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quinta-feira, 24 de agosto de 2023

Especial: A oficina de anjos.

 Por Márcio de Lima Dantas



Maria de Zé Marcolino, Lilia, guarda numa caixa de papel grosso uma pequena coleção de fotografias retratando crianças mortas. “Era o povo que me dava: de lembrança”, recorda com detalhes o tempo em que amortalhava anjos. Hábito adquirido por causa do seu ofício de costureira, pois antigamente quem ataviava as crianças mortas para o sepultamento, via de regra, era uma costureira de profissão.

Outrora, os meses nos quais a mortalidade infantil aumentava eram janeiro e fevereiro, fenômeno relacionado com o leite de gado tomado pelas crianças. Nos anos de invernos irregulares, quando não havia pasto verde e vigoroso para o rebanho, as reses se alimentavam da rama murcha, babugem que produzia um leite de má qualidade, causador de diarreias nas crianças. Os mais frágeis pereciam, indo aumentar as legiões celestiais de querubins. O sertão era um grande fornecedor de anjos à Corte Celestial.

Os rituais de mortes relacionados aos anjos eram cheios de filigranas, entornados de uma simbologia rica e curiosa, denunciadora das crenças e costumes das gentes sertanejas habitantes de lugares nos quais não havia assistência hospitalar ou médica. Morrer à mingua era encarado como componente da existência, integrava o horizonte de expectativas do cotidiano dessas gentes. Uma concepção fatalista da vida amparava o discurso de registro cultural que era encarado como fazendo parte das coisas mais banais, servia de lastro para sustentar e justificar a tragédia e o genocídio de milhares de crianças mortas. Há que lembrar a noção de Ideologia, discurso produzido pelas classes dominantes, grassando desde sempre no Imaginário, perfazendo contornos firmes e capazes de deter uma grande eficácia na reprodução das estruturas sociais, fazendo saber que aquilo resultante de uma construção histórica e social aparece nas cenas do cotidiano como algo imanente, intrínseco e natural, o tanto o quanto as necessidades do corpo.

Com relação as cores do tecido das mortalhas, podemos agrupar em dois arranjos. O primeiro, eram em tons pastéis: azul, branco, cor-de-rosa; o segundo, mais fechado, detinha as cores roxa, azul ou preta. Confeccionada em uma só peça de pano inteiriça, dobrada em duas, apenas abrindo-se com a tesoura o círculo do pescoço. Poderia ser dita como túnica inconsútil, se não fosse o fato de receber todo um alinhavo ao longo das duas metades, para formar o pequeno e humilde sudário. Cosia-se a orla inteira do tecido, só que o chuleado não era visto, porque arrumava-se o caixãozinho com guirlandas de flores, preenchendo todos os espaços deixados vazios entre o pequeno corpo e o ataúde. Na verdade, nem de madeira era – requinte resguardado apenas para as pessoas “mais ou menos” – mas apenas uma armação de ripas revestidas com um tecido.

Era assim, como se não se permitisse gastar muito na confecção do féretro. Havia que economizar em todos os elementos que faziam parte daquela criança, arrumada para ascender à corte celestial, indo fazer parte do grandioso coral de anjos enviados pelos sertões do Nordeste. Quiçá, quem sabe, o maior distrito de anjos pertencentes a uma mesma região geográfica.

Porém, havia entre os pobres, pessoas em absoluta miséria, e que levavam os anjos, quando recém-nascidos, em telhas ou caixas de papelão revestidas de papel de seda. Sepultamento humilhante, sem qualquer resquício de uma dignidade, de uma pompa fúnebre que prestasse uma homenagem aquele ser inapto a participar do grande teatro do mundo. Natimorto, descartado à revelia, apenas por ser frágil. O despotismo da pobreza riscando de vergonha a alma do pai com um arremedo de féretro no ombro, caminhando com legiões de pensamentos na turva cabeça com sua imensurável coleção de fracassos. As imagens do inconsciente coletivo, mesmo sem contorno preciso, acendiam lembranças atávicas de que aqueles sepultados sem ritual permaneciam como almas atormentadas. Peito travado, nada podia fazer senão apressar o passo e encurtar o sofrimento, retornando para casa com o fardo da vergonha de se sentir ninguém.

A batida do sino, anunciando que mais um anjo fora enviado para enfeitar o céu, chamava-se repique; diferente de quando o defunto era homem ou mulher, caracterizava-se por ser intermitente, não cessando. Assim, os habitantes da cidade identificavam que uma criança havia falecido.

Vejamos uma coisa, não quero esquecer de registrar. Outra senhora especialista em amortalhar anjos foi Da. Francisca, mãe do mudo de Mica (seu nome era Francisco). Por demais conhecido, ele. Prestava pequenos serviços, por um pouco dinheiro. Queria saber se trabalhava e amealhava um tanto que possibilitasse comprar algum mantimento. Dona Francisca também era rezadeira, com folhas de uma cajaraneira que tinha em seu quintal. Lembra, como se fosse hoje, as grinaldas de areia brilhante ou bugarís de papel, que adornavam a cabeça das crianças falecidas.

Ao se falar nas incelenças, inquirindo sobre como eram cantadas, disse em misto autoridade e ensinamento. Havia o antigo interdito de se cantar incelenças que não fosse em presença de um morto. Dizia-se que fazia mal, pois agourava a casa e os presentes.

Ao se perguntar a uma mulher que arrumava os anjos para os funerais por que ela fazia isso, inexoravelmente responde: “por que gostava”. Piedade e estética se confundem num mesmo ato, como se fosse assim um jeito de já ir se preparando para sua própria morte. Arrumar um anjo é um exercício inofensivo, visto que se trata de uma vida incipiente e sem mácula. Exercício que lança à compreensão e aceitação de uma próxima morte. De certa maneira, é brincar de boneca, enfeitando e ajeitando o pequeno e lívido corpo frio.


terça-feira, 22 de agosto de 2023

Especial: Carta apócrifa de Francisco Solano de Moura a seus familiares.

Por: Márcio  de Lima Dantas.

Professor UFRN.



Região Amazônica, 1896.

Caros familiares,

Escrevo-lhes esta simples carta para dar minhas notícias e relatar um pouco o meu árduo percurso desde minha partida, naquela fria madrugada, aí de casa. Esta é minha segunda viagem aqui para a Amazônia. Permaneci alguns dias em Fortaleza, aguardando o navio. Como sabem, passei antes em Mossoró, para ver meu irmão José Leão, que caridosamente me deu 5 mil réis, dinheiro que somou com o que eu trazia a importância de 7 mil réis. Muitos me perguntaram se eu não tinha medo de vir aqui sozinho para esse fim de mundo. Primeiramente, vou logo querendo saber onde é mesmo o começo do mundo, pois que ninguém sabe direito os aceiros do seu próprio destino, ninguém entende o que é começo nem fim. De certeza, o que temos, é apenas a morte. A terra não é redonda? Depois, digo assim: medo de quê? Em todo canto não tem gente? E gente não é igual em todo lugar? O mundo é um só, o povo é que faz a besteira. Quem sabe um dia virá alguém para dizer que o sertão é o mundo, cheio de veredas. Tenho cá comigo que as pessoas sabem mais do que elas dizem ou têm consciência. Cavilação talvez seja a coisa que Deus distribuiu com mais generosidade para tudo o que é vivente na face da terra. Nunca vi bicho tão sonso quanto esse animal-gente.

Vim aqui atrás de fortuna. Nunca neguei e não nego a seu ninguém, pois nesse mundo de meu Deus, só vale quem tem. Um homem não se firma pelo que ele é, mas por aquilo que tenha e que possa vir a servir a algum interesse do outro. Essa é a lei da vida. Desconheço outra. A realidade de todos os sertões não passa disso que vou apontar agora: que o interesse pessoal é o que mobiliza as ações humanas. Cada um paga sua alta conta à vida. Quero dizer que ninguém tem nada a ver com a vida de ninguém, pois na vida não se compra fiado, nem em grandes partidas. Tudo é tico, a vista e caro. No máximo, o que o povo faz é trocar alguma espécie de interesse. Quem já viu se fazer nada de graça! Da outra vez que eu vim, há um ano atrás, consegui juntar 800 mil réis, dinheiro suficiente para arremedear mais ou menos minha família, já que deu para construir nossa casa no Sitio Recreio, acomodando toda minha enorme prole.

Mais tomar conhecimento do novo também faz parte da vida. Eu sei que no começo amedronta. Com o tempo a gente se acostuma e até gosta de coisas de gentes diferentes, com seus costumes e feitios. As coisas novas que se nos achegam, levam a abrir rachaduras nas lajes da nossa cabeça, obriga a pensar no que nunca havíamos tido tino nenhum, por isso que eu digo que é bom. Ficar parado defronte a espelhos nunca levou ninguém a ascender espiritualmente. Se fosse assim, Deus teria feito todas as gentes, assim como os bichos, tudo igual. Mais não foi não. Cada verônica imprime um


semblante diferente, cada um vinca o rosto de acordo com sua experiência de mundo. Tudo indica que nunca será diferente, pois quando constato diferença, encontro a hipocrisia estampada nas pestanas e nos vincos da boca.

E fiquem bem cientes de uma coisa: nunca passou qualidade nenhuma de arrependimento por minha cabeça. Sei muito bem o preço que estou pagando por essa empreitada que me bota na solidão e me atira num esquisito estado no qual encontro-me face a mim mesmo. Acontece que o homem, o indivíduo, se acostuma até com a morte, mas com a solidão, não. A natureza humana não é mutável, pelo menos nesses negócios quando diz respeito à solidão. Para completar, ela é teimosa. De toda maneira, acho bom logo acostumar-se com o fato de sermos mesmos uns enjeitados, que só podemos contar com nós mesmos, que a solidão é como um lajedo no qual estamos sentados. Sendo assim, é melhor ir logo habituando-se, tentando ficar o menos desconfortável possível. Bem assim, sofre-se menos.

Fico, às vezes, pensando o que passaria pela cabeça de minha querida filha Luzia, se ela visse tudo isso que agora estou contemplando. Luzia com sua delicada paciência. Luzia que ainda aos 48 anos quis casar vestida de noiva, com um cunhado viúvo, pai de seis filhos. Luzia e seu medo de ficar sozinha, que gerou uma paciência infinita para conviver com cabeças tão diferentes, assomando numa família de forte tradição católica e extremamente conservadora. Sorte dela que adotou uma sobrinha órfã e que já demonstra ter boa índole. Tenho um palpite que aquela minha neta, Ana, cuidará bem da minha filha quando a velhice chegar com seus fardos pesados de enfermidades e desesperanças.

Aí quando bate a saudade, fico fantasiando que um dia completarei cem anos, junto da minha mulher, Maria Francelina de Moura, com quem casei, aos 19 anos, no feliz dia de 22 de outubro de 1885, concebendo nove filhos, e com a qual, com a graça do Sagrado Coração de Jesus, associação a que pertenço, desejaria festejar nossos 75 anos de vida matrimonial. E se isso tudo acontecer de verdade, baterei um retrato, ladeado por todos aqueles que amei e que me amaram, servindo de exemplo à posteridade, pela minha perseverança e vontade de vencer as vicissitudes dessa vida cangaceira, desse destino não escolhido por nós mesmos e que somos obrigados a cumprir, feito penitente, balbuciando seu rosário de lágrimas, sentindo a nuança do sal de cada uma que embaça a vista, tornando-nos, de acordo com o temperamento, mais melhores ou mais amargos. Sim, até parece que Deus escreve torto.

Pode até ser que Deus escreva certo por tortas linhas, mas o destino não brinca em serviço, pouco se importando para o que Ele escreve, e vai é entortando tudo, empenando o que custa, muitas vezes, deixar reto.

Quando voltar penso botar um negócio para mim, quem sabe possa trabalhar no comércio de compra de peles, manteiga, ovos e frutas, levando para Mossoró, mesmo que seja sacrificoso levantar tão de madrugada, quando passa o trem. Também posso participar de feiras em cidades próximas, como Almino Afonso e Umarizal. Sou homem saudável e disposto. Mas se um homem não ocupa seu tempo com o trabalho, o que ele


vai fazer, então? A falta do que fazer é assim como se fosse uma bacia em que se fica lavando as mãos com a mesma água, a imundície vai se acumulando, e tudo se turva. O trabalho entorpece a alma do homem, deixando-o menos propenso a perscrutar, a inquirir o porquê das coisas que açoitam a existência. E se não bastasse essas coisas de filosofias, o fato de se ter uma ocupação útil, só ter o cansaço para o sono, já era o bastante para justificar o trabalho. Como homem que sempre fui dedicado ao trabalho honesto, sei de certeza que meus estimados pais o prof. Aderaldo José de Moura e Francelina Joaquina de Moura, nunca tiveram queixas de mim, desde que nasci na cidade de Caraúbas.

Sim, já ia esquecendo, encontrei, por acaso, um rapaz muito jovem daí e que tem por nome Juvenal Antunes. É a primeira vez que faço amizade com um poeta. Tive, assim, uma impressão, que é como se ele enxergasse coisas que a gente não vê. Também poderia ser pensada assim: coisas que a gente não faz questão de ver, ou por distração e acostumamento com o que nos rodeia, ou por que acende algum pavio de dor que o dia a dia atira para longe da nossa consciência. Aí vem o homem das letras e, além de um olhar mais cuidadoso, também se compraz em dar nome aos objetos ou aqueles sentimentos esquisitos que ficam nas fronteiras do vocabulário. Muito tenho aprendido com esse meu conterrâneo. O poeta é um ser que estabeleceu um estranho pacto com a morte. Hoje morro-me menos contrariado, ciente que estou da brevidade dos dias dos homens.

Muitos falam que tudo o que faço é feito sem pressa. É que desde pequeno tenho a impressão de que viverei por muito tempo. Quem foi acostumado a ter pouco ou a sempre perder, tudo é ganho. Os antigos não diziam o que cabe ao vivente: doença, velhice, morte e esquecimento? Resta aceitar, ir atrás de meio de vida, criar família, ir à igreja. Tem mais o que se fazer, por acaso?

Fico por aqui. Não está distante o meu retorno. Recomendações a todos que por mim perguntarem.

segunda-feira, 21 de agosto de 2023

Especial: Um tanto de colorau em nossas vidas

Por: Márcio Lima Dantas.



Raimundo Dantas Godeiro nasceu em Patu (01.01.1943 – 11.06.2022); desde sempre, como Auditor Fiscal, chantou-se funcionário da Fazenda Estadual, foi casado com Maria do Socorro Dantas Godeiro (14.11.1946). Esse carinhoso apelido, partilhado por toda a cidade, se deu pelo fato de ser bastante ruivo; seus cabelos, na cor assemelhando-se ao anato ou pó de urucum, conhecido por seus arilos, sendo responsáveis por um condimento de forte cor vermelha, usado para tinturar carnes brancas e com inúmeras propriedades medicinais.

Do seu casamento, em 4 de setembro de 1966, houve três filhos: Raimundo Filho (4.10.1966), Shirley (4.11.1970) e Moacir Manoel (16.07.1974). Seus irmãos eram, por ordem de nascimento: Zé Tanguinha, Amuna, Tati, Tetê e Rita.

Como reaver certos sentimentos que habitam as áridas planícies do passado, assim como se fosse recompor um corpo delineando sua forma feito de duas partes que não são simétricas... A memória, ou não chega, ou quando resolve aportar imagens e discursos, unge-se com o capricho de algo que vale por si, assim como se fosse espécie de criatura detentora de uma sempiterna autonomia, fazendo-se passar por uma espécie de ser que não deve nada a ninguém.

Esse preâmbulo tem o objetivo de dizer o quão difícil é resgatar a vida de meu cunhado Raimundo Dantas Godeiro, pois, desde sempre, tínhamos uma harmoniosa amizade na qual o amor Philia fazia-se reconhecer na presentificação de um bem querer mútuo. A bem da verdade, ele parecia ser aquele tipo de gente que só dá atenção ou entabula uma conversa a quem bem entenda. Com o restante, era um silêncio de que ataviava todo o corpo, começando por uma eloquente indiferença que os olhos não deixavam esconder o que se passava nos recônditos da alma.

Era um homem de porte simples, silente e olhar um tanto ocluso, observador, porém, isento de malícia. A conversa, desde que simpatizasse com o interlocutor, era plena de hiatos, intercalando temas diferentes, em síncopes desprovidas de tédio; essas atmosferas de simpatia e cumplicidade entre homens, como todo mundo sabe.

Mesmo em ocasiões formais do convívio social, vestia-se de maneira despojada, como se trajasse de acordo com o que lhe apetecia, pouco ligando para o que o outro pensasse ou opinasse. Estava ancho no seu corpo, confortável dentro de si, para entrar e sair e das tantas cenas sociais.

Mesmo sendo uma pessoa discreta e cerrada para o mundo, nunca se negou a estar presente às necessidades de ambos os pais quando da chegada inexorável da velhice, custeando todas as despesas com os mantimentos necessários à casa.

Sua presença circunspecta como que remetia a desavisados que parecia alguém indiferente ao sofrimento dos que lhe eram próximos. Contudo, nunca circulou qualquer conversa de que tenha se omitido às sempre presentes responsabilidades que a vida nos coloca nas mãos sem agente pedir. E, sobretudo, aos da sua família que buscavam guarida, cobertor ou um adjutório para inteirar o dinheiro de alimento ou remédio.

O fato de ser reservado acabava por deixar transparecer como, assim, um jeito que poderia conduzir à uma leitura de que era alguém indiferente ao sofrimento ou necessidades dos que lhe eram próximos. O certo é que não circulou nenhuma conversa acerca da sua omissão quando procurado por parentes. Ninguém disse mal dele.

Amava à sua maneira, sem esperar gratidão de outrem, amava por gestos, compreendendo o amor como amparo, como anônima compaixão, sem discursos ou alegativas que pudessem humilhar aquele que fora ajudado.

Sempre se regia por uma educação rara: visitar enfermos, ir a velórios, amparar idosos. Não fazia estardalhaço do que, ao que parece, fosse um dever a ser cumprido.

Gostava de festas populares. Existem muitas fotos, guardadas por parentes, participando de ¨blocos de sujos¨. Animados grupos de amigos, cobertos de talco ou maizena, bebendo cerveja, em pequenos cortejos pelas ruas da pequena cidade do Oeste do Rio Grande do Norte. Havia um forte componente dionisíaco em sua personalidade, conduzindo-o aos altares cobertos de dádivas, remetendo ao carpe diem do deus Dionísio e suas demandas de aproveitar as possibilidades de efêmera vida, com sua pressa outorgada pelo deus do tempo: Cronos e sua ânsia de devorar os sencientes, quer seja por meio de enfermidades, quer seja pela abreviação de uma existência ainda com viço.

Sim, eis que o medo lança ao degredo a dúvida em vivenciar todo o fogo na carne do presente, abotoando todas as casas de uma vestimenta cujo nome é A Dúvida, costurando de indecisões o que seja a nossa frente, o que se nos aparece como território do amor, da amizade, dos laços familiares, de uma oportunidade de viagem, até mesmo o que é certeiro e não existe possibilidade de errar.

Esse homem de perfil longilíneo se recusara a ir fazer exames de rotina com os médicos para averiguar algumas das razões de um eventual achaque. Até penso que não comentava com ninguém alguma dor ou algum incômodo.

Eis o preço, a paga e a purga, seria correto falar assim ? Onde está escrito que os caminhos da existência seguem esse rumo? E quem tem os maiores cuidados, demoram-se em aguardos de médicos e laboratórios, perscrutam qualquer coisa que arranhem a pele? Esses são longevos e detém uma saúde permanente? De jeito qualidade, o dominó da vida tem sua autonomia nas suas regras do jogo. Somos marionetes dessa identidade nominada Vida. Só podemos aceitar com resignação, paciência, compaixão para com o outro. Nada mais a fazer.

Muito bem, a Vida, sem consultar o capitão da nau, lança às profundezas do mar suas pesadas âncoras definitivas, que vão chantar seu ferro no fundo do que ninguém tem acesso, enferrujando, sem perder a segurança fincada no fundo desse mar chamado eternidade.

E o sétimo anjo derramou a sua taça no ar, e saiu grande voz do templo do céu, do trono, dizendo: Está feito! (APOCALIPSE, 16-17).

Há cerca de seis meses iniciaram-se os anúncios do corpo, problemas na visão que o conduziram a fazer cirurgias nos dos olhos, mitigando um pouco a glaucoma, também aqui foi atestado os graves problemas do coração, tendo se recusado a efetivas cirurgias de ponte de safena e mamária. Não houve quem o convencesse a se submeter a tais procedimentos. Muito provavelmente tinha consciência dos riscos que corria, contudo, talvez se dera por vencido, avaliando sua vida como detentora de um sinal positivo, na medida em que escolhera ser o que seu íntimo e seus músculos demandaram. Por fim, logo que chegou ao hospital, testou positivo para Covid19. Os rins não mais obedeciam a nada, teve que ser intubado e, em menos de uma semana, faleceu.

E não há súplica capaz de amenizar a dor dos que amam aquele ser, não há penitências ou orações aos céus para evitar a catástrofe tida como certa. A hora é chegada. Isso basta. Há que aceitar. Proclamem à família e aos amigos, rufem os tambores do luto, sequem as ânforas de lágrimas, previnam os vizinhos para que se integrem às horas últimas de uma vigília íntima. Tudo é findado.


Registro Fotografias

Raimundo Colorau ainda jovem

Familiares de Raimundo Colorau
Raimundo Colorau e amigos


Raimundo Colorau e amigos

sexta-feira, 11 de agosto de 2023

O Coronel João Dantas de Oliveira e o Assassinato do Jornalista Juvêncio da Costa Wupis Alba.

O Coronel João Dantas de Oliveira nasceu no município de Patu no ano de 1814, filho de Manoel Dantas de Farias, o nome da mãe não se tem conhecimento até o momento. Ainda jovem ele foi residir na Vila de Pombal, sertão da Paraíba, importante centro da colonização Portuguesa. João Dantas de Oliveira, iniciava assim a sua vida profissional, depois de certo tempo, casou-se com a Senhora Maria Severiana Dantas da Rocha, filha do Português Bernardino José da Rocha, que segundo artigo do historiador José Tavares de Araújo Neto, publicado no Blog Liberdade PB, foi construtor do antigo mercado público da cidade de Pombal. O português Bernardino José da Rocha tinha também um filho que era construtor, Bernardino José da Rocha Formiga, que foi o construtor da cadeia pública de Pombal-PB, era padre, com atuação no município de Catolé do Rocha-PB.
João Dantas de Oliveira ao longo dos anos, foi ocupando espaço no cotidiano de Pombal e na Região. O mesmo ingressou no Partido Conservador, partido que dava apoio ao governo imperial, exercendo a cadeira de deputado provincial pela Parayba nos anos de 1856 e 1857. João Dantas ingressou também na Força Nacional, se tornando Coronel da Guarda Nacional do Império, um homem importante e poderoso que surgia naquela região. Os anos se passavam e o Coronel João Dantas de Oliveira ocupava e conquistava mais espaço e poder na política Pombalense e na Província da Parayba. No Partido Conservador ele ia ocupando espaço e poder, ao mesmo tempo que ia contraindo desavenças com pessoas contrárias às suas ideias. O Coronel João Dantas de Oliveira ia batendo de frente ou mesmo atropelando quem estivesse pela frente causando algum tipo de obstáculo para o seu intento. Homem de temperamento forte, não admitia ser contrariado em hipótese alguma em suas proposições e ideias, sendo que mais cedo ou mais tarde o mesmo ia encontrar resistência para as suas investidas. O partido conservador continuava a sua rotina, até que um dia os interesses do Coronel João Dantas de Oliveira bateram de frente com a importante e tradicional família de Pombal, os chamados “Costas”, principalmente, as pessoas do tenente-coronel Vicente José da Costa, do capitão Gonçalo José da Costa Pacote e do advogado e jornalista Juvêncio José da Costa Wupis Alba. O Coronel João Dantas de Oliveira, em sua forma de fazer política fazia críticas severas aos membros da família Costa ou Pacote como também eram conhecidos. As críticas e ofensas eram pulicadas nos Jornais da Paryaba. Os episódios iam se acumulando, até que o jornalista Juvêncio José da Costa Wulpis Alba publicou uma carta no jornal da Paraýba, evidenciando a todos quem era verdadeiramente o  Coronel João Dantas de Oliveira. 
Segue a carta publicada pelo jornalista Volpis Alba.

A Carta a seguir pertence ao acervo do historiador José Tavares de Araújo Neto – Pombal-PB. “Resposta que dá o capitão Juvêncio José da Costa Wulpis Alba, por si e seu presados e amigos à provocação do Sr. Coronel João Dantas de Oliveira, inserta no “Jornal da Parahyba!” nº 1010. Estava resoluto a não romper o silêncio a que me tenho reservado a tanto tempo, se não fosse tão de propósito acometido pelo mais ingrato, desleal e desapiedado ente da raça humana, vomitando a mim e aos meus prezados tios, o tenente-coronel Vicente José da Costa e o capitão Gonçalo José da Costa Pacote e meu parente e amigo Alferes Silvestre Honório Rodrigues de Souza, os maiores impropérios, que só podem conter no seio de uma víbora, que a todos deturpa com o seu cruel veneno. Pretendia levar a vida obscuramente, prestando meus fracos, porém leais, serviços aos correligionários no mesmo credo político, que adoto, se não me visse tão provocado com todos os membros pacíficos e cordatos de minha humilde família já assás conhecida no mundo político pela conduta e norma de proceder, firme e inabalável que tem procedido manter, guardando a bandeira do partido que lhe foi legada por seus antepassados. Mas, sou forçado, a bem do direito dos meus caros tios e parentes, defendê-los do alto da imprensa, para que a imprensa, o País e os altos poderes do Estado, reconheçam que a causa dos males e tropelias de que se ressente a terra do Cruzeiro abençoado pelos céus, nascem da confiança que depositam em maus cidadãos, revestindo-os dos cargos públicos, concedendo-lhe um pérfido jogo com a justiça em detrimento do nosso sistema de governo. A política, confiada a aventureiros, traz por via de regra, a desmoralização dos partidos. É assim que o partido conservador, vivendo sempre da melhor harmonia de todos os seus membros, vê-se hoje fracionado por toda parte, devido isso a flibusteiros, que a tudo se arriscam, porque nada tem a perder. O Sr. Coronel João Dantas de Oliveira, como influência política oficial, trata de embair o público sensato como conservador e bom cidadão, quando tem sido e será, enquanto viver, a desgraça e vergonha deste partido; e, se não, ajuíze o público quem é e foi este vulto memo-andum do alto sertão de minha infeliz terra natal; sua origem, seus princípios e sua vida, por demais conhecida por seus negros crimes! João Dantas de Oliveira, é natural de Patu de Dentro da província do Rio Grande do Norte; veio fatalmente para esta cidade no ano de 1835, segundo parece-me, a casar com uma filha de um português chamado Bernardino José da Rocha, que havia esposado uma moça da família Formiga. A sua profissão era de caçador de veado. Existiam, a essa época, duas cores políticas conhecidas pela denominação de “Baêta” e “Rasgado”; achava-se à frente os distintos cidadãos, meus tios, Alexandre Xavier de Azevedo, Tenente-coronel Vicente Carvalho de Azevedo, Major Trajano José da Costa Pacote, Capitão Gonçalo José da Costa Pacote, Major Antônio Rodrigues de Souza, Tenente-Coronel Vicente José da Costa, Vicente Carvalho de Azevedo Júnior, meu falecido sogro o comandante superior, Salviano José da Costa, meu falecido pai, de saudosa memória, o major Bento José da Costa, e o Reverendíssimo Sr. Vigário Álvaro Ferreira de Sousa, todos parentes e amigos. Na parte da política Rasgada, achava-se o Major Felix Rodrigues dos Santos, Major Manoel Ferreira de Sousa Formigueiro, Tenente-coronel José de Sousa e o português Bernardino, sogro de João Dantas, que já antes havia acompanhado, em política, ao capitão-mor Gonçalo José da Costa, meu avô. Achava-se unido aos rasgados, e por conseguinte, ao major Félix Rodrigues, que era o chefe a quem João Dantas também seguiu, obtendo por isso uma patente de alferes. Depois casa-se uma cunhada de João Dantas com um seu irmão chamado Pedro Dantas, para cujo banquete foram convidados muitos indivíduos e até de fora, da comarca de Piancó, o Tenente-coronel Hypólito, que diziam ser criminoso naquele tempo. Sabendo o Major Félix Rodrigues que Hypólito estava no banquete do português Bernardino, reuniu uma força e cercou a casa onde se achavam todos aqueles membros de minha família. Nessa ocasião, João Dantas quis mostrar suas habilidades, lançando mão do cangaço, veio fora com alguns irmãos que com eles aí se achavam; porém aqueles membros de minha família (que tanto mal fizeram) juntamente com outros que chegaram logo, amigos e correligionários do coronel Hypólito, conseguiram acalmar os ânimos sem se derramar sangue, tornando-se de nenhum efeito o cerco e prisão que se pretendia efetuar. Desprezou por esse fato, Bernardino e João Dantas, ao Major Félix Rodrigues, e uniram-se aos Pacotes, cognome antigo de minha família, e pelo que ficou sendo Baêtas outra vez, e transfugas por duas da política – Formiga – e do Major Félix, acompanhando minha família e merecendo sua confiança que caridosamente lhe dispensaram alguma consideração, obtendo ele a patente de Tenente, por ela solicitada. Era, então, Tenente-coronel e comandante do Batalhão de Guardas Nacionais meu prezado tio por afinidade Vicente Carvalho de Azevedo, que mais adiante foi reformado neste posto, quando já era comandante superior o finado meu sogro e tio Salviano José da Costa. Que apresentou antes de terminar a existência o ingrato, desleal e traiçoeiro João Dantas ao governo geral para ocupar o lugar do tenente-coronel comandante daquele batalhão, malgrado de outros membros mais elevados de minha família, que ficaram preteridos por tamanha generosidade, sendo depois ele por este fato nomeado coronel comandante das duas infelizes comarcas – Pombal e Teixeira - tudo devido a proteção de minha família. Entretanto, este ingrato hoje desconhece tão vilmente estes benefícios! É sempre assim: Quem bem faz, mal recebe em troca de seus sacrifícios. Começou a botar as unhas de fora em 1834 ou 1833, quando disputavam uma eleição geral os Drs. José Paulino de Figueiredo e Olynto José Meira. Esposou minha família a causa do Sr. Dr. José Paulino, como tendo serviços prestados pelo alto sertão, e pronunciou-se o Sr. Coronel João Dantas pelo Sr. Dr. Olynto Meira; abriu discórdia no seio do partido, com tanto que favorece-se a um aspirante desconhecido entre seus correligionários. Procurou iludir o povo ignorante, avassalou-o e saiu triunfante, por ter a si as posições oficiais; porém a discórdia ficou até o presente e continuará, porque a influência oficial em coisa alguma se equipara a influência da população. Tem sabido o Sr. João Dantas, por meio de suas artimanhas, captar a atenção de todos os governos, mas hoje nem os seus próprios protetores poderão dar jeito a seus males inveterados e achaques provenientes de seus desmandos e atrocidades sob pena de sua maior desmoralização. É sabido por toda província, que por influência de alguns amigos salientes da capital, no intuito de fazer política, ele tange à vara e à remo, o barco conservador, pelos rios secos e arenosos do sertão, encachando aqui, ali e acolá, esperando pelas enchentes que lhe tragam algum peixe no anzol, e de vez em quando vai pescando bem boas coisas com a desgraça de muitos indivíduos. Confia tanto em si, coitado! que em 1861, temendo oposição da parte de minha família, numa eleição geral e municipal, resolveu partilhar ambos com o finado Major Félix Rodrigues, chefe do partido Rasgado, e depois sabendo que esta nada queria, passou a fazer concessões, elegendo meu falecido pai, para presidente da Câmara, com quem se achou no último perigo da apuração geral das autênticas, por motivo de duplicatas, sem o que o Exmo. Conselheiro Henrique, que então se achava na administração da província de São Paulo não teria diploma. Não obstante tantos favores, procede, como a serpente da fábula; mas se Deus consente nos males, nunca será para sempre. Admiramos muito a ousadia de Sua Senhoria, Sr. Coronel, em dizer que tem prestado muitos e relevantes serviços ao Partido Conservador!!! Os fatos praticados e que se não praticados todos os dias é que atestam sua conduta, e lhe dão passaporte para neste ou outro mundo, que nós ficaremos cantando-lhe as exéquias. Passaremos agora a analisar alguns pontos de seu caviloso artigo, inserto no Jornal a face da Parahyba nº 1010, em que cospe descaradamente na face de público, levantando calúnias, próprias de uma alma pequenina e perdida, e na frase bíblica, que se abrasa nas penas infernais. Considera-me Sua Senhoria um professor célebre, e de achados extraordinários! Mas, que celebridade posso ter, quando não uso de suas façanhas tão manifestas no Despertador, que sendo Sua Senhoria honesto, pacífico e homem de bem a toda prova, já devia tê-lo contestado. E por que não o tem feito? Tem Sua Senhoria uma delicadeza, em dar aos outros, aquilo que só pode caber a si; entretanto, jacta-se em prestar tantos serviços ao Partido Conservador! Declaro-lhe desde já, que para mim mesmo eu o largaria de mão e desprezaria sua foice cega, mas, uma vez que também feriu a meus parentes e amigos, então sou forçado a prosseguir nesta tarefa, para mim bastante árdua. Não sei a razão porque Sua Senhoria brada, como um processo contra o Sr. Dr. Francisco José de Sousa, quando Juiz de Direito Interino, nesta comarca, querendo encucar que eu o dirigia. Não sou capaz de dizer que Sua Senhoria mentiu, porém com a verdadeira energia, digo-lhe que o faltou com os sentimentos caridosos da verdade; se Sua Senhoria fosse mais grato e reconhecido, não ofenderia a este moço distinto por suas belas qualidades e ainda não corrompido no lodaçal da política; sempre trabalhou pela boa distribuição da justiça, com todo critério e inteligência, que caracterizam-no. Mas não agrada ao senhor coronel!! Tenho observado que Sua Senhoria é fértil em epítetos infamantes, não sabendo aplicá-los a si e a seus iguais, diz que meu parente, o Alferes Silvestre Honório Rodrigues de Souza, é analfabeto, e exalta ao Sr. Viriato. Não desejava ofender a susceptibilidade deste, mas, pergunto: haverá paridade entre um e outro, donde possa Sua Senhoria tirar uma consequência absurda? Mais juízo, Sr, Coronel, dando a cada um, o que pé seu; não queira roubar aquilo, que só Deus pode tirar. É público e notório, que o Alferes Silvestre, estudou e tem atestado de habilitação, que muito o honra, do distinto comendador padre Inácio de Sousa Rolim. Mostre outro tanto do Sr. Viriato? Eu bem sei!... Se não fosse o conceito público e o que devo a minha família, não lhe concederia as honras de uma resposta a seus aleives. Já me ia esquecendo de que Sua Senhoria fere de um modo esquisito o meu tio capitão Gonçalo José da Costa Pacote, como jogador de faca de ponta, quando Sua Senhoria é mestre de esgrima, só desconhece o florete por ser moderno, seguindo a frase do Despertador. Vamos ao caso: Tendo falecido o Tenente Barros, ah! Sr. Coronel (tamanha infelicidade!) ciência de que dizia Sua Senhoria., foi ter-se com meu tio, o qual abriu o paletó proferindo estas palavras: certifique-se Sr. Tenente; ao que ele inclinou a cabeça, dizendo, desculpe-me senhor capitão, compreendo perfeitamente o referido. Quanto ao modo injusto e calunioso com que Sua Senhoria procurou ferir a reputação ilibada do meu presado tio, o Tenente-coronel Vicente José da Costa, emprestando-lhe a ideia perniciosa de protetor dos assassinos de tentativa de morte na pessoa de Francisco da Costa Barbosa, (julgando serem os Rodrigues) direi que neste negócio, Sua Senhoria e seu genro Dr. João Thomaz Arnaud, foram os únicos protetores de quem quer que se julgas e fonte de semelhante autoria: porque, achando-se seu genro na promotoria neste tempo, nenhuma intervenção mostrou tomar nesse negócio, tornando-se absolutamente indiferente, e deixando assim de cumprir o seu imperioso dever oficial; e meu tio, pelo contrário, fê-lo na qualidade de Delegado de Polícia, que então era, cientificar-se de tudo, convidou-o para prosseguir nos termo da Lei, e, como ainda não dominava a novíssima reforma judiciária, ele tratou de marchar oficialmente na prossecução do processo para descobrir quem o criminoso ou criminosos, deixando o processo na quarta testemunha sem que até aí se descobrisse coisa alguma, quando foi ele interrompido em sua marcha pela afluência de outros muitos e pesados serviços públicos, até que apareceu o domínio da nova reforma, que não tardou muito; assim pois pergunto, quem prestou a isso a mais notória proteção, foi seu genro, que tem magistratura a seguir, ou meu tio, que embora leigo, no entretanto mostrou compenetrar-se mais dos interesses da justiça pública? O público sensato, que avalie de suas arbitrariedades. Por que razão, sendo o Tenente Alvino Gomes de Sá e Albuquerque, nomeado 2º suplente do Juiz Municipal e de Órfãos deste termo, Sua Senhoria protestou embaraçar seu juramento, até que perdeu o lugar, caindo em lapso de tempo, e assim também o de Juiz de Paz? É óbvia de resposta, porque o Tenente Alvino, sendo um moço de bem, de caráter sério e sentimentos nobres, não se prestaria para seus arranjos. Sua Senhoria tem o dom de fada, advinha bem! Poderia proceder por detalhes sobre sua crônica, mas já tendo-se ocupado dela o Despertador, pouco adiantaria, visto como me acho tanto aquém de quem tanto escreveu, e muito bem. Portanto, para lá envio com toda sua hipocrisia de prestante cidadão e melhor político, e Deus favoreça com sua infinita misericórdia, e a terra lhe seja pouco pesada por toda eternidade. 

Pombal, 1 de janeiro de 1874. Juvêncio José da Costa Wulpis Alba.

A carta publicada no início do mês de Janeiro de 1874, por Wulpis Alba mexeu nos brios do Coronel João Dantas de Oliveira, o caldeirão político fervia em Pombal, principalmente no ambiente interno do Partido Conservador. Na cadeia pública da cidade de Pombal estava preso, Lucas Alves de Melo Calado, irmão do Cangaceiro Jesuíno Brilhante.

O livro Jesuíno Brilhante – O Cangaceiro Romântico (1844 – 1879) -  de autoria do professor e historiador Raimundo Nonato de Oliveira, no primeiro capítulo relata o Ataque à Cadeia de Pombal, episódio onde o Cangaceiro Patuense, Jesuíno Brilhante, planejou e executou atacar a cadeia pública de Pombal no intuito de soltar o seu irmão Lucas Alves. No relato do escritor Raimundo Nonato, dias antes, o temido cangaceiro, se passou por mendigo e entrou na cadeia e avisou ao irmão que ele e seu bando viriam resgatá-lo. Outro fato interessante relatado no livro foi o possível relaxamento da segurança da cadeia no dia do assalto, visto que dias antes o chefe da cadeia de Pombal, João Peixoto de Vasconcelos, recebeu do Alferes da Guarda Nacional, Eustáquio Toscano de Oliveira, ofício do Coronel  Antônio Aranha Chacon, nomeando-o comandante do destacamento local, assumindo imediatamente a função.
Em 19 de fevereiro de 1874 o fatídico assalto a cadeia de Pombal aconteceu, e mais de 40 presos fugiram, entre eles Lucas Alves, irmão do Cangaceiro Jesuíno Brilhante. O acontecimento mexeu com acidade e com o povo de toda região, já que os presos, muitos deles perigosos, pertenciam aos municípios vizinhos e de outros estados. Com as investigações, veio à tona que o ofício entregue ao chefe da cadeia de Pombal, João Peixoto de Vasconcelos, tinha sido falsificada a assinatura do  Coronel Antônio Aranha Chacon e que a situação formada tinha o dedo do Coronel João Dantas de Oliveira, que era amigo do conterrâneo e cangaceiro Jesuíno Brilhante, bem como o mesmo também tinha interesse na liberdade de um preso que estava na cadeia de Pombal. Os fatos vindo ao conhecimento do advogado e Jornalista Juvêncio Wulpis Alba, não deu outra coisa, senão, tornar público, através dos jornais, mais uma atitude comprometedora ou artimanha do Coronel João Dantas de Oliveira. Ao tomar conhecimento das denúncias do Jornalista Juvêncio Wulpis  Alba, na imprensa, o Coronel João Dantas de Oliveira, encomendou a morte do mesmo ao Cangaceiro Jesuíno Brilhante, que por sua vez não aceitou a empreitada, já que o jornalista em tempos anteriores advogou em prol de seu pai, João Alves de Melo Calado, em uma causa. Os filhos do Coronel João Dantas de Oliveira, Alpiniano Dantas da Rocha, conhecido como Caboclo e José Dantas da Rocha combinaram com o pai a execução do jornalista. João Dantas de Oliveira mandou os dois filhos e mais dois jagunços  que se dirigiram até a residência do jornalista e gritaram: “Pombal precisa ser respeitado. Não é assim que se desmoraliza os homens”. Deram três tiros e o jornalista Wulpis Alba mal se levanta da rede e cai morto. Estava consumada a vingança, relata o livro de Raimundo Nonato. Com o acontecimento do crime praticado contra o jornalista Juvêncio Wulpis Alba, o Coronel João Dantas de Oliveira, principal acusado de encomendar a morte do mesmo passou a ser procurado. Com a perseguição da justiça contra o Coronel João Dantas, o mesmo retornou ao município de Patu.
É bastante provável que a chamada fortaleza do Coronel João Dantas de Oliveira localizada no Patu de Fora, zona Rural do município de Patu, tenha sido construída pelo padre Bernardino José da Rocha Formiga, cunhado do Coronel João Dantas de Oliveira. Os motivos que se fazem acreditar nesta hipótese são de que, o Coronel tinha seu cunhado como construtor e que o mesmo tinha construído a cadeia Pública de Pombal, seguindo a mesma arquitetura da época, se comparando as duas construções, possuindo os mesmos formatos e acabamentos. A morte do Jornalista Juvêncio Wulpis Alba aconteceu um mês após o ataque a cadeia publica de Pombal, no ano de 1874.
Oito anos depois, em1882, o Coronel João Dantas de Oliveira, já fixando residência em Patu RN, comunidade Patu de Fora, veio a falecer no dia 22 de agosto de 1882. Texto do registro de óbito do Coronel João Dantas de Oliveira, transcrito do Livro de Óbitos 01 da Paróquia de Nossa Senhora das Dores, Patu-RN. “Aos vinte e dois de agosto de mil oitocentos e oitenta e dois, em catacumba, neste cemitério de Patu, em cuja regência paroquial me acho, sepultou-se o cadáver do Coronel João Dantas de Oliveira, casado com Dona Maria Severiana Dantas da Rocha, nesta mesma freguesia.
Faleceu de mortes normais, tendo recebido os sacramentos, e contando sessenta e oito anos de idade, e seu corpo vestido com uniforme da Guarda Nacional do Império, foi por mim encomendado, do que para constar, faço esse termo e assigno: Vigário Pedro Soares de Freitas”.
E assim, termina a saga de um importante personagem da história de Patu RN e de Pombal-PB.

Texto: Professor: Aluísio Dutra de Oliveira.   

Blog A Folha Patuense.

Fonte das Informações: Acervo de José Tavares de Araújo Neto.

O livro Jesuíno Brilhante – O Cangaceiro Romântico (1844 – 1879).