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quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

Catolé do Rocha abre calendário do Cariri Cangaço, em 2024


O “Cariri Cangaço”, evento que reúne historiadores, escritores e pesquisadores do fenômeno nordestino denominado como Cangaço, abre seu calendário anual, em 2024, com um evento em Catolé do Rocha, distante 399,6 Km ( via BR-230) de João Pessoa. O evento colocará Catolé do Rocha na Rota Turística do Cangaço na Paraíba.

Lugares de memória: Curralinho – O evento, que se realizará no período de 23 a 25 de fevereiro, é aberto ao público e constará na sua programação com palestras, lançamentos de livros e as didáticas visitas técnicas aos sítios históricos, cenários reais dos ataques de cangaceiros.

O Cariri Cangaço tornou-se um espaço para debates históricos sobre revoltas ocorridas no Nordeste, coronelismo, protagonismos de cangaceiros, coiteiros e o povo do Sertão. Pesquisadores acadêmicos, historiadores, descendentes de coronéis, coiteiros e cangaceiros se reúnem durante o evento, aberto ao público, para resgatar aspectos econômicos, sociais e contextualização do banditismo rural predominante no Nordeste no início do século XX.

Dois Riachos: a aurora de Lampião no Cangaço – O evento Cariri Cangaço se destaca por resgatar espaços de memória, apresentação de documentos (inéditos), objetos e depoimentos orais. Em Catolé do Rocha, as visitas técnicas vão proporcionar aos participantes acesso à fazendas onde os fatos ocorreram.

João Costa.


Campus Avançado de Patu Realiza a XVI SEUNI - Semana Universitária.




O Campus Avançado de Patu está realizando no período de 11 a 13 de dezembro de 2023 a XV Semana Universitária - SEUNI - com uma programação voltada a discutir o tema tema “Inteligência artificial e educação: desenvolvimento e (trans)formação“.

quinta-feira, 9 de novembro de 2023

Academia Patuense de Letras e Artes Realizará pela Primeira Vez Assembleia na Cidade de Rafael Godeiro.




A APLA - Academia Patuense de Letras e Artes - realizará assembleia  no próximo dia 25 de novembro de 2023, a partir das 19:00 horas no auditório da Fundação Irmã Dorinha na cidade de Rafael Godeiro. A APLA abrange as cidades da Patu antiga, são elas: Almino Afonso, Olho d`Água do Borges, Rafael Godeiro e Messias Targino. A programação será presidida pelo presidente da APLA, acadêmico, professor e escritor, Aluísio Dutra de Oliveira, que contará com a participação de acadêmicos da APLA e de outras Academias do Rio Grande do Norte, bem como autoridades do município. No primeiro momento da assembleia, acontecerá elogio da cadeira do patrono de número 24, que tem como patrono Osvaldo Pereira Nunes e ocupante o poeta e repentista, Aldaci de França.

No segundo momento da assembleia, acontecerá momento cultural com noite de Cantoria Nordestina, com a participação dos repentistas: Aldaci de França e Antônio Lisboa. Toda comunidade Rafaelense e de toda região estão sendo convidados para este importante momento cultural na Cidade de Rafael Godeiro.




 

      

sexta-feira, 27 de outubro de 2023

Especial: Pacífico Medeiros: resignificando a fotografia


Por Márcio de Lima Dantas 

No fundo, a Fotografia é subversiva, não quando  
aterroriza, perturba ou mesmo estigmatiza, mas  
quando é pensativa. 

Roland Barthes 



Pacífico Medeiros (Natal, 1967) reside desde sempre em Mossoró. Tendo  uma carreira pontuada por diversos cursos e eventos vinculados à fotografia, embora haja nos seus trabalhos uma distância das técnicas utilizadas desde  sempre nesse meio de retratar a realidade. Antes de adentrarmos um pouco mais sobre esse original fotógrafo, cremos  ser necessário voltar no tempo e buscarmos determinadas explicações que  nos ajudem a compreender com mais propriedade e conhecimento alguns estilos de pintura que sofreram impacto quando do surgimento da fotografia. Vejamos. Quando surge a fotografia, por volta de 1826, instala-se uma série  de indagações acerca dessa nova maneira de retratar a realidade. Ao que  parece, não havia o artesanal da pintura, do desenho ou da escultura. A  pintura, mais apressada, sentiu-se emparedada, inquirindo afinal qual era  mesmo sua função, pois sempre ocupou o papel de retratar a realidade, seu  entorno e contornos. Sintomaticamente surge o Impressionismo, deixando a  tela esmaecida ou tão-somente sugerindo, sobretudo, a retratação do  humano.

O recuo de formas bem diferentes, assim como sabia fazer o  Realismo, Romantismo ou Academicismo, engendrou imagens que  necessitavam de recuo físico da tela para que a imagem se desse a observar e conhecer. Basta contemplar a tela de Claude Monet: Impressão, nascer do  sol (1872). Acabada essa digressão, cumpre-nos tratar do ethos da fotografia fora do  comum de Pacífico Medeiros. Refratando modelos, o produto final desse  artista ocorre por meio de uma sobreposição de técnicas advindas de outros  sistemas semióticos, sendo que estas são produzidas através de programas de computadores, em um jogo no qual a fotografia primeva esmaece e é também  ressaltada. Quase sempre emoldurando com contornos dramáticos o retrato  de quem expressa um sentimento ou encontra-se envolvido em atividades de  algum ofício. Tais figuras podem ser duplicadas ou triplicadas em uma  espécie de crescendo, engendrando um belo efeito cromático de preto e  branco sobre figuras geométricas coloridas. 

Com efeito, há que compreender a função de múltiplas técnicas, - passando  pela gramatura do papel e indo buscar um pano-de-fundo nos antigos  mosaicos (ladrilhos) de residências ou igrejas, só para restar em um exemplo,  - essa função perfaz uma aura estética inauguradora de uma nova obra, quem  sabe uma nova ordem de pensar e refletir acerca da realidade.  Quero dizer com isso de uma nova ordem na fotografia, no qual a mensagem,  via meios tradicionais e digitais, assomam no nosso derredor, largando uma  forma monolítica que o retrato em preto e branco ou colorido demanda ao  expectador. Mesmo detendo um eidos estético, com o sumo da mensagem multisignificativo, não esquece de apontar caminhos e pistas a quem está  diante. Bem claro que o significante suplanta e questiona o que se diz,  sugerindo o como.

Sucede um fenômeno nosso momento histórico; como sempre, este, fruto  das condições socioeconômicas que a tudo e todos pintam com suas cores e  nuances. A saber, uma algazarra de informações contidas nas redes sociais,  sintetizadas no nome Internet. Muitos nem conseguem alcançar certas  nomenclaturas e determinados manuseios nos grupos sociais. Contudo,  podemos equacionar da seguinte maneira: tem tudo de bom, tem tudo de  ruim. Nunca esquecendo o mal-estar que bafeja sobre tudo e todos, inclusive  sobre a crítica de arte, ao que parece, em franca extinção. O fotógrafo Pacífico Medeiros optou pela primeira, ousando inscrever suas  fotografias em um amálgama de técnicas oriundas de diversos meios.

Não  deixando de lado o kairos, ou seja, o momento certo, a oportunidade não  perdida de apreender através da objetiva elementos figurativos que irão  compor uma espécie de ponto de fuga: mulheres, homens trabalhando, uma  senhora que aquiesce, por meio das mãos, as vicissitudes do destino.











domingo, 15 de outubro de 2023

Especial: A (meta) pintura de Laércio Eugênio

 

Por Márcio de Lima Dantas 



Laércio Eugênio (Sítio Mata Seca, Frutuoso Gomes, 1959) assenta-se, contemporaneamente, como um dos mais importantes artistas plásticos do  Rio Grande do Norte. Detentor de uma dicção pictórica assaz original no que  concerne aos meios utilizados pela pintura desde sempre. Acontece que o  artista optou por outro caminho, imprimindo à sua obra um tanto de  originalidade, fazendo com que marque um diferencial com relação aos seus  pares. 

Com efeito, suas telas parecem ser puro pretexto para questionar uma  representação realista ou abstrata do mundo que o cerca ou como chegam as emissões do real em seu íntimo. Ora, o que parece almejar é discorrer acerca  do ato de retratar qualquer que seja o tema, em um movimento que se volta  sobre si mesmo, chamando atenção e proclamando, - por meio de precisas  pinceladas mais espessas, ora usando o pincel, ora arrematando com a  espátula, - que o sistema semiótico pintura é uma outra realidade. 

Assim sendo, descobrindo seus próprios meios, ou seja, autodesvelando-se,  em uma atitude que tem muito de crítica, no sentido de que a tela não mais  busca ou salienta o que chamamos de tema, conteúdo ou significado. Vai  valer pelo significante, pela forma, em movimento que se volta sobre si  mesma. Ora, nada mais é do que aquilo que sempre foi a ontologia da Arte:  há que mirar-se na forma, e não no conteúdo. 

A obra do pintor Laércio Eugênio é um discurso que se pretende um “tratado  de pintura”. Eis a tinta ocupando o lugar que seria do desenho, conformando  um possível lugar de volumes quase sempre estáticos, reafirmando o que  dissemos. É uma espécie de contemplar objetos isolados ou em conjunto,  conduzindo o ato de pintar para engendramento de uma outra realidade,  antípoda ao que chamam de real empírico, lugar onde sucede a interação  entre os homens, seus objetos, seus sistemas de valores, suas maneiras de  agir ou representar. E suportando todas as atribulações, sendo espécies de  marionetes, em um eterno embate com as forças que nos chegam à nossa  revelia, impondo mando e jugo. 

Mas eis que temos a arte para nos redimir, uma dimensão outra perpetrada  por uma singular presença no mundo, consignando contornos, inventando  perspectivas, percebendo ângulos inusitados, alterando a ordem ditada pela Ideologia, fazendo-nos crer em uma possível outro jeito de pensar. Enfim, o  que de um imo singular emanou, dessa presença individual chantada nos  logradouros da realidade, de um que ousou pensar diferente e tornou essa  matéria em arte, eis a suprema capacidade de expressar uma pluralidade, um  coletivo, uma etnia, um país, um dado momento histórico e o seu Ar do  Tempo. 

Antes do mais, há que dizer que farei uso livremente das funções da  linguagem propostas pelo linguista russo Roman Jakobson (1896 – 1982).  Sua proposta das funções da linguagem é bastante dúctil, possibilitando que  se analisem outros sistemas semióticos, não apenas a Língua. O termo  Linguagem amplifica-se a todo e qualquer fenômeno da cultura, sendo que à  medida que houve uma evolução dos primeiros agrupamentos humanos de  caçadores e/ou agricultores, a língua foi se impondo como um dos mais  importantes meios de comunicação, dada a sua versatilidade e economia de  paradigmas conformando um sintagma. Quer dizer, um reduzido número de  fonemas é capaz de dar conta de línguas circunscritas a áreas geográficas ou  etnias com o mesmo laço de parentesco. 

Mesmo assim, as artes visuais seguiram paralelas, organizando  representações por meio de escrituras rupestres nos abrigos e cavernas,  também em baixos-relevos sobre o granito, como se tivesse sido riscado pela  mesma pedra. Esses são apenas alguns exemplos. Para além da dimensão  mágico-religiosa, havia a necessidade de expressão de um indivíduo à cata de inscrever fora de si uma outra realidade. Eis o que motiva o surgimento  da arte enquanto fenômeno de cultura, da mesma forma o que impulsiona  aos que, parece, sentem necessidade de cumprir determinada ordem vinda  das regiões mais profundas do seu íntimo. 

Esse conceito de Função Metalinguística empregaremos para analisar em  uma perspectiva ensaística a obra de um pintor originalmente relacionada  com o desenho, visto ter colaborado durante muito tempo como cartunista  do jornal Gazeta do Oeste, tendo despertado para a pintura em 1988. Aqui já  expusera seu talento em um desenho firme e detentor de uma dicção  extremante criativa. 

Separaremos, para fins didáticos, sua obra em três arranjos. As naturezas mortas, as paisagens e as marinhas. 

Suas naturezas-mortas detém características bem particulares, começando  por manusear uma rica paleta de cores e seus respectivos tons. Expressa o  pleno domínio da luz que esplende sobre arranjos de flores ou frutas isoladas,  em um preciso sombreamento. A luz nessas telas assoma sempre de um ponto, maneira arguta e sensível de fazer com que o objeto em cena quedado proeminente, resplandecendo a luz que ilumina a composição retratada por  meio da técnica expressionista: consistentes pinceladas que mais parecem ter  sido feitas de chofre, como se não houvera previamente o desenho. Evoca  uma espécie de pressa, no melhor sentido que possa haver. As grossas  pinceladas sugerem mais um artista pleno no domínio de seus meios. 

Tenho para mim, que os vasos de flores talvez sejam o que de melhor  conseguiu fazer valer sua estética, em uma maestria capaz de lograr êxito a  partir da sua experiência com as telas e os pincéis, demonstrando suas  capacidades de imprimir uma hegemonia da cor sobre o desenho, em um  despotismo de formas, cores e contornos capazes de desmistificar o retratado  como lugar agradável e puramente decorativo. 

O Expressionismo enquanto estilo histórico ou escola vinculada às  vanguardas que surgiram no início do século XX, caracteriza-se por buscar  a transmissão de emoções por meio de uma técnica muito parecida com uma  forma abrupta de transmitir para a tela o real e seu entorno. Isso mesmo, uma  espécie de pressa ao colocar em grossas camadas ou pinceladas, com  espátula ou pincel, o que se apresenta ao olhar ou se movimenta no entorno  do artista. Desse modo, alguns procedimentos empregados desde sempre são  esquecidos. Basta ver como os vasos com flores estão muito mais do lado de  insculpir emoções do que imprimir na composição um equilíbrio de formas  ou procedimentos desde sempre buscados por escolas de pinturas do  passado. 

Por isso, fomos buscar adjutórios, para efeito de compreensão, nas funções  da linguagem. Essas telas referendam uma arte que se dobra sobre si mesma,  como se quisesse testar o código. Assim sendo, podemos inscrevê-la como  uma arte metalinguística, na medida em que não busca retratar aspectos  tendo em vista uma cópia da realidade, como por exemplo, a estética  Realista, Romântica ou Acadêmica. Ao dobrar-se sobre si mesma, acaba por  revelar o caráter de que estamos diante de um objeto no qual outorga um  discurso de que não passa de uma composição, cuja organização cromática  chama atenção para as possibilidades de se plasmar algo que pode até  remeter a um referente do real, mas não se quer uma cópia deste. 

As paisagens propostas por Laércio Eugênio também remetem ao que acima  discorremos, no sentido de buscar a luz, sendo que aqui procura captar a  luminosidade natural, quer seja nas praias, quer seja em ermas zonas,  parecendo muito mais fruto da imaginação do que factíveis de existirem.  Reforçando a ideia de recortes do real muito mais como desculpas para se elaborar o luzir claro de um possível sol e uma possibilidade de encetar  contrastes entre cores e nuances que se opõem, como o azul, a terracota e o  verde.  

Com efeito, encontramos nas telas amplos céus azuis, conformados por meio  de espessas pinceladas em diversos tons dessa cor. A perspectiva é  conseguida quase sempre através de alguma nuance, não do desenho, que  desaparece, para dar espaço e vida às cores que entram na composição.  Sugere precisão e uma falsa urgência, pois sabemos que essa espécie de  técnica requer tempo, silêncio e um olhar atento, distanciando-se, vez em  quando, para saber a exata medida do que se está elaborando. 

Fica difícil não chamar atenção para a luz, com sua clara transparência, assim  como se passasse direto, vinda do firmamento, não recebendo nenhum  obstáculo. O artista consegue com destreza alcançar, com imensa  propriedade, esse privilégio das zonas rurais ou de algumas cidades  nordestinas. 

Por fim, vejamos o virtuosismo do artista em dos seus temas principais, as  marinhas. São detentoras de imensa beleza cromática, fazendo valer o que  ousou e usou nas paisagens. Nada devendo a ninguém. Limita-se a engendrar suas telas, como pessoa um indivíduo discreto e sem nenhum vestígio de  soberba, apenas transforma em paisagens marítimas as ordens que emanando  seu interior. Esse mando e necessidade que forças da natureza demandam  transformar em “energia” uma “dínames” (Aristóteles). Assim como se fosse uma imanência, algo que chafurda dentro de si,  ansiando por se tornar Arte. E com o pintor Laércio Eugênio, encontramos  esse A no melhor sentido, de benfazejos objetos incorporados aos que o  cotidiano já detém, sendo que na Arte, e sobretudo nas marinhas, há uma  nova forma de contemplar a realidade, na medida que há um diferencial, pois  refrata o que formos acostumados a ver ou o que nos dizem como ver. Aqui  há um novo projeto de vida: transmitir sentimentos por meio de uma  determinada maneira, ou seja, de como se assenta a realidade no interior do artista. E assim ele transmite, por meio da sua pintura, as emoções que  rebentam em seus músculos, ossos sangue, estrumando os cães adormecidos  na sua alma, fazendo com que se transformem em uma outra realidade  possível.

quarta-feira, 11 de outubro de 2023

Especial: Padre Antônio: caridade pastoral e entrega ao amor

Por Márcio de Lima Dantas 

                          "Boni de sui difusi" 

                     Santo Agostinho 



Como discorrer acerca de uma pessoa que não tive convívio ou acesso a  fontes primárias sobre seu comportamento e sua estada no mundo? Onde  resido é muito distante de onde ele atuou como sacerdote militante,  cumprindo o carisma da sua ordem, esse bem advindo do sagrado, voltando se para a comunidade: os padres da Sagrada Família, desde sempre  responsáveis pelo Santuário de Na. Sra. dos Impossíveis, localizado em um  contraforte da Serra de Patu. Por vezes, reverbera no meu íntimo frases  melódicas de um hino, assim dizendo: Vai trabalhar pelo mundo afora / Eu  estarei até o fim contigo. / Está na hora o Senhor me chamou / Senhor aqui  estou.  Encontrando-me assim, tal como no primeiro terceto da Divina Comédia, de  Dante Alighieri (Tradução de Cristiano Martins, Belo Horizonte: Itatiaia). 

                   No meio do caminho desta vida 

                         achei-me a errar por uma selva escura, 

                        longe da boa via, então perdida.

Como não sabia, dirigi-me a quem poderia saber. Achei por bem recorrer ao  amigo e benfeitor da cultura o Prof. Aluísio Dutra, que, por sua vez, indicou me o poeta José Bezerra (Antônio Martins, 1948), pois este conviveu na  Capela de Santa Teresinha com o Pe. Antônio e suas obras filantrópicas. Pe. Antônio Shulte-Wrede era responsável pelas atividades missionárias e  pastorais do Santuário do Lima e da Matriz de Na. Sra. das Dores. Desde  sempre já o conheci idoso, com uma longa barba branca, vestindo o hábito  do cotidiano dos sacerdotes da sua Ordem. Era uma batina firme no corpo,  que se destacava pela cor de um bege mais fechado. Ao que parece, era uma  espécie de indumentária usada no dia a dia, diferente da maior parte dos  clérigos, que é preta. Sim, já usava uma bengala para se apoiar. Por  coincidência ou uma benfazeja sincronicidade, estava eu passeando na ala  circular da igreja do Santuário. De repente, Pe. Antônio pegou no meu braço e me pediu para conduzi-lo até  a última casa que ficava debaixo da pousada. Alegou que chegara um seu  amigo, precisava acolhê-lo e dar assistência. Interessante que pegou uma  pessoa aleatoriamente; no caso, eu, uma espécie de compreensão do humano  como se todos fossem previamente bons, incapazes de negar uma pequena  ajuda. Não teve mais nada, foi só isso. De outra feita, ele se encontrava na pequena sacristia, local onde estavam os  objetos necessários à liturgia, das duas igrejas: uma no nível do rez-do-chão,  a outra no andar de cima. Havia um senhor, com sua esposa e duas filhas.  Este tinha trazido um presente para Na. Sra. Dos Impossíveis: uma rede.  Fiquei parado e observando. Esse homem disse alguma coisa, Pe. Antônio  recebeu com enorme gratidão a rede nova. Provavelmente, esse senhor, vindo do Ceará, dera o que detinha de maior valor. Foi assim que aconteceu.  Juro que é verdade. O clérigo não fazia distinção entre os romeiros,  amparando, conversando e prestando assistência. Aos domingos descia a serra e celebrava missa na Capela de Santa Teresinha.  Quando terminava, distribuía confeitos e biscoitos para as crianças. Todos  faziam uma grande festa. A comunidade ao redor da capela sempre foi  imensamente grata a esse sacerdote condutor não apenas de uma mensagem  espiritual, de evangelizador cuja missão era cumprir votos de dedicação para  com o seu semelhante, também apascentar seu rebanho, mas ajudava no que  podia às pessoas. Recorrendo a demandas enviadas a sua família e amigos  da Alemanha, reconstruiu a pequena capela, ampliando o tamanho para que houvesse maior conforto. Todas as quinzenas entregava às famílias  necessitadas cestas básicas.

O pastor conduzia como se fosse natural, como  se houvera nascido desde sempre com essas ordens atávicas, os símbolos do  mangual e do cajado. Não ficava só nisso. Procedia adjutórios aos que precisassem, retelhamento  de casas; pequenas melhorias, tais como tetos, portas e janelas, sobretudo  após as chuvas. Caso os moradores nada tivessem, pagava a mão de obra.  Após a celebração da missa no Santuário, descia para a cidade com o intuito  de prestar assistência aos enfermos. Bastante cansado retornava por volta das  10h, sempre a pé, recusando eventuais transportes. Acabou por sofrer uma  queda que o levou a ser cadeirante. A partir dessa condição, não ouve mais  mudança, mas ninguém pense que Pe. Antônio abandonou o seu ministério, os serviços dedicados, a missão que parecia habitar seu ser, mesmo sabendo  que não tinha mais tanto tempo. Pouco tempo depois veio a falecer no hospital da cidade, tendo sido velado  na Igreja Matriz, a população se fez presente, com muita gente se  despedindo, sobretudo os que residiam no entorno da Capela de Santa  Teresinha, pois fora lá que prestou muitos serviços ao menos favorecidos.  Foi sepultado no outro dia no Santuário do Lima, ao lado do túmulo de Pe.  Henrique Spitz. Seus restos mortais foram trasladados para Juazeiro do Norte  (CE). Tem uma coisa muito interessante e curiosa sobre esse sacerdote. Ele residia  no que chamavam de Casa dos Padres. Durante o reitorado de Pe. Henrique,  os padres tinham um apelido para ele: Santo Antônio. Não passava de uma  brincadeira elogiosa. Quando se ausentava, os padres diziam: Santo Antônio  está para chegar. Isso mesmo, temos que proclamar sua memória como dádiva de um homem  dedicado a fazer o bem, por meio de um serviço permanente de fé, esperança  e caridade. 

*Agradeço imensamente ao poeta José Bezerra, residente na cidade há 40  anos, poeta e ocupante da cadeira número 2 da Academia Patuense de Letras  e Artes. Sem seus preciosos informes, esse texto não teria sido possível.

quarta-feira, 4 de outubro de 2023

Especial: Café Santa Clara e Casa Paris.

Por Márcio de Lima Dantas

Professor de Literatura Portuguesa da UFRN


 “Só agravava o prato que comia”

Adágio popular.



Na rua Capitão José Severino, bem próximo a um logradouro no qual estavam estacionados carros de praça, que serviam de aluguel, tais como Rurais ou Jeeps, do lado esquerdo, havia um reputado café, espécie de restaurante e bar, conhecido pelas deliciosas iguarias expostas aos clientes. Era o Café Santa Clara, pertencente à senhora Severina Dias da Silva (30.07.1910 – 27.10.1986). Vendia-se bolos, doces, queijos, chocolates de diversos tipos, pudins, bolinhas de carne, linguiça, buchada, conservas, enlatados. Havia uma clientela cativa, aumentada nos sábados, nos quais ocorria a concorrida feira semanal.

Severina de Cunegundes era uma senhora baixa, um pouco corpulenta, vestia-se sempre com roupas discretas. Além de ser responsável pela coordenação da feitura das comidas oferecidas para a venda, também estava em pé, atrás do balcão, atendendo a freguesia. Cordata, todos a respeitavam. Era impossível vê-la sem estar envolvida em alguma espécie de atividade, seja do café, seja da casa de morada, extensão nos fundos, dando ir até a outra rua defronte da igreja matriz, no qual havia uma bela fachada, com uma pequena área coberta por uma linda trepadeira, perfumada durante à noite, e uma grade de ferro. Quase ninguém detinha essa planta em seu jardim.

Botando sentido no que foi a vida de Severina de Cunegundes, é próprio dizer de uma estreita relação com o trabalho. Pusera a razão da sua existência em uma rotina cujo labor ocupava quase o tempo inteiro. Não se sabe se tivera o que se chama vida social, das pessoas “mais ou menos”, nos clubes da cidade, nos bailes de carnaval, nas associações que congregavam senhoras católicas, como o Apostolado da Oração, ou qualquer outra aglomeração de diversão ou festa cívica.

Na verdade, sua vida parecia restrita à casa, espécie de clausura que voluntariamente construíra. Sintomaticamente a casa estava encostada as duas outras vizinhas, sem beco ou oitão permitindo abrir um espaço. Pouco se via o movimento da casa se olhássemos para a frente que dava para a ampla praça da Igreja Matriz. Essa mulher desde sempre lançara âncoras que a conduzia a um cotidiano eivado de horas nos quais o relógio clamava seus mecanismos, lembrando dos compromissos, escandindo o cotidiano por meio de um ritmo intitulado trabalho. Isso mesmo, o café ocupava seu corpo e sua cabeça, não havia mais espaço para nada, a não ser uma redobrada atenção com os agregados da casa: Tião, Chico, Maura e Raimunda. Um ou outro podia ter laços de sangue, contudo, a maioria foi se achegando, despertando relações de afeto, demandando cuidados, incorporados à casa, em um movimento inconsciente de organizar uma família, pensando muito mais em si, nesse cultivo amoroso, do que nos outros.

O certo é que se torna difícil separar uma coisa da outra. Ao haver uma doação e um cuidado para com o outro também procedemos a uma medida de nossa capacidade de amar e sermos amados. Cada um dos quatro acima aludidos, comportava uma quota de responsabilidade, de acordo com as sessões do café, podia ser levar os mandados ou a compra de algum insumo, como Tião; também podia ser a feitura de comidas, como é o caso de Raimunda ou Maura. Ninguém havera de se dar ao luxo de nada fazer. Quando o dia chegava, todos implicitamente já sabiam o que lhes competiam elaborar, a quantidade e a qualidade.

Assim sendo, o exercício diuturno do trabalho era entendido como uma maneira não apenas de preencher o tempo com um minério edificante, mas muito mais como uma compreensão das horas dedicadas às atividades requeridas pelo café, conduzindo a uma explicação do estar no mundo, por meio de ganhar a vida através do suor, elevando o trabalho a um patamar mais alto, imprimindo respeito e dignidade, nada devendo a ninguém, dando-se o luxo de não ter resposta para dar a ninguém. Apenas elaborar uma funcionalidade que, por sua vez, engrandecia e deixava a alma plena de uma virtude eleita como a condimentadora da vida com especiarias capazes de dar bom sabor a tudo que fazia de boa vontade.

Agora vamos nos deter sobre o proprietário da Casa Paris, o mais sortido armarinho de miudezas, não só da cidade, massa de toda a região ao derredor. Era o Sr. Cunegundes Hemetério da Silva (03.03.1902 – 12.04.1981), ajudado por Chico. Aos sábados, como o movimento era maior, quase sempre tinha uma mocinha que ajudava a atender a clientela. Ficava difícil dizer quem era o mais calado dos dois, se o Sr. Cunegundes ou seu filho adotivo Francisco Dantas de Rezende (18.05.1938 – 02.12.2008).

O armarinho fazia jus à sua fama, com uma variedade enorme de materiais dedicados ao ataviamento de roupas sociais, de banho ou de cozinha. Podíamos encontrar gripi de todas as cores, sianinhas, fitas de toda largura, bicos, enfim, tudo que dissesse respeito aos arremates finais de uma costureira sobre uma roupa, concedendo uma dimensão estética a vestimenta.

A vida desse senhor limitava-se a administrar o seu negócio. Sabendo o caminho da loja até o café, onde era sua casa. Andava sempre lentamente, como se contasse os passos de uma vereda desde muito conhecida, pouco ou nada lhe interessava dos transeuntes, se iam ou se vinham. O importante era encerrar o dia cansado, com seu dever cumprido. Malgrado o cansaço de músculos e ossos, provava da brisa do entardecer, como se ela aportasse no seu frescor a aprovação desse bem estar com os outros, com sua família, mas, antes de tudo, consigo próprio, que é o que mais interessa e o mais importante, diante da vida e de sua obrigatoriedade de não cairmos em um vazio existencial. Por isso, o sensato e o saudável que é trabalhar, ocupando a cabeça com amanho de uma ocupação digna e edificante.

Com efeito, desenvolve-se uma boa maneira no amanho de dias sempre iguais. Isso interessa pouco aos que compreendem a vida como amar e trabalhar. Assim adquire-se uma lídima autonomia perante seus semelhantes, que podem até mangar, mas nunca capazes de dizer que o outro incorre em erros e práticas contra quem quer que seja. Não dá nada a ninguém, mas também não quer nada de ninguém. De maneira sutil e silenciosa lança o outro contra a parede; encostado, serve de exemplo a quem ousar chegar perto com suas piadas, ironias e deboches, tão caros a parte da população.

O Sr. Cunegundes não era afeito a polêmicas que a nada conduzem. Com sua forma de vida, plena de discrição e silêncio asseverava a quem interessasse estar com ele ou contra ele, parecia dizer sem falar: “Com licença, mas eu vou passar”.

Por fim, não tenho muito mais a dizer. Gostaria de falar dos agregados que se fizeram família, Raimunda Dias de Barros (05.06.1954), chegou com seis anos, era sobrinha de Da. Severina. Os outros três não eram parentes de sangue: Maura chegou com nove anos, Chico chegou com cinco anos.

Parece que sua boca, ao nascer, recebera um lacre possível de emitir tão somente discursos eletivos, configurando uma natureza comportamental que o conduzisse a uma liberdade interior, sem o compromisso ou a responsabilidade de ser refém do que pronunciara.

Chico, ocluso em uma aura de silêncio, mesmo em rodas neutras de homens pertencentes ao senso comum, já não sabia se nascera assim ou o exercício do lacre na língua advinha de uma sujeição ao contínuo exercício desde criança, em uma mescla de timidez e indiferença ao que acontecia no seu entorno.

E se era de encontrá-lo onde quer que fosse? Estava sempre com o aspecto asseado, discretas roupas limpas, sapatos pretos envernizados. Encostava-se nas paredes, ao se juntar a outros homens matando o tempo. Encerrado em si mesmo, restava a dúvida se estava prestando atenção às conversas ou seu espírito vagava em algum lugar no ermo da caatinga da região.

O mundo para Chico de Cunegundes estava restrito a um segmento de rua entre o armarinho e o café. O diâmetro de espaço no qual circulava era exíguo. Parecia se sentir seguro em lugares com pleno domínio e visibilidade do que ali sucedia, sendo possível haver uma previsibilidade no comportamento dos grupos de homens passando as horas nas calçadas, nas horas menos tépidas da tarde. Talvez fosse pouco afeito às pessoas desconhecidas, evitando surpresas que não estivessem consoante suas demandas interiores.

Raimunda, sobrinha de Da. Severina, viera de um sítio para estudar na cidade, bem como ajudar a Tia na casa e no café. Tinha apenas seis anos: uma mocinha destemida e trabalhadeira. Logo quando chegava da escola, dirigia-se à tia, para saber o que estava pendente e quais eram suas obrigações do dia. Estava sempre de prontidão, nada recusando fazer, afinal já era uma mocinha. Formou-se e aposentou-se como professora.

Havia uma outra pessoa que também era agregado, Tião, da família Rodrigues, responsável por efetuar os mandados. Ao que parece, a Sra. Severina atraia pessoas de boa índole e com capacidade de trabalhar, compreendendo que é por meio da labuta diária que se edifica, sobre a rocha, a morada da vida.




Antônio Silvino no Rio Grande do Norte.

Autor: Raimundo Soares de Brito - Raibrito. Membro da SBEC.

Antônio Silvino
Grafite (18/08/1993) de Guilherme Augusto - funcionário da Petrobras, baseado em foto do cangaceiro, publicada no livro “Antônio Silvino: O Rifle de Ouro”, de Severino Barbosa (Arquivo SBEC)


Dizem que o Dr. Raul Fernandes, depois do sucesso alcançado com o lançamento de “A Marcha de Lampião”, partiu para uma outra caminhada no roteiro do cangaço: organizar um outro livro, baseado nas incursões de Antônio Silvino e seu bando, no nosso Estado, e assim o fez com o título de “Antônio Silvino no Rio Grande do Norte”.

Conforme se sabe, três chefes de bando armado, deixaram os seus nomes inscritos no livro do cangaço, e na mente das populações sertanejas, de maneira indelével, nesta região: Jesuíno Brilhante, Antônio Silvino e o mais famoso de todos – Lampião.

Cada um, porém, com a sua história, contada ou escrita com as características próprias e diversificadas, na maneira de agir, ditadas pelo estado temperamental de cada um e pelas condições ecológicas do meio ambiente, na época em que viveram e atuaram.sim faço: dessado.

Jesuíno Brilhante, cronologicamente o primeiro, na nossa região, não foi um celerado qualquer, salteador e sangüinário como tantos. Não. Tinha os seus homens, o seu grupo, é certo; muito mais para se defender da polícia e dos seus numerosos inimigos, do que para a prática do assalto criminoso à propriedade alheia. Não roubava. Sensível ao sofrimento dos humildes, dos injustiçados e desprotegidos da própria sorte, se fez deles protetor. Dizem que assaltou comboios do governo em época de seca, distribuindo os gêneros com os flagelados. A sua história se acha contada pelo escritor conterrâneo Raimundo Nonato em “Jesuíno Brilhante – O Cangaceiro Romântico”.

Antônio Silvino – de quem nos ocuparemos demoradamente neste comentário, em alguns aspectos – e sem que pese a prática de alguns assaltos – tinha lá as suas maneiras de agir, muito semelhantes às de Jesuíno Brilhante. De modo geral, também não assaltava. Mandava um recado, ou, pacificamente se apresentava ele próprio ao chefe da localidade ou ao fazendeiro abastado, a quem fazia o seu pedido, dizia das suas necessidades e das suas pretensões. Uma vez atendido, desaparecia, sem a ninguém molestar.

“Antônio Silvino, pernambucano, usou o rifle dezoito anos. Atravessou o Rio Grande do Norte, pacificamente” – diz o Dr. Raul Fernandes no livro que escreveu sobre Lampião. Este, ao contrário dos dois, foi a expressão máxima do cangaceiro nordestino. Implantou o terror. Foi em síntese, o crime personificado, matando pelo prazer de matar; roubando, pelo prazer de roubar.

No ano de 1901, Antônio Silvino acossado pela polícia paraibana, penetrou no Rio Grande do Norte. Foi exatamente quando se deu o chamado “Fogo da Pedreira”, na fazenda desse nome, pertencente ao Cel. Janúncio Salustiano da Nóbrega, do município de Caicó. Olavo Medeiros Filho residente em Natal, sabe como tudo aconteceu.

Ainda em 1901, há notícia de que esteve em São João do Sabugí. Dizem que, com a sua chegada, com exceção da casa do Sr. Manoel Amâncio, todas as outras da pequena povoação, foram fechadas. Na casa de Amâncio, Silvino foi pacífica e amistosamente recebido. Uma coleta de duzentos mil réis feita pelo seu hospedeiro entre as pessoas mais abastadas da terra, foi o suficiente para que o bandoleiro abandonasse a localidade “internando-se ainda mais neste Estado” – dizia o noticiário da época.

No ano de 1912, esteve em Jucurutu e Augusto Severo, atual Campo Grande. Muito embora Mossoró não tivesse no seu roteiro de visitas, os seus habitantes ficaram em polvorosa: “Uma notícia alarmante correu célere pela cidade nos dias agitados de maio de 1912. Teria sido visto no Alto da Conceição um presumível comparsa de Antônio Silvino” – é o que nos conta Lauro da Escóssia no seu livro de memórias, dizendo mais que “o comércio fechou as portas, o povo se aglomerou, enquanto as autoridades de imediato tomaram as providências cabíveis organizando a defesa da cidade. Mais tarde, tudo estaria esclarecido: Um comerciante da praça reconhecera no suposto ‘perigoso cangaceiro’, um seu freguês, também comerciante em Alexandria, que, quase pagava com a vida as canseiras da viagem” – conclui Lauro.

Vem dessa época, o fato que motivou esse relato.

Na sua visita a Augusto Severo – por sinal bem sucedida – Antônio Silvino deixou um recado para o povo de Caraúbas, dizendo que em breve iria até ali, com o mesmo propósito. O recado foi transmitido pelo Padre Pinto, então vigário de Augusto Severo, ao Bel. Alfredo Celso de Oliveira Fagundes, que ali se encontrava em trânsito.

O Dr. Alfredo, recém-investido no cargo de Juiz Distrital de Caraúbas, cioso dos seus deveres de guardião da lei, não viu com bons olhos a descabida e pretensiosa atitude do bandoleiro e ao chegar a sua terra, onde também já havia chegado o “ultimatum” de Silvino, encontrou o chefe local e demais autoridades sobressaltados e desalentados ante a perspectiva da indesejável visita.

Foi quando o juiz tomou a arrojada decisão: assumiu a responsabilidade da defesa do lugar e mandou dizer ao bandoleiro que, “podia vir, mas que seria recebido à bala” – aquela mesma resposta que Rodolfo Fernandes daria mais tarde a Lampião.

É claro que Antônio Silvino não gostou da resposta e mandou-lhe o troco com esta terrível ameaça:

“Pois diga a esse dotôzinho, que breve irei lá. Vô rasgá a sua carta de dotô, queimar a sua casa, esquartejá-lo e depois dinpindurá os seus restos nos postes dos lampiões da luz...”.

Imediatamente a população foi mobilizada. Alberto Maranhão no Governo do Estado, cientificado, mandou “um cunhete de balas (1.000 cartuchos)”. As lideranças locais e fazendeiros convocados atenderam ao chamamento do juiz e de repente 40 rifles estavam a sua disposição. Vários dias a então vila de Caraúbas esteve em pé de guerra na expectativa do ataque iminente, mas Antônio Silvino não apareceu para “rasgá a carta do dotô...”.

De tudo ficou o fato e a foto documentando para a História um acontecimento, fruto de uma época de atraso que já se vai encobrindo na curva do tempo.



Grupo de defensores de Caraúbas ao ataque de Antônio Silvino:

Francisco de Souza, Nilo de Góis, Francisco Amâncio, Elizeu Noronha, Francisco Brasilino, João Cisneiros de Góis, Firmino Gurgel, Osório Pinto, Abel Fernandes, Pedro Oliveira, Manoel Rosa, Mariano Soares, João Neiva, Samuel Mário, Nestor Fernandes, Vital Fernandes, Bento Sobrinho, Bertoldo Soares, Josué de Oliveira, Valério de Freitas, João Câmara, Manoel Darico, Elísio Fernandes, Pedro Fernandes, Joaquim Amâncio, Deodoro Gurgel, Lino Ademar, Manoel Teopompo Fernandes, Jacob Gurgel, Luiz de Oliveira, Joaquim Gurgel, Nestor de Oliveira, Dr. Alfredo Celso, Cícero Fernandes, Raimundo Costa, Manoel Arruda, José Dantas e Matias Fernandes.


terça-feira, 26 de setembro de 2023

Especial: E por isso nunca saí da escola.

 

Por Márcio de Lima Dantas.

Outrora, se bem me lembro, minha experiência na escola foi uma grande  descoberta, não apenas para ler e escrever, para contar, mas, sobretudo,  descobrindo quem eu era, quais as identificações, em que lugar me sentia  protegido, também algo que me acompanhou durante toda a vida: não  permitir que o convívio em sociedade ultrapassasse minhas expectativas e  domínio acerca do meu entorno. 

Ora, não posso deixar de reconhecer esse traço da minha personalidade como  um defeito, na medida em que logo me entendi por gente já foram dizendo o  quão eu era autoritário e mandão. Mas, leitor amigo e indulgente, podemos  tentar compreender esse ethos advindo de regiões pelágicas da minha  personalidade? 

Vou logo avisando, não me carimbem com apelidos delineadores de uma  caricatura da minha pessoa, na medida em que certas virtudes presentes em  algumas personalidades, se observadas na prática como gestos de entrega e  compaixão, proclamam um ser compreendendo as relações humanas como  espaço de produção e edificação de tudo o que faz fronteira com o Bem. Não  faço um autoelogio, pois nunca aconselhei ninguém a me comprar por santo.  Não é? Vai perder o dinheiro. Apenas quis falar de como se organiza um  comportamento. Creio que todos sabem disso. 

Isso posto, vamos falar da minha jornada na escola. Traçarei uma linha  cronológica, envergadura de significado e sentido com os nomes dos que  foram meus mestres. 

Élia era muito bonita, com seus longos cabelos, morava em frente da minha  casa, filha de João Camilo e Da. Fransquinha. Ela é meu mito fundacional  quando necessito tratar da escola. Aprendi as primeiras letras naquela antiga  Carta de ABC, bem como tirar as contas por meio das quatro operações, na  Carta da Tabuada. Meus amigos de brincadeiras de rua também eram seus  alunos. Havia que ter essa etapa, para desasnar a criança. 

Lourdes deu continuidade, em uma atitude pedagógica mais avançada, pois  já se conhecia, toscamente, reconhecer as letras, formar as sílabas e soletrar. Parece que soletrar não integra mais o currículo dos iniciantes. Lamentável, 

visto que o aluno capaz de soletrar, também dava um grande impulso a se  compreender o funcionamento da linguagem, por conseguinte, para os mais  sagazes, acessavam um conhecimento da gramática do mundo e da sintaxe  dos indivíduos. Lourdes lecionava em grande mesa de fornida madeira.  Havia um objeto que jamais tinha visto: um ábaco. Lembro de ter ficado  extremamente curioso. Era preso em um dos quatro extemos da mesa.  Cheguei a aprender a manusear, realizando com sucesso as quatro operações  matemáticas. Residia na casa de Seu André e Da. Luzia, e fora por um tempo  secretária do Ginásio Comercial de Patu, quando Petronilo Hemetério Filho  foi diretor, 

Nice de Rael, filha de Rael e Minervina, famosa por ser benzedeira, curava  crianças e enfermos. Será que havia maior prazer do que ser aluno de Da.  Nice? A sala de aula ficava encostada na casa de seus pais. Não havia uma  pessoa mais refinada em sua educação e amabilidade para com todos. Todo  mundo sabia que passar pelas mãos dessa mulher sempre contente com a  vida, dando sonoras gargalhadas, era imprescindível no processo de ler e  escrever. Chamava a atenção, vistas pela primeira vez, das carteiras escolares  de madeira, justapostas umas às outras. Era desnecessário reclamar ou falar  sério com os alunos, todos a respeitavam. Quem sabe, pela primeira vez,  estava consolidada em minha cabeça o quanto era importante o respeito em  um lugar dedicado ao conhecimento, ao livro como valor, aos que  partilhavam esse gosto, enfim, a uma espécie de espaço sagrado., 

Teresinha de Noemi, mãe de Silvanete, Gislaine e Sílvio Filho. Também era  separada do que fora esposo. Aqui também se encontrava a fileira de  carteiras, postas na sala de estar, pois ela residia junto com os filhos nessa  casa. Conhecida pelo rigor com relação à disciplina, desde o início, até o fim  da aula. Ao que parece, seus ensinamentos concerniam à primeira série  primária. Assim como se fosse uma antecipação, antes de chegar nos Grupos  Escolares. 

Quando fui matriculado para estudar no Grupo Escolar João Godeiro, não  entrei no primeiro ano. Estava adiantado, já conhecendo os conteúdos dessa  série. Fui considerado apto a ir direto para o segundo ano. Foi a minha  primeira escola formal, pois as demais inscreviam-se no que chamavam de  “particulares”. Findara um ciclo no qual havia uma interrelação maior com  a mestra. Agora era uma sala de aula completa de gentes de todas as formas  e jeitos. Como se um certo anonimato presentificava-se, lançando cada um,  menino ou menina, em uma possibilidade de selecionar aqueles com os quais  se identificava. Não havia a necessidade de conviver com todos. Creio que 

esse caráter de um tanto de anonimato na verdade fez com que uma liberdade  chegasse com seu prumo, deixando o indivíduo mais ancho de si, permitindo  uma saudável insolência, organizando através de uma determinação e livre  arbítrio uma identidade e graus de parentesco que não são os impostos pela  família, sopros de vento adentravam pelas janelas do estabelecimento,  separando as pertenças e apartando com discreto silêncio o que se quer, o  que interessa, o que se identifica. 

O Grupo Escolar João Godeiro era a única escola pública da cidade, servindo  a todas as classes sociais. Detinha a particularidade, em sua arquitetura, de  todas as escolas edificadas naquele tempo. Do lado direito havia um longo  corredor, com três salas de aula. Seguindo o rumo dos dois banheiros  encontrava-se um grande pátio coberto. Aqui ficávamos sentados no chão,  alguns recreavam de outras maneiras. Logo na entrada, um balcão de  alvenaria, era o local de distribuição da merenda escolar. Consegui alcançar  um tempo da “Aliança para o progresso”. Conduzia conosco latas de  alumínio vazias, com tampa. As merendeiras enchiam com leite em pó. Para  as pessoas muito pobres, com bebês em casa, era um bom adjutório. Oposto  ao corredor, havia um pequeno apartamento no qual habitava a pessoa  responsável pela limpeza das instalações. Era um ambiente simpático: sala,  quarto, banheiro e cozinha. 

Como disse, fui matriculado na segunda série primária, cuja professora,  Adalzira Brilhante (separada de Raimundo Solano, irmão de Alvanir e Mário  Solano). Tinha uma filha adotada, Izonária. Residia em uma casa simples,  do lado direito de quem segue para o Alto. Estava sempre bem vestida,  indumentárias simples. Seu cabelo amarrado nas costas, e um par de óculos  de lentes grossas. Detentora de uma incomensurável paciência com seus  alunos, ficando na cabeceira da mesa, mas sem perder o rigor e a exigência  para com os deveres de casa. Sempre era possível encontrá-la nas missas. 

A minha professora da terceira série foi Neide de Quincola (apelido de  Joaquim Belarmino de Andrade, filho de Biia, irmão de Teteca). Por seu  turno, Neide era filha de Lídia Munguzá, renomada parteira, irmã da  bordadeira Anita de Chiquinho, esposa de João Munguzá. 

Além de deter um amplo conhecimento das matérias lecionadas, apelando  para a disciplina e cobrança dos conteúdos ministrados, era extremamente  espirituosa, sempre fazendo brincadeiras com o comportamento e o jeito de  ser de cada aluno. 

Finalmente, um professor para encerrar o chamado Ensino Primário, Sr.  Benício, oriundo do Crato, fora sacristão durante muito tempo do Santuário 

de Na. Sra. Das Dores, sabe-se que tivera vizinho à casa dos padres, uma  escolinha para os habitantes permanentes ou trabalhadores das obras da  igreja. Casado com Zulmira, pai de Betânia e Maria do Socorro. 

Detinha um temperamento de homem cordato e pronto a servir sua família  ou os amigos. Sua rotina se restringia a uma simplicidade franciscana: de  casa para o grupo, e vice-versa. Sempre estava na calçada, balançando-se em  uma cadeira de fitilho. Quando da sua presença na sala de aula, os alunos  compreendiam a obrigação de respeito para com o senhor de cabelos  brancos.  

Tudo transcorria naturalmente, através de uma fluência presentificada por  meio de algo tacitamente acordado entre as duas partes. Eu trago conteúdos  para vocês, ministro com todo afeto, estou cumprindo meu papel de  professor, sou pago para isso. Todos nós, em uníssono, amamos o senhor,  estamos aqui para aprender, exercemos o ofício de aprendizes, decantando  as ciências, a matemática e a gramática em um assoalho sólido, para conduzir  ao longo da vida, sua lembrança será rememorada como um dos pilares que  sustentam nossa presença no mundo. 

Para encerrar, penso que ficou bem claro o motivo pelo qual nunca saí da  escola. Adianto dizendo que me aposentei como professor da UFRN  (Professor de Literatura Portuguesa), carreira iniciada em 1993. Foi algo que  eu escolhi, pois tive que me reprofissionalizar, tendo antes feito um outro  curso, que nada tinha a ver comigo. Está tudo encerrado, pago, não devo  nada a coisa alguma, tampouco busquei o troco.  

Logo com dezoito anos, fui contratado pela Prefeitura de Mossoró, professor  de Ciências e Matemática, na Escola Municipal Joaquim Felício de Moura,  poucas vezes tinha sentido tanto prazer em estar em um lugar, cujos alunos  eram operários, pedreiros, padeiros, mulheres que trabalhavam na fábrica de  roupas. Eu só sei de uma coisa, fiz a minha parte e fui cúmplice dessas  pessoas lançadas para as linhas de pobreza e para o anonimato de uma  sociedade extremamente cruel para os menos favorecidos. 

Também fui professor de uma escola em uma pequena cidade nos arredores  de João Pessoa, chamava-se Cidade do Conde. Sim, eu ia esquecendo de uma  coisa. Antes dos dezoito anos, fui professor particular de reforço dos dois  filhos da minha prima Zenaide, sobrinha de papai. Como professor  particular, também ministrei aulas em Campina Grande, para os filhos de  uma senhora chamada Adma Timane, creio que era de ascendência libanesa.  Não me lembro dos dois rapazinhos.

Que forças do meu íntimo teriam me lançado ao encontro desse lugar onde  encontrei realização e prazer de viver? O que eu era enquanto menino que a  escola me outorgou segurança e equilíbrio para tornar os dias detendo um  componente que transcendia as atribulações ou o que não saia de acordo com  o planejado, quer fosse amizade, que dissesse respeito ao amor? Acho difícil  responder, eu só sei que lecionar, pesquisar, ler e publicar passaram a ser o  sal da minha vida. Exultate! Jubilate! E nada nem ninguém foi capaz de  extrair isso de mim, pois era uma espécie de tesouro que não somente me  continha, mas eu o continha. Qual a minha Magnum opus? E eu lá sei! Nada  em específico, muito mais o conjunto, a trajetória, o caminho, de cabeça  erguida. Pacem in terris.

domingo, 17 de setembro de 2023

Especial: A casa de Quincas Saldanha nos Arredores de Caraúbas.

 Por Márcio de Lima Dantas.



Joaquim Silva Saldanha nasceu em 11 de dezembro de 1872, faleceu em 14  de junho de 1936, na cidade de Caraúbas. Era Coronel da Guarda Nacional,  latifundiário de terras no Rio Grande do Norte e Paraíba. Essa titulatura,  menos remetia a se considerar como um quadro de uma instituição nacional,  e mais como espécie de título encomiástico que imprimia a quem houvesse  tê-lo, poder e valor, visto está quase sempre atrelado a personagens da região  Nordeste caracterizados pela posse de grandes datas de terras e ao criatório  de animais adaptados à região do Semiárido. 

O Coronelismo foi uma  instituição extremamente importante na gramática do teatro social, desde  sempre das gentes habitantes sertões adentro. Foi casado com uma prima, a  Sra. Joaquina Veras Saldanha, tendo gerado dez filhos. Passou e residir na  casa dos arredores de Caraúbas em 1920. 

Vinculado ao patriarcado das gentes nordestinas, administrava suas  propriedades rurais como um legítimo senhor de terras e gentes. Residiu por  muito tempo em duas suas fazendas: Fazenda Aldeia e Fazenda Amazonas,  sendo que nessa época estavam localizadas no município de Brejo do Cruz.  Na época, a aristocracia agrária se confundia com a política. Em assim sendo, 

participou da Revolução de 30 como um dos chefes no Rio Grande do Norte,  filiado ao Partido Nacional Socialista. Era conhecido pela alcunha de “Gato  Vermelho” (Informações acima podemos encontrar no livro A história  continua... Saldanha & Veras, de Francisco Galbi Saldanha, Natal:  Fundação Vingt-un Rosado, 2021) 

Saindo da região Assu/Mossoró, com destino à região Sertão do Apodi,  adentrando pelas quentes terras que caracterizam as condições  climatológicas oriundas das bodas entre um sol inclemente e da ausência de chuvas, sobretudo quando assoma a estação seca, eis que podemos encontrar  a cidade de Caraúbas. Pouco antes de chegar à zona urbana, do lado  esquerdo, ergue-se uma casa que quase obriga os passantes nos automóveis  a contemplar. É o que ficou conhecida como a “Casa de Quincas Saldanha”. 

A casa parece refletir a personalidade do seu proprietário. Os traços  arquitetônicos são inequívocos ao primar pela ordem, equilíbrio e  sobriedade, lançando para distritos outros que abriga o emotivo, sentimentos  de arrebatamento do espírito ou os chamados pulsares que ficou conhecido 

como coisas do coração. A própria cobertura de telhas, com sua água anterior  declinando para a fachada sugere ao visitante que se achega à casa firmar seu  contato primeiro com a residência. Não há como negar, um monumento  erguido não somente pela sua funcionalidade de habitar e servir de abrigo,  mas ergue-se discreta simplicidade de linhas retas, como objeto estético a ser  contemplado e fruído. 

Com efeito, essa fachada, ausente de porta de entrada, ergue-se a partir de  uma cumeeira que cai em duas águas. Ao invés do que tradicionalmente  consta na arquitetura dita clássica, visto que as duas águas mestras  encontram-se no cume do telhado, conformando um triângulo retângulo cujo  pico do telhado é o encontro das duas águas, aqui é diferente, remetendo  muito mais as casas construídas em regiões quentes. A altura possibilita a  entrada e a circulação do vento, refrescando o interior da casa. A porta de  entrada localiza-se do lado direito, onde há um oitão largo e longo, separando  essa casa da residência do que parece ser a de um morador. 

Retornemos à fachada principal. Há uma platibanda de pouca altura, se  considerarmos uma linha que sobrepõe todo um retângulo circunscrevendo  as duas faces exatamente iguais, quer dizer, podemos riscar uma linha  cortando a fachada ao meio: teremos duas janelas de cada lado, dentre outros  elementos ornamentais, também com presença bilateral, provocando uma  suave harmonia no espírito de quem avista a casa pela primeira vez. 

Dessarte, a platibanda com essa compleição, deixando nu o telhado que cai  para a fachada principal, não consegue esconder o que ficou conhecido como  sua função. A saber, disfarçar ou esconder o que recobre uma casa. Talvez  essa obrigação de obliterar o telhado ou elementos da cumeeira, como  madeira mais espessas ou caibros, esteja relacionado às residências urbanas,  de cidades pequenas ou não, no qual a aparência deve ser algo valorizado. 

Há quatro janelas, cuja porta de entrada do lado direito permitiu que se  organizassem os elementos acima citados. Toda estrutura e repartição em  cômodos remete à arquitetura das casas sertanejas, apenas a fachada refoge,  evocando em sua compleição as casas urbanas, embora esta detenha um  requinte estilístico que a faz conter em seu conjunto uma planta que diz  respeito a determinadas tradições estéticas dos estilos históricos que  podemos, sem muito esforço, encontrar os traços. 

Isso posto, ainda temos a levar em consideração formas que persistem na  História da Arte desde sempre, emergindo de vez em quando, consoante a  necessidade ou demandas de condições históricas relacionadas a povos ou  países. Eis o caso do Barroco. Alguns pesquisadores apontam as 

especificidades do cone semântico nos quais determinados elementos  integrantes das edificações do século XVII. 

Isso não quer dizer que essa escansão seja rígida, como se ao findar  determinado Ar do Tempo, imediatamente encerrassem as formas de sentir  e agir de grupos sociais. 

Essa digressão nos permite compreender e classificar o estilo da casa de  Quincas Saldanha como caudatária do que ficou conhecido como estilo  Clássico, sendo que nesta todo o vocabulário de elementos manuseados  encontram-se estilizados ou são paráfrases, ou seja, não iremos encontrar o  glossário de referente aos elementos integrantes das edificações grecolatinas.  Contudo, um expectador mais atento encontrará os princípios que regem a  arquitetura dessa tradição que sempre acompanhou a História da Arte  ocidental. 

Faz-se necessário remarcar a compleição da fachada. Apenas as quatro  janelas detém um caráter funcional, na medida em que servem para deixar a  luz iluminar o interior dos cômodos, bem como permitir a circulação do  vento, refrescando e funcionando como “limpador” das energias paradas do  interior da casa. 

Podemos observar uma série de elementos em autorelevo. Foi o que  insistimos em nominar de estilização ou paráfrase. Cinco colunas  quadráticas perfilam toda a fachada, tanto nos extremos direito e esquerdo  quanto como adereços separadores das janelas. As duas janelas centrais são  encimadas por espécies de frontões mais elevados do que o retângulo  horizontal observado na totalidade da fachada. São puramente decorativos,  sendo que destoam um tanto do conjunto, pois aparece e predomina a linha  curva, sem ostentação ou extravagância. Ao que parece, imprime uma certa  solenidade para visitantes, antes de chegar na calçada da herdade, sendo o  que arremata todo o conjunto a existência de dois triângulos, com volutas  voltadas para baixo. Há que remarcar o adorno presente em todas as  estilizações das cinco colunas: conchas superpostas, encerrando lá em cima  o ataviamento da platibanda. 

Por certo, foi para compor uma harmonia, tendo em vista o aparecimento da  linha curva, e sua reverberação, que puseram dois círculos no meio e em cada  lado, uma redução em linhas gerais de uma flor, como soi acontecer em toda  a História da Arte no Ocidente, no qual foi presença marcante no estilo 

Gótico. Sintomático que apareça justo nos dois lados da linha que separa a  fachada em duas faces exatamente iguais. Essa forma da rosácea sempre foi  manuseada no âmbito das edificações para serem usadas como janelas e 

filtrarem a luz para o interior da construção. No nosso caso, os dois círculos  com traços evocadores de uma rosa no seu interior, ou seja, a metonímia da  parte pelo todo, visto não existir pétalas, mas riscos que emanam do centro,  parecem sugerir insígnias invocadoras de uma geometria relacionada ao  sacro, pois desde sempre as tradições religiosas relacionaram o círculo como  totalidade, simbolizando Deus. 

De fato, consciente ou inconscientemente, organizou-se na fachada  representante da moradia do Coronel Quincas Saldanha simplificações  geométricas de formas que atentamente observadas podemos encontrar uma  confluência de símbolos que reforçam o lugar social do seu morador. No  caso dos círculos, eis a representação e presença do divino. O deus aqui  presente é o relacionado às tradições da Igreja Católica, desde muito  dominantes nesses sertões interior a dentro. Cúmplices e justificadoras de uma microfísica do poder, imperando por meio de alianças cujo Deus  legitimava a ideologia do Patriarcado Rural. 

Por fim, destacaremos a casa de morador do lado direito, edificada com  extrema simplicidade. As duas águas seguem o paradigma das casas oriundas  dos sertões: pé direito sempre alto, abrindo espaço interno para a ventilação,  haja vista o clima tendo dias longos e quentes, esse artificio permite um tanto  de conforto. Há uma porta e uma janela, na sua fachada nua, desprovida de  qualquer ornamentação, quer dizer, tudo é funcional, mesmo a calçada um  tanto alta, para nivelar o sítio onde está a casa. 

Outra coisa é a parede circundante do curral, a qual foi construída em  alvenaria, dividida meio a meio. A parte inferior é maciça, já a parte superior  tem uma alternância de colunas separadas por espécies de ripas de concreto,  em número de três. E assim segue o mesmo padrão, sendo que apenas na  linha onde se encontra a porteira prevalece. Essa corporatura,  provavelmente, não é muito comum nos currais das casas de moradores mais  modestos ou mesmo detentor de vastas propriedades. 

Para encerrar, se faz necessário proclamar a beleza da Casa de Quincas  Saldanha, chantada nos ermos das terras agrestes do Semiárido. Sua  simplificação geométrica nas formas expressa uma disposição de espírito inerente, quase sempre, aos que nascem sertões afora, voltados para rotinas  vinculadas a um escandir do tempo preocupados com as duas estações: a seca  e a chuvosa. Quando a seca se estende por muitos meses ou anos, há que  buscar artifícios de sobrevivência, mesmo para pessoas abastadas, como é o  caso do proprietário dessa herdade.

Por fim, gostaria de registrar uma informação acerca de Quincas Saldanha,  o seu neto Joaquim da Silva Saldanha Neto (31.05.1937 – 28.07.1979), filho  do Sr. Benedito Veras Saldanha (Beni Saldanha) e da Sra. Helena Saldanha, médico formado no Recife, sendo que faleceu no Rio de Janeiro. Beny era  filho de Quincas Saldanha. Casou-se com a Sra. Isaura Amélia de Sousa  Rosado Maia (*09.10.1947), em 09 de outubro de 1969, filha de Dix-Sept  Rosado e Adalgisa Rosado. Esse médico exerceu a profissão em Mossoró,  conhecido como gentil e generoso, querido pelos mais humildes, nunca  recusando atender qualquer pessoa. Era agropecuarista de região de Campo  Grande (RN) e Belém do Brejo do Cruz (PB).