: trabalhos do cotidiano, brincadeiras infantis, festas  populares, panorâmica de uma imagem de cidades do interior. O que dispõe o traço dos  contornos dos desenhos é que quase todos têm a sombra presente, vindo a ser uma sorte  de imagem na qual muito se assemelha à pintura, como, por exemplo, a aquarela. Seu traço é inconfundível, mormente quando busca retratar grupos em  movimento. Conduzindo o trabalho, com sua já aludida sombra, para circunscrever  coletivos de adultos ou crianças, em uma festa que consegue passar essa alegria da dança  ou do batuque. Alguns desenhos lembram pinturas de escravos negros, em batuque de  canto e dança. Podemos constatar procissões com andor, Cristo Crucificado, mulher em  pose sensual, flor, brincadeiras de crianças, festas de adultos. Sendo assim, vale lembrar que o que podemos chamar livremente de temas é  apenas um pretexto para que, no papel, surja determinada figura, não importa o que seja.  Vale pelo que o artista plasmou, sua singularidade, sua diferença de outros, sua  importância no contexto de artistas da cidade. Não tenho certeza das datas, mas há um  desenho de 1992.  Como disse, o desenho não se restringe à junção de preto (às vezes colorido) com  a cor esmaecida do papel, criando um efeito de alta voltagem estética, superando a pintura  ou a escultura. Vale como registro de um pretérito tempo no qual ainda havia o sossego  de alma e os indivíduos valorizavam as coisas simples, levando uma vida sem maiores  atropelos, sem excessos de signos para compor a cena da realidade. 

3. Figurinos 



De um temperamento desassossegado, no bom sentido, é possível transitar por  vários sistemas semióticos na obra deixada por José Gurgel. Foi por isso que procedi a  uma classificação para que se individuasse os elementos que a integram. Após ensaiar  uma análise e interpretação, tentarei compreender as partes e organizar a totalidade, com  o objetivo de fazer valer o que foi separado para formar uma totalidade do homem artista,  com seus inúmeros paradigmas, chegando aos sintagmas de diversas formas de arte. Por fim, definir uma grande metáfora, já que essa obra se qualifica por uma uniformidade,  podendo insculpir seu nome como “a dicção de José Gurgel”. O que não sucede com  outros artistas visuais, pois são múltiplos e demonstram seus talentos por meio de uma só maneira de fazer arte. Das tantas maneiras com que manuseou, visando engendrar determinada forma de  expressão artística, adentrou pela arte de desenhar figurinos de roupas para mulheres. A  verdade é que apenas conseguiu demonstrar seu bom gosto e sua arte de desenhar com  requinte indumentárias femininas. Até parece, pelo visto, que detinha um certo pudor  transmitido para as roupas que concebeu. Não sugerem figurinos para encenação, mas é  como se fossem direcionados ao cotidiano da mulher. Há uma legítima preocupação em  cobrir o corpo, dos ombros até as pernas, como se desejasse resguardar discretamente o  que uma mulher tem de íntimo. Muito provavelmente, se produziu, na maior parte dos figurinos, para uma costura  eventual. Quero dizer que foram concebidas para mulheres da classe média, haja vista,  como disse, o discreto primando pela elegância, bem como roupas de gala, com  ornamentos tais como babados, laços e plissados. Quem sabe imaginara um tipo de mulher portando bien la toilette; de toda maneira  a disposição do simples predomina nos corpos, fazendo crer que a forma mais elegante  ainda é um viés de simplicidade. Isso ninguém pode desmentir, pois a roupa reflete a  personalidade. Difícil alguém desmentir essa assertiva. Quero dizer que esse manancial  de despojamento circunda toda e qualquer espécie de arte que José Gurgel pôs as mãos. 

4. Pinturas 



A pintura de José Gurgel pode ser organizada, no geral, em dois conjuntos: as  paisagens ou personagens representando aspectos da cultura popular e a pintura de  natureza religiosa. As que concernem a ritos ou trabalhos do cotidiano são plenas de  grande simplicidade, tanto no risco do desenho como nas cores mais puras. Falo de  roupas, caminhão pau de arara, lavadeiras, criança brincando com um . enfim, o que capta  a dinâmica de um viver pertencente às classes populares. O lugar dos simples aparece aqui novamente, para não fugir à regra. Não é  exatamente um naïf, basta comparar com a maestria do desenho limpo sobre o papel. Aqui  sobrepuja a pintura sem grande esforço. Também difere dos ingênuos pelo fato de não  usar as cores muito fortes; acontece de pintar com tintas transparentes, esmaecidas, quase  não enfatizando o personagem ou a paisagem em foco. Com efeito, essa brancura chega na arte de pintar de JG como uma espécie de luz  que nada impede reter, deixando tudo em uma luminosa transparência, restam imagens vagas na tela, no sentido de que parece que o artista teve a intenção de tornar evanescente  os elementos em evidência, os que estão exatamente no lugar de visibilidade maior. Na  verdade, é o que vai caracterizar a pintura do artista. Se quiséssemos circunscrever um  segundo conjunto, teríamos a retratação do sagrado, no qual se incluem os santos da Igreja  Católica e os anjos. Tudo o que dissemos está mais relacionado a essa plêiade de santos e anjos,  dispostos de muitas maneiras. O que os torna como integrantes de um conjunto é essa luz  que sempre está associada às passagens bíblicas, simbolizando a purificação e a presença  de elementos do sagrado. 

Com efeito, mesmo sendo integrantes de, teoricamente, um plano superior (para  os que têm fé), quedam-se em posições translúcidas, ou seja, a luz ilumina o corpo e o  seu redor, mas não deixa passar toda essa luminosidade, restando baça, como se fossem  seres imprimindo seu silêncio para quem se apresenta. Esse parece ser o elemento  predominante, um silêncio que ampara, conduzindo os espectadores a uma reflexão, a  uma empatia, ao que está repleto de potência criadora. Por fim, a pintura de JG é bastante curiosa no sentido de dar a ver personagens  com um corpo que só um contorno pode conduzir a observar as imagens de santos e anjos. Resplendentes em posições como se fossem pregando palavras retiradas dos chamados  Livros Sagrados (os Evangelhos). A transparência, a presença do branco e os contornos  de pequenos ornamentos nos conduzem a admirar essas obras de uma luz que nos chama  à reflexão. Sobre o quê? Ora, não faltam pretextos condutores a nos colocar face às dobras  do silêncio, levando-nos a um mergulho de maior meditação que as orações do dia a dia.

Vem ai o Cariri Cangaço Oeste Potiguar.