terça-feira, 23 de abril de 2024
quinta-feira, 18 de abril de 2024
Especial: Arte e Reciclagem
Por Márcio Lima Dantas.
Elson Henrique de Oliveira Mesquita, nascido em Almino Afonso, (1988) trabalha com esculturas à base de reciclagens há cerca de 3 anos. Começou trabalhando no Museu do Sertão, com o Prof. Benedito Vasconcelos. O surgimento do seu ofício assomou a partir de ter ficado desempregado. Curioso despertar, para quem tenta compreender os meandros da arte na alma daqueles que detêm o talento da intuição artística.
Parece que a vida só quer uma desculpa para ungir alguém com a capacidade de produzir um objeto de arte, eivado de singularidade e destoante dos demais objetos que povoam o que chamamos de Realidade. Com Elson, foi o fato de estar desempregado. Poderia ser qualquer outro? Sim, pois as Moiras (O Destino) são vestidas do elemento surpresa, nunca deixando entrever o que resguarda para as criaturas.
Para efeito de compreensão, podemos classificar a obra do artista em duas formas básicas de construir os objetos. Temos os que são elaborados a partir de sucata, de peças que pertenceram a engrenagens ou partes de coisas feitas a partir do ferro ou do aço. Creio que é aqui onde o artista se sai melhor, onde revela um grande senso de originalidade ao congregar numa peça, - como a elegante cabeça de um cavalo ou um belo touro -, o conjunto de mínimas peças que pertenceram a outras máquinas, outros mecanismos. Resta a despótica ostentação de seres paralisados, como a referendar a capacidade de se reorganizar o mundo a partir do que foi desfeito ou descartado. Um universo edificado com aquilo que se convencionou que não há mais valor, vindo a ser obra de arte de grande feitura, com esmero e irradiando beleza para o expectador.
Creio não ser tão fácil criar a partir do que a sociedade de consumo descartou como algo que não detém mais valor prático, utilitário, relegando às sucatas, aos monturos e aos depósitos com sua mescla de inertes peças, num conjunto aleatório. E que tão somente o olhar sagaz do artista consegue divisar uma outra forma a partir daquilo que é basculho.
Eis uma alma dotada de sensibilidade artística, que consegue extrair das rumas do que fora outrora algo uno e como uma função um outro haver, justapondo peças para vir a engendrar um novo objeto, agora não mais com caráter utilitário, mas com valor estético, valendo por si e não como parte de um todo.
A segunda categoria de objetos que Elson constrói tem em vista, sobretudo, animais que pertencem ao cotidiano do viver rural. É o majestoso touro, com seus belos chifres, ostentando sua virilidade. Para mim, os mais curiosos são os bodes, mormente um elaborado com alumínio. Este animal iconifica a capacidade de resistência face a um meio que nem sempre oferece as condições propícias a um viver mais confortável. Há que se debelar o clima e a vegetação da caatinga. Nesse sentido, representa o estoicismo
de quem deve se adequar a um meio hostil, para sobreviver. É consabido a capacidade do bode de se fazer perdurar diante do que o meio proporciona, sendo capaz de sobreviver com o que a natureza oferece.
Algo bastante curioso na elaboração dos bodes é a necessidade que o artista tem de ressaltar a “masculinidade” desses animais, como se quisesse dizer de uma força atávica que a natureza imprimiu no animal. As proporções parecem querer dizer de serem dotados de uma força que os consagra como capazes de enfrentar um meio ambiente nem sempre favorável, sobretudo na estação seca da região Nordeste.
Mas o trabalho de Elson não se limita a esses dois conjuntos básicos que aqui classifiquei. Sua obra é multifacetada, representando desde personagens universais como D. Quixote e Sancho Pança, até outros mais regionais, como Antônio Conselheiro. Há uma bela cabeça de águia dourada, de fatura extremamente elaborada. Essa capacidade de representar ícones que pertencem ao Imaginário Ocidental demonstra uma rara sensibilidade artística: a de pensar o todo tendo sempre em vista as partes que serão justapostas, algo não passível de ser elaborado por qualquer um, mas advindo de uma imaginação que reelabora um mundo a partir do que um outro deixou de lado, abandonou, tornou sucata, fez de um antigo mecanismo partes largadas em algum lugar qualquer.
quarta-feira, 17 de abril de 2024
Especial: Edilson Araújo: verde que te quero verde.
Por Márcio de Lima Dantas.
Verde que te quiero verde.
Verde viento. Verdes ramas.
El barco sobre la mar
y el caballo en la montãna.
Federico Garcia Lorca
A pintura de Edilson Araújo (Ouro Branco RN, 1950) estabelece relações com diversas tradições e personalidades no âmbito das artes visuais. Mas primeiro vou me debruçar sobre aspectos dessa pintura, eivada de uma opulenta singularidade quando posta, para efeito de comparação, ao lado de outras produzidas no Rio Grande do Norte. Falo desse conjunto de artistas filiados à chamada representação naif. Com efeito, hoje, o estado do Rio Grande do Norte nada deve a ninguém, não apenas por deter autodidatas de extrema beleza e domínio técnicos, capazes de compreender exatamente o que estão fazendo, bem como ter esses artistas integrando acervos públicos ou galerias de arte.
E se a maioria, só para ficar em um exemplo, não manuseia a perspectiva, buscando a profundidade, nem por isso invalidada a qualidade técnica e o reconhecimento não só do meio artístico, que quase sempre integra o acervo de exposições coletivas e individuais, mas de fazerem parte do mercado da arte. Consabido é de o quão laborioso se faz colocar obras de determinados pintores em um mercado muito concorrido, no sentido de que nem sempre há pessoas interessadas em adquirir obras de arte. Sendo assim, tarefa árdua a de deter um público de gente com interesse de não apenas chancelar a qualidade de um pintor e sua obra, mas ir para além dos elogios, adquirindo telas para se firmar como alguém que sabe da estética como integrante do modus vivendi de uma determinada coletividade.
Sim, antes de adentrarmos pelos principais aspectos da obra de Edilson Araújo, gostaria de evocar o fato de termos na historiografia das artes visuais uma das mais importantes, ou melhor, talvez a mais importante do Rio Grande do Norte. A saber, foi aqui que nasceu e dedicou sua vida ao trabalho: Maria do Santíssimo (São Vicente RN, 1890- idem 1974). Uma vida plena de curiosidades, repleta de enigmas, ao retratar por meio de pincéis feitos de palitos de coqueiro, e como tinta, a anilina, e que as categorias da Arte não alcançam, sentem dificuldades em dar conta, dada a fartura de pequenos paradigmas, lançando seus vetores simbólicos para certas auras que só a noção de arquétipos podem abraçar
esponsais possibilitadores de tornar inteligível essa curioso trabalho estético, que é muito mais uma seara de formas habitantes de regiões soturnas do humano.
Mas voltemos ao pintor de Ouro Branco. É por demais interessante observar o quanto de tradições ou de pintores evocam ou remete, talvez um dos naifs com mais referências implícitas que o nosso estado acolhe no seu atual panorama de artes visuais, em se tratando dos chamados ingênuos ou primitivos. Dito isso, vamos por partes.
Lembra, e muito, a maneira como o também naif Heitor dos Prazeres elabora a fisionomia do humano em suas telas: sempre estão de perfil, sendo que, diferente de Edilson Araújo, as personagens retratadas perfilam-se em movimento, como se acompanhassem uma qualquer dança, imprimindo uma graça e uma alegria por se encontrarem face às vicissitudes, mas com nesgas de soluções abertas por cada um. E por ter e deter a sapiência como uma sua caudatária, espécie de carta na manga, conseguida na trajetória de dias, eis o que se comemora do triunfo diante do imponderável das forças da vida, soprando sua borrasca interminável.
Sem, contudo, se deixar alquebrar, compreendendo que um fazer parte da vida também é a necessidade de uma legítima resignação. Penso que nessa forma de ser e de se comportar há uma resposta que muito mais do que um simples aceitar, é um salto qualitativo que nos veste com o manto da sabedoria.
Não posso deixar de lembrar aqui a Arte Egípcia e a obrigatoriedade de uma representação tendo como pano de fundo a Lei da Frontalidade (pernas e rosto, de lado; olhos e tronco, de frente). Essa maneira de conjugar as figuras não tem uma regularidade em todas a telas de Edilson Araújo, algumas fogem a essa lei outrora encontrada nos afrescos de paredes em túmulos no antigo Egito.
Evidencia-se, por meio de um conjunto de paradigmas pictóricos, oriundos da tradição da arte de representar ingênua ou primitiva, uma sempre presente atenção a tudo o que nos cerca, quer seja da natureza ou da cultura, isso significa deitar um olhar amoroso tanto sobre os pássaros, árvores, flores, quanto sobre o homem envolvido no seu trabalho, nas festas ou nas lavouras.
Contudo, essa maneira de observar presta-se à chance de extrair o sumo que venha a preencher o vaso insigne da sabedoria e de uma possível arte do bem viver, compreendendo que o alento primacial encontra-se no valorizar as coisas simples, outorgando ao que é bom e bonito o status de uma placidez ansiosamente buscada pelo espírito humano, submetido às tempestades emocionais, às atribulações que chegam de surpresa, à impermanência e sua lei que diz: tudo é impermanente, só o que é permanente é a impermanência. Quem havera duvidar de?
Sendo necessário uma atitude que nos demanda a coragem de reter por nossa conta e risco à rodagem que nos leva aos aceiros paralelos à estrada principal, o que nominam como Normalidade. Assim sendo, de certo ponto de vista, viver é escolher o que nos concerne, os sítios nos quais vicejam identidade e números capazes de definir nossa satisfação, sossego, tranquilidade, enfim, os campos vibracionais que circunscrevem uma identidade capaz de nos aquietar e encontrar razões no viver.
Outra coisa, há excesso de elementos justapostos, dizemos isso no melhor sentido, na medida em o que o conjunto perfaz uma grande harmonia. Não queremos dizer que essa espécie de excesso queda-se pura e simplesmente para achegar figuras em diversas cores, numa profusão que funciona como “enfeite”. Longe de mim afirmar isso. Ora, acontece que esse fato expede um diálogo com a nossa tradição Barroca. Como sabemos, o Brasil foi um dos países no qual o Barroco mais prosperou, sendo uma grande parte tardio, porém não capaz de invalidar, a quantidade e a qualidade obras primas (haja vista o patrimônio histórico de Minas Gerais e em todo o Nordeste.
Esse ethos ornamental, longe de mim dizer que este suplanta o valor estético, uma vez que logrou êxito por meio de uma sempre presente harmonia dos elementos que compõem a cena, justapostos quase sempre de maneira arbitrária. Quero dizer, não segue princípios lógicos, permitindo ao artista conjugar cenas ou figuras sem o uso do que chamam de leis.
Mais que coisa bonita! Eis o voo de pássaros, árvores com frutos, homens e mulheres na labuta do dia a dia, dias de comemoração e festas, só uma écloga poderia organizar esse louvor do mais puro deleite, conduzindo os sentidos a crer, e saber, que a vida não se limita a inglória luta imposta pelas circunstâncias, tendo aqui os embates do presente e os anseios e medos com relação ao futuro.
Por fim, não nos custa discorrer um tanto acerca da cor predominante nas telas de Edilson Araújo. Causa uma espécie de empatia logo que nos achegamos diante de uma das suas inúmeras representações, valendo lembrar que todo o espaço em branco é preenchido por matizes da cor verde, quintessência da natureza. Ora, desde sempre a simbólica dessa cor esteve associada à natureza e, por extensão, incluir o perímetro de uma semântica relacionada ao equilíbrio e à harmonia: saúde, frescor, vitalidade. Verde é vida, evocando à renovação periódica das nossas duas estações: a seca e a das chuvas. Esta é sempre bem vinda e esperada, por meio de calendários que o senso comum manuseia elementos, superstições, demonstrando sua presença no imaginário de Nordeste. Embora não sendo possível abandonar os serviços de meteorologia da região.