A Folha Patuense

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quarta-feira, 6 de março de 2024

Especial: Caroline Veríssimo: de uma beleza cujo avesso é o direito.

 


Por Márcio de Lima Dantas 

Porque, agora, vemos por espelho em  
enigma; mas, então, veremos face a face;  
agora, conheço em parte, mas, então,  
conhecerei como também sou conhecido. 

 Coríntios 13:12 

Caroline Veríssimo (Mossoró, 1997) é formada em Artes Visuais pela Universidade  Federal do Rio Grande do Norte. Logo cedo, interessou-se pelo bordado livre e pela  ilustração digital, vindo a aprender a bordar através de vídeos na Internet. Dessa maneira,  direcionava seu trabalho para dois vetores: valorizando a arte do desenho e resgatando a  mais conhecida forma de bordar: o bordado livre, usando a linha de meada de círculo.  Desde sempre conhecida nos bordados advindos da cultura popular. Mas é preciso  remarcar que essa artista detém uma pronúncia original, pois o bordado tradicional foi o  ponto de partida para que decalcasse sua gramática estética. A artista confessa que  aprendeu a bordar buscando sites que ensinam a bordar, é bom lembrar que aqui há uma  profusão de bordados, sugerindo tecidos, agulhas, linhas e estilos. 

Com efeito, podemos categorizar sua obra em duas vertentes, cujas técnicas são bastantes distintas. A primeira são os bordados, com releituras intervenções da artista. Depois,  temos um declive para onde escorrem desenhos resultados do uso de um programa de  computador: o Procreate no Ipad, fazendo uso do tablete e caneta. 

Vejamos os bordados. Não há muito segredo, visto que a artista manuseia procedimentos  de há muito empregados nos limites dos bastidores. Para além do que se encontra entre  bordadeiras de pequenas cidades ou cooperativas, buscando fomentar e resgatar a arte do  bordado, para não apenas engenhar um meio de vida, mas uma ocupação saudável, regada  a conversas e opiniões de uma sobre o trabalho da outra. 

Com efeito, há um trabalho da nossa artista cujo resultado pode ser aqui empregado como  capaz de organizar uma metáfora resumidora do conjunto da sua obra. Falo de uma  andorinha bordada com apenas duas cores e seus matizes. Aqui constatamos a habilidade  de bordar da autora. A simplicidade do desenho, coisa sempre difícil de se lograr êxito  em arte, delineia o pássaro em seu voo, sobre um céu constelado de miúdas estrelas.  Talvez o fato de resguardar menos recursos em sua feitura, seja justo o que torna a  andorinha uma espécie de síntese do bordado como releitura contemporânea, na medida  em que os procedimentos manuseados desde sempre no bordado são mantidos, o que faz  a diferença são as intervenções por meio de acréscimos, como, por exemplo, o uso de  canutilhos ou contas coloridas. 

Outra coisa, a maneira como a autora apresenta seus trabalhos por meio da fotografia,  desde já parece fazer parte da obra. Muito interessante é que não abre mão da moldura dos bastidores, pondo o trabalho com um fundo que ressalta a beleza das suas obras. Não  há como não dizer isso, pois seus bordados são realçados, assim como se fossem integrantes dos desenhos, conseguidos por meios de cores ou discretas texturas. Contudo,  o bordado no centro dos bastidores detém um valor em si, não por relação. Creio que essa  maneira de fotografar um trabalho se deve ao fato de uma busca de evidenciar as cores  empregadas no bordado. Com relação ao nosso segundo arranjo, logo que nos detemos  sobre eles, é assaz curioso o fato de nos intrigarmos, visto deter um diferencial do que  conhecíamos até então.  

Com relação aos trabalhos da segunda arrumação, não são mais bordados, mas frutos do  manuseio de um programa de computador, configurando uma série de obras deveras  interessantes. Dois trabalhos retratam lugares de diversão da cidade: um bar e um cinema.  A ausência de uma perspectiva mais ortodoxa, tão cara aos pintores acadêmicos, como se  fosse uma obrigação, conduz o artista, - que não fazem uso dela, como, por exemplo, Paul  Gauguin -, a se valer de outros meios, quando se trata do figurativo. Há que lembrar,  também Paul Cézanne, cuja ausência da perspectiva parecia ser de caráter deliberado,  alcançando uma dicção estética de rara originalidade, para sempre. 

Com efeito, o Bar da Saudade se define por uma fachada e um conjunto de cadeiras de  plástico, no qual há apenas uma figura. Duas árvores parecem velar o que fora um dia,  talvez, frequentado. Agora restando uma lembrança. Salta aos olhos a simetria bilateral,  permitindo que se divida a tela em duas partes iguais. A cor ocre vai se repetir nos outros  três trabalhos. Como o ocre se opõe ao azul, e está relacionado à terra, ao que fomos  acostumados a indigitar como realidade, eis que sucede nos quatro trabalhos a recorrência  dessa cor. 

Na verdade, quase que desponta uma monocromia, só não o é por conta das outras poucas  cores da paleta predileta da autora. A parte da tela que compete ao céu, encontra-se no  firmamento um azul límpido, contrastando e fundando uma harmonia com a cor ocre. O  azul é a cor da imaginação, do oposto ao real concreto, por oposição aos tons em terracota.  Aqui ocorre a boda entre céu e terra. Em núpcias de uma possibilidade que nos conduz a,  mesmo que seja difícil, operarmos tentativas de fundir essas duas partes em uma unidade  que nos conduza a compreender o humano e sua condição plena de obstáculos. Contudo,  nada é impossível, considerando que o que nos aparece como inimigo também é nosso  aliado, pois nos ensina a arte da paciência. 

Por fim, não há como discorrer acerca de dois trabalhos extremamente interessantes. A  tomada vista de cima de um banheiro bastante comum, não há a visão da totalidade,  apenas ressalta o box e os azulejos que revestem em cor ocre. Não há motivo algum de  demandar o motivo pelo qual a figura humana não se encontra no recinto. Se faz  necessário contemplar parte de um banheiro com seu desenho e os azulejos de cor ocre.  Não é um banheiro, mas uma obra de arte. 

O outro trabalho é um terraço com quadro cadeiras de plástico, as mais modestas, visto  que se tivessem mais valia seriam de madeira ou outro material. Sobre cada cadeira um  gato dorme. A cor ocre assoma com grande intensidade. Os ladrilhos do piso e o fundo  do lugar são de cor ocre, sendo que há uma retomada do que fora outrora matéria de valor,  esquecendo o cimento queimado das famílias mais humildes. Era encontrado nas igrejas, 

com geometrias de rara beleza, alagando o sentido da visão de um puro prazer de colocar  os pés e desatar o enlinhado sentido da visão comum. 

Há um forte pendor para o adorno, mesmo que seja com parcimônia. O que interessas é  preencher o enquadramento através de múltiplos elementos. No caso do piso, há ladrilhos  (mosaico), como os de antigamente, imprimindo beleza a ausência da figura humana. As  paisagens ou cenas internas são revestidas de um silêncio sobrepujando o que se  contempla. 

Caroline Veríssimo resgata uma técnica de adorno conhecida e apreciada desde sempre.  Consabido é a valia do bordado em diversas culturas. Quando se desejava imprimir a uma  peça de tecido a elegância, a excelência e a delicadeza, bastava ataviar com bordados,  seja qual fosse o tipo de riscado. Não precisa ir muito longe, haja vista o uso nas roupas  femininas ou vincular ao sagrado, adornando as alfaias da Igreja Católica e os vasos  manuseados na liturgia: toalhas de altares ou mesmo as pequenas coberturas do sacrário,  do cálix, da âmbula, do ostensório. É interessante observar que a escolha de bordados  remete ao que podemos evocar como um conteúdo que torna todos os elementos mais  valorizados, franqueando às sendas que dizem respeito ao sagrado. 

Em suma, o bordado reveste toda e qualquer indumentária com uma aura de beleza e  simplicidade, chamando atenção para uma tradição que outorga às peças o que é digno de  recobrir os vasos sagrados ou cobrir os altares. Quase sempre se selecionava as melhores  bordadeiras para fazer esse trabalho. Não nos custa ainda lembrar o primor dos bordados  que se faziam nos pálios, véus de ombro, para serem usados na procissão de Corpus  Christi.  

Acontece que a artista aqui tratada procede a toda uma sorte de releituras do bordado,  tanto semântica quanto na intervenção de bordar com canutilhos ou pequenas contas,  fazendo valer as cores e texturas. 

Contudo, permanece o que se encontra desde muito concernente à arte do bordado: tecido,  agulha e linha. O mais diz respeito à criatividade de quem busca resgatar uma forma de  arte quase sempre associada ao silêncio e à concentração, pois que bordar, antes de  qualquer coisa, ocupa a mente, afastando determinadas espécies de pensamentos,  deixando-se estar junto a si, contemplando o que se é, em uma incondicional quietude,  lançando para bem longe o que atribula nossa alma, revestindo de paciência o que o  destino outorga de bulir com nossos nervos, transformando em enfermidades aquilo que  é da natureza da alma, mas há de lembrar que alma e corpo não estão dissociados. 

O ato de bordar também serve para engendrar um outro panorama, e que seja para si ou  para outrem. Nos limites circulares dos bastidores, o artista imprime uma outra gramática,  distinta da realidade. Antes de qualquer coisa, há o domínio de um desenho, assim como  se fosse uma pessoa com uma rotina previamente determinada, sabendo de antemão o que  virá acontecer: manhã, tarde e noite. Eis que o Tempo borda com suas linhas algo bastante  interessante, quer dizer, muitas meadas de linhas, com atenta preocupação de nunca  esquecer se o avesso e o direito estão alinhados em um concubinato gratificante para  quem lavra no tecido, não importando se isso ou aquilo difere do que conhecemos como  o mundo que nos rodeia.

Para não dizerem que fui omisso em se tratando de bordado, digo o seguinte: quando for  comprar uma peça bordada, olhe primeiro o avesso, se estiver igual ao direito, então o  trabalho é bom.

sexta-feira, 1 de março de 2024

Especial: Ana Canan: metáforas da solidão extraídas da natureza



Por Márcio de Lima Dantas 

Suave é viver só 

Grande e nobre é sempre  

viver simplesmente. 

Deixa a dor nas aras 

Como ex-voto aos deuses 

 Ricardo Reis 

A fotógrafa Ana Canan (Natal, 1962) destingue-se pela singularidade de ressaltar o ethos das paisagens, flores, animais, ruínas, advindos de tomadas revestidas por uma ímpar  simplicidade. Assim sendo, um olhar mais acurado acaba por nos revelar vestígios  metafóricos de uma invariante antropológica inerente à condição humana: a solidão. 

Com efeito, para comprovar nossa leitura, é suficiente constatar a ausência da figura humana em todas as fotos, deslocando a tomada para inusitados prismas no qual se  ressalta a natureza, quer seja o que se apresenta ou a busca de organizações no qual o  mundo natural conjuntamente com as intervenções humanas lançam seus vetores de  sentidos para a compreensão de um dos mais importantes aspectos de uma presença no  mundo: o humano e seus relacionamentos interpessoais, quer seja nas grandes cidades ou  contemplando a natureza 

Falamos do que nos concerne, falamos de um estado de ser e estar. Proclamamos, por  meio desse naipe de fotografias de Ana Canan, a solidão ontológica habitante dos  recônditos da psique O que provamos logo cedo e somos obrigados a dar uma resposta  que só pode ser de questionamento, de refratar, de mudança de atitude da rotina ou acatar  como nossa integrante, havendo uma convivência, de preferência saldável, e nos  outorgando como philia aliada, numa pacífica aliança para enfrentar as vicissitudes,  atribulações, enfermidades e estados do ser que nos atira para as fronteiras nos arredores  de nós mesmos, fazendo saber da vasta solidão que nos habita, como se fosse uma sarça  e seus espinhos, ardendo em fogo, com o intuito de nos dizer de uma presença atemporal,  longe de ser solo sagrado, muito mais como espécie de silente estela, chantando um  chamado para uma ordem de enigma a ser resolvido. 

Em assim sendo a lâmpada ilumina, para uns a compreensão de ser trabalhado, por meio  da paciência, da aceitação de si mesmo, numa íntima amizade por meio de uma boda cujas  partes encontram-se ao alcance de toda e qualquer pessoa. Para outros, o camuflar através  de subterfúgios vários, algo que prefere negar, labuzando-se no que a sociedade oferece:  a escansão do calendário cívico e religioso, por meio de se fazer presente em algo circular,  repetindo-se a cada ano, com suas fantasias diversas, obliterando o que causa dor, afinal  as conversas são intermináveis, o som emana dos instrumentos como narcótico, a turba  segue em transe, não se sabe o que é solidão. Na verdade, nem existe tempos ou espaços  sociais para provar do travo amargo da solidão. Há que ludibriar, fazendo de conta que  não sei disso.

As fotos de Ana Canan evocam de imediato tal condição. Pelas flores esguias avultando  sob um enquadramento, em um eloquente discurso de fazer saber de uma existência que se destaca pelo singular das cores, mas sempre presente o enfático o fato de se erguerem  sozinhas face ao entorno que as circunda. 

Isso posto, retornamos ao que dizíamos. Ora, há que lembrar: não há outra solução.  Resignar-se ao fato do que é inerente, do que não depende de nós, do que nos concerne  dar uma resposta. Tudo conduz a sermos autênticos, primar pela verdade, contemplarmos  o espelho. Vejamos como uma escritora organizou os arredores dessa experiência humana  de solitude: “Ela estava só. Com a eternidade à sua frente e atrás dela. O humano é só”  (Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres, Clarice Lispector). 

O tema da solidão encontra-se ostensivamente presente no conjunto de fotografias. Bem  claro que de forma metafórica, na medida em que um expectador mais atento ousa  considerar o objeto de arte como matriz e nutriz de um enxame de possibilidades, tendo  em vista o seu repertório ou familiaridade com a estética. 

De outra parte, a solidão não pode ser compreendida como algo enfermiço ou digno de  atroz sofrimento, como sói acontecer com a maioria. Mas ergue-se como como espécie  de monólito, louvando o fato de alguém se encontrar sozinho, com a possibilidade maior  de explorar de as regiões pelágicas do ser, fazendo emergir os contornos do que pode vir  a ser sanativo, nos redimindo de nós mesmos, por meio de um silêncio que nos conduz, não apenas chafurdar no lodo, mas também acendendo lamparinas, para nos iluminar com  os pavios que nosso afeto cultiva com diligente imanência. 

Os diversos matizes das flores destacam-se em um primeiro plano, tendo como pano-de fundo um intenso verde, emoldurando o que pode ocupar metade da foto, um terço ou  apenas uma nesga dessa cor no cume do enquadramento. Por vezes, as fotos acentuam um espelho d’água de uma recôndita natureza, mar, lago ou nascente.  ngulos que talvez  nenhum transeunte pudesse imaginar. 

Ora, não é isso que a fotografia de viés artístico revela? Uma imagem fora das  expectativas ou algo inusitado que nos cerca e passamos despercebido? Com efeito, Ana  Canan logrou êxito, através de um olhar atento e vigilante, ao encontrar o ângulo que lhe  doou a metáfora visual de extraordinária beleza, cultivando a seara de algo que nos habita,  entretanto não podemos (nos) esquecer de saber o tempo da maturação, o tempo da sega nos quais as espigas demandam serem colhidas. 

Penso que já adolescente devemos iniciar esse tenaz exercício, pois quando demora  muito, pode ser que os frutos passem do ponto. Desse modo, fenece a coragem do que e  achega sem aviso nem prêmio: os necessários embates conosco mesmo. Tal como Jacó  enfrentou o anjo, em um combate que temos tudo para vencer. A solidão talvez seja algo  mais simples do que imaginamos: aceitar-se, abrir a porta do nosso imo. Tolerarmos por  meio de simples recursos: passearmos, sozinhos, ir a um café, bosque da cidade, leituras,  filmes, música. E por último: contemplar fotografias eivadas de arte. 

Marinhas ou nascentes de água doce, como sempre, desprovidas da presença humana. Até  parece buscar uma tranquilidade que o homem contemporâneo a pouco e pouco abandona  com as azáfamas domésticas ou com a dinâmica presente nas grandes cidades. Resta  aderir ou edificar um jardim em sua casa.

Enfim, podemos inquirir a valia de tais metáforas visuais, cujo apanágio possibilita, por  meio de um sentido figurado, aportar em um sítio com espaços nem sempre admitidos  pelos humanos, preferindo se embriagar no ópio do calendário com suas inumeráveis  festas, odores, cores, namoros, ou seja, tudo que nega os afluentes que conduzem a  compreender, aceitar, a solidão como fenômeno natural. Creio que as fotografias de Ana  Canan nos leva a uma reflexão da gramática do Ser face à solidão.











sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

Academia Patuense de Letras e Artes vai comemorar neste Sábado (27/01) Nove Anos com entrega de Honrarias.


A APLA – Academia Patuense de Letras e Artes – em sua assembleia anual de aniversário, homenageará diversas personalidades da área de abrangência do município de Patu-RN e da Patu antiga (Almino Afonso, Messias Targino, Olho d`Água do Borges e Rafael Godeiro.
Diversas personalidades  serão agraciadas com medalhas e certificados.  
A Assembleia acontecerá na Câmara Municipal de Patu, a partir das 19:00 horas.
As personalidades que serão homenageadas serão as seguintes:
José Bezerra de Assis
Beatriz Pazini Ferreira
Maria Dalva Dutra Gomes Pinheiro
Alvanir Maria de Moura “ Alvanir Solano”
Francisca   Ivânia de Oliveira.
Francisco Cleilson Carlos de Araújo.
Veridiana Jácome  Gomes.
Josivan Santos Oliveira.
Ednardo Benigno de Moura.
Marianny Midjaellen Rodrigues de Lima.
Maria Louyse Félix Silva.
Escola Music & Tom.
 


 

quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

Catolé do Rocha abre calendário do Cariri Cangaço, em 2024


O “Cariri Cangaço”, evento que reúne historiadores, escritores e pesquisadores do fenômeno nordestino denominado como Cangaço, abre seu calendário anual, em 2024, com um evento em Catolé do Rocha, distante 399,6 Km ( via BR-230) de João Pessoa. O evento colocará Catolé do Rocha na Rota Turística do Cangaço na Paraíba.

Lugares de memória: Curralinho – O evento, que se realizará no período de 23 a 25 de fevereiro, é aberto ao público e constará na sua programação com palestras, lançamentos de livros e as didáticas visitas técnicas aos sítios históricos, cenários reais dos ataques de cangaceiros.

O Cariri Cangaço tornou-se um espaço para debates históricos sobre revoltas ocorridas no Nordeste, coronelismo, protagonismos de cangaceiros, coiteiros e o povo do Sertão. Pesquisadores acadêmicos, historiadores, descendentes de coronéis, coiteiros e cangaceiros se reúnem durante o evento, aberto ao público, para resgatar aspectos econômicos, sociais e contextualização do banditismo rural predominante no Nordeste no início do século XX.

Dois Riachos: a aurora de Lampião no Cangaço – O evento Cariri Cangaço se destaca por resgatar espaços de memória, apresentação de documentos (inéditos), objetos e depoimentos orais. Em Catolé do Rocha, as visitas técnicas vão proporcionar aos participantes acesso à fazendas onde os fatos ocorreram.

João Costa.


Campus Avançado de Patu Realiza a XVI SEUNI - Semana Universitária.




O Campus Avançado de Patu está realizando no período de 11 a 13 de dezembro de 2023 a XV Semana Universitária - SEUNI - com uma programação voltada a discutir o tema tema “Inteligência artificial e educação: desenvolvimento e (trans)formação“.

quinta-feira, 9 de novembro de 2023

Academia Patuense de Letras e Artes Realizará pela Primeira Vez Assembleia na Cidade de Rafael Godeiro.




A APLA - Academia Patuense de Letras e Artes - realizará assembleia  no próximo dia 25 de novembro de 2023, a partir das 19:00 horas no auditório da Fundação Irmã Dorinha na cidade de Rafael Godeiro. A APLA abrange as cidades da Patu antiga, são elas: Almino Afonso, Olho d`Água do Borges, Rafael Godeiro e Messias Targino. A programação será presidida pelo presidente da APLA, acadêmico, professor e escritor, Aluísio Dutra de Oliveira, que contará com a participação de acadêmicos da APLA e de outras Academias do Rio Grande do Norte, bem como autoridades do município. No primeiro momento da assembleia, acontecerá elogio da cadeira do patrono de número 24, que tem como patrono Osvaldo Pereira Nunes e ocupante o poeta e repentista, Aldaci de França.

No segundo momento da assembleia, acontecerá momento cultural com noite de Cantoria Nordestina, com a participação dos repentistas: Aldaci de França e Antônio Lisboa. Toda comunidade Rafaelense e de toda região estão sendo convidados para este importante momento cultural na Cidade de Rafael Godeiro.




 

      

sexta-feira, 27 de outubro de 2023

Especial: Pacífico Medeiros: resignificando a fotografia


Por Márcio de Lima Dantas 

No fundo, a Fotografia é subversiva, não quando  
aterroriza, perturba ou mesmo estigmatiza, mas  
quando é pensativa. 

Roland Barthes 



Pacífico Medeiros (Natal, 1967) reside desde sempre em Mossoró. Tendo  uma carreira pontuada por diversos cursos e eventos vinculados à fotografia, embora haja nos seus trabalhos uma distância das técnicas utilizadas desde  sempre nesse meio de retratar a realidade. Antes de adentrarmos um pouco mais sobre esse original fotógrafo, cremos  ser necessário voltar no tempo e buscarmos determinadas explicações que  nos ajudem a compreender com mais propriedade e conhecimento alguns estilos de pintura que sofreram impacto quando do surgimento da fotografia. Vejamos. Quando surge a fotografia, por volta de 1826, instala-se uma série  de indagações acerca dessa nova maneira de retratar a realidade. Ao que  parece, não havia o artesanal da pintura, do desenho ou da escultura. A  pintura, mais apressada, sentiu-se emparedada, inquirindo afinal qual era  mesmo sua função, pois sempre ocupou o papel de retratar a realidade, seu  entorno e contornos. Sintomaticamente surge o Impressionismo, deixando a  tela esmaecida ou tão-somente sugerindo, sobretudo, a retratação do  humano.

O recuo de formas bem diferentes, assim como sabia fazer o  Realismo, Romantismo ou Academicismo, engendrou imagens que  necessitavam de recuo físico da tela para que a imagem se desse a observar e conhecer. Basta contemplar a tela de Claude Monet: Impressão, nascer do  sol (1872). Acabada essa digressão, cumpre-nos tratar do ethos da fotografia fora do  comum de Pacífico Medeiros. Refratando modelos, o produto final desse  artista ocorre por meio de uma sobreposição de técnicas advindas de outros  sistemas semióticos, sendo que estas são produzidas através de programas de computadores, em um jogo no qual a fotografia primeva esmaece e é também  ressaltada. Quase sempre emoldurando com contornos dramáticos o retrato  de quem expressa um sentimento ou encontra-se envolvido em atividades de  algum ofício. Tais figuras podem ser duplicadas ou triplicadas em uma  espécie de crescendo, engendrando um belo efeito cromático de preto e  branco sobre figuras geométricas coloridas. 

Com efeito, há que compreender a função de múltiplas técnicas, - passando  pela gramatura do papel e indo buscar um pano-de-fundo nos antigos  mosaicos (ladrilhos) de residências ou igrejas, só para restar em um exemplo,  - essa função perfaz uma aura estética inauguradora de uma nova obra, quem  sabe uma nova ordem de pensar e refletir acerca da realidade.  Quero dizer com isso de uma nova ordem na fotografia, no qual a mensagem,  via meios tradicionais e digitais, assomam no nosso derredor, largando uma  forma monolítica que o retrato em preto e branco ou colorido demanda ao  expectador. Mesmo detendo um eidos estético, com o sumo da mensagem multisignificativo, não esquece de apontar caminhos e pistas a quem está  diante. Bem claro que o significante suplanta e questiona o que se diz,  sugerindo o como.

Sucede um fenômeno nosso momento histórico; como sempre, este, fruto  das condições socioeconômicas que a tudo e todos pintam com suas cores e  nuances. A saber, uma algazarra de informações contidas nas redes sociais,  sintetizadas no nome Internet. Muitos nem conseguem alcançar certas  nomenclaturas e determinados manuseios nos grupos sociais. Contudo,  podemos equacionar da seguinte maneira: tem tudo de bom, tem tudo de  ruim. Nunca esquecendo o mal-estar que bafeja sobre tudo e todos, inclusive  sobre a crítica de arte, ao que parece, em franca extinção. O fotógrafo Pacífico Medeiros optou pela primeira, ousando inscrever suas  fotografias em um amálgama de técnicas oriundas de diversos meios.

Não  deixando de lado o kairos, ou seja, o momento certo, a oportunidade não  perdida de apreender através da objetiva elementos figurativos que irão  compor uma espécie de ponto de fuga: mulheres, homens trabalhando, uma  senhora que aquiesce, por meio das mãos, as vicissitudes do destino.











domingo, 15 de outubro de 2023

Especial: A (meta) pintura de Laércio Eugênio

 

Por Márcio de Lima Dantas 



Laércio Eugênio (Sítio Mata Seca, Frutuoso Gomes, 1959) assenta-se, contemporaneamente, como um dos mais importantes artistas plásticos do  Rio Grande do Norte. Detentor de uma dicção pictórica assaz original no que  concerne aos meios utilizados pela pintura desde sempre. Acontece que o  artista optou por outro caminho, imprimindo à sua obra um tanto de  originalidade, fazendo com que marque um diferencial com relação aos seus  pares. 

Com efeito, suas telas parecem ser puro pretexto para questionar uma  representação realista ou abstrata do mundo que o cerca ou como chegam as emissões do real em seu íntimo. Ora, o que parece almejar é discorrer acerca  do ato de retratar qualquer que seja o tema, em um movimento que se volta  sobre si mesmo, chamando atenção e proclamando, - por meio de precisas  pinceladas mais espessas, ora usando o pincel, ora arrematando com a  espátula, - que o sistema semiótico pintura é uma outra realidade. 

Assim sendo, descobrindo seus próprios meios, ou seja, autodesvelando-se,  em uma atitude que tem muito de crítica, no sentido de que a tela não mais  busca ou salienta o que chamamos de tema, conteúdo ou significado. Vai  valer pelo significante, pela forma, em movimento que se volta sobre si  mesma. Ora, nada mais é do que aquilo que sempre foi a ontologia da Arte:  há que mirar-se na forma, e não no conteúdo. 

A obra do pintor Laércio Eugênio é um discurso que se pretende um “tratado  de pintura”. Eis a tinta ocupando o lugar que seria do desenho, conformando  um possível lugar de volumes quase sempre estáticos, reafirmando o que  dissemos. É uma espécie de contemplar objetos isolados ou em conjunto,  conduzindo o ato de pintar para engendramento de uma outra realidade,  antípoda ao que chamam de real empírico, lugar onde sucede a interação  entre os homens, seus objetos, seus sistemas de valores, suas maneiras de  agir ou representar. E suportando todas as atribulações, sendo espécies de  marionetes, em um eterno embate com as forças que nos chegam à nossa  revelia, impondo mando e jugo. 

Mas eis que temos a arte para nos redimir, uma dimensão outra perpetrada  por uma singular presença no mundo, consignando contornos, inventando  perspectivas, percebendo ângulos inusitados, alterando a ordem ditada pela Ideologia, fazendo-nos crer em uma possível outro jeito de pensar. Enfim, o  que de um imo singular emanou, dessa presença individual chantada nos  logradouros da realidade, de um que ousou pensar diferente e tornou essa  matéria em arte, eis a suprema capacidade de expressar uma pluralidade, um  coletivo, uma etnia, um país, um dado momento histórico e o seu Ar do  Tempo. 

Antes do mais, há que dizer que farei uso livremente das funções da  linguagem propostas pelo linguista russo Roman Jakobson (1896 – 1982).  Sua proposta das funções da linguagem é bastante dúctil, possibilitando que  se analisem outros sistemas semióticos, não apenas a Língua. O termo  Linguagem amplifica-se a todo e qualquer fenômeno da cultura, sendo que à  medida que houve uma evolução dos primeiros agrupamentos humanos de  caçadores e/ou agricultores, a língua foi se impondo como um dos mais  importantes meios de comunicação, dada a sua versatilidade e economia de  paradigmas conformando um sintagma. Quer dizer, um reduzido número de  fonemas é capaz de dar conta de línguas circunscritas a áreas geográficas ou  etnias com o mesmo laço de parentesco. 

Mesmo assim, as artes visuais seguiram paralelas, organizando  representações por meio de escrituras rupestres nos abrigos e cavernas,  também em baixos-relevos sobre o granito, como se tivesse sido riscado pela  mesma pedra. Esses são apenas alguns exemplos. Para além da dimensão  mágico-religiosa, havia a necessidade de expressão de um indivíduo à cata de inscrever fora de si uma outra realidade. Eis o que motiva o surgimento  da arte enquanto fenômeno de cultura, da mesma forma o que impulsiona  aos que, parece, sentem necessidade de cumprir determinada ordem vinda  das regiões mais profundas do seu íntimo. 

Esse conceito de Função Metalinguística empregaremos para analisar em  uma perspectiva ensaística a obra de um pintor originalmente relacionada  com o desenho, visto ter colaborado durante muito tempo como cartunista  do jornal Gazeta do Oeste, tendo despertado para a pintura em 1988. Aqui já  expusera seu talento em um desenho firme e detentor de uma dicção  extremante criativa. 

Separaremos, para fins didáticos, sua obra em três arranjos. As naturezas mortas, as paisagens e as marinhas. 

Suas naturezas-mortas detém características bem particulares, começando  por manusear uma rica paleta de cores e seus respectivos tons. Expressa o  pleno domínio da luz que esplende sobre arranjos de flores ou frutas isoladas,  em um preciso sombreamento. A luz nessas telas assoma sempre de um ponto, maneira arguta e sensível de fazer com que o objeto em cena quedado proeminente, resplandecendo a luz que ilumina a composição retratada por  meio da técnica expressionista: consistentes pinceladas que mais parecem ter  sido feitas de chofre, como se não houvera previamente o desenho. Evoca  uma espécie de pressa, no melhor sentido que possa haver. As grossas  pinceladas sugerem mais um artista pleno no domínio de seus meios. 

Tenho para mim, que os vasos de flores talvez sejam o que de melhor  conseguiu fazer valer sua estética, em uma maestria capaz de lograr êxito a  partir da sua experiência com as telas e os pincéis, demonstrando suas  capacidades de imprimir uma hegemonia da cor sobre o desenho, em um  despotismo de formas, cores e contornos capazes de desmistificar o retratado  como lugar agradável e puramente decorativo. 

O Expressionismo enquanto estilo histórico ou escola vinculada às  vanguardas que surgiram no início do século XX, caracteriza-se por buscar  a transmissão de emoções por meio de uma técnica muito parecida com uma  forma abrupta de transmitir para a tela o real e seu entorno. Isso mesmo, uma  espécie de pressa ao colocar em grossas camadas ou pinceladas, com  espátula ou pincel, o que se apresenta ao olhar ou se movimenta no entorno  do artista. Desse modo, alguns procedimentos empregados desde sempre são  esquecidos. Basta ver como os vasos com flores estão muito mais do lado de  insculpir emoções do que imprimir na composição um equilíbrio de formas  ou procedimentos desde sempre buscados por escolas de pinturas do  passado. 

Por isso, fomos buscar adjutórios, para efeito de compreensão, nas funções  da linguagem. Essas telas referendam uma arte que se dobra sobre si mesma,  como se quisesse testar o código. Assim sendo, podemos inscrevê-la como  uma arte metalinguística, na medida em que não busca retratar aspectos  tendo em vista uma cópia da realidade, como por exemplo, a estética  Realista, Romântica ou Acadêmica. Ao dobrar-se sobre si mesma, acaba por  revelar o caráter de que estamos diante de um objeto no qual outorga um  discurso de que não passa de uma composição, cuja organização cromática  chama atenção para as possibilidades de se plasmar algo que pode até  remeter a um referente do real, mas não se quer uma cópia deste. 

As paisagens propostas por Laércio Eugênio também remetem ao que acima  discorremos, no sentido de buscar a luz, sendo que aqui procura captar a  luminosidade natural, quer seja nas praias, quer seja em ermas zonas,  parecendo muito mais fruto da imaginação do que factíveis de existirem.  Reforçando a ideia de recortes do real muito mais como desculpas para se elaborar o luzir claro de um possível sol e uma possibilidade de encetar  contrastes entre cores e nuances que se opõem, como o azul, a terracota e o  verde.  

Com efeito, encontramos nas telas amplos céus azuis, conformados por meio  de espessas pinceladas em diversos tons dessa cor. A perspectiva é  conseguida quase sempre através de alguma nuance, não do desenho, que  desaparece, para dar espaço e vida às cores que entram na composição.  Sugere precisão e uma falsa urgência, pois sabemos que essa espécie de  técnica requer tempo, silêncio e um olhar atento, distanciando-se, vez em  quando, para saber a exata medida do que se está elaborando. 

Fica difícil não chamar atenção para a luz, com sua clara transparência, assim  como se passasse direto, vinda do firmamento, não recebendo nenhum  obstáculo. O artista consegue com destreza alcançar, com imensa  propriedade, esse privilégio das zonas rurais ou de algumas cidades  nordestinas. 

Por fim, vejamos o virtuosismo do artista em dos seus temas principais, as  marinhas. São detentoras de imensa beleza cromática, fazendo valer o que  ousou e usou nas paisagens. Nada devendo a ninguém. Limita-se a engendrar suas telas, como pessoa um indivíduo discreto e sem nenhum vestígio de  soberba, apenas transforma em paisagens marítimas as ordens que emanando  seu interior. Esse mando e necessidade que forças da natureza demandam  transformar em “energia” uma “dínames” (Aristóteles). Assim como se fosse uma imanência, algo que chafurda dentro de si,  ansiando por se tornar Arte. E com o pintor Laércio Eugênio, encontramos  esse A no melhor sentido, de benfazejos objetos incorporados aos que o  cotidiano já detém, sendo que na Arte, e sobretudo nas marinhas, há uma  nova forma de contemplar a realidade, na medida que há um diferencial, pois  refrata o que formos acostumados a ver ou o que nos dizem como ver. Aqui  há um novo projeto de vida: transmitir sentimentos por meio de uma  determinada maneira, ou seja, de como se assenta a realidade no interior do artista. E assim ele transmite, por meio da sua pintura, as emoções que  rebentam em seus músculos, ossos sangue, estrumando os cães adormecidos  na sua alma, fazendo com que se transformem em uma outra realidade  possível.

quarta-feira, 11 de outubro de 2023

Especial: Padre Antônio: caridade pastoral e entrega ao amor

Por Márcio de Lima Dantas 

                          "Boni de sui difusi" 

                     Santo Agostinho 



Como discorrer acerca de uma pessoa que não tive convívio ou acesso a  fontes primárias sobre seu comportamento e sua estada no mundo? Onde  resido é muito distante de onde ele atuou como sacerdote militante,  cumprindo o carisma da sua ordem, esse bem advindo do sagrado, voltando se para a comunidade: os padres da Sagrada Família, desde sempre  responsáveis pelo Santuário de Na. Sra. dos Impossíveis, localizado em um  contraforte da Serra de Patu. Por vezes, reverbera no meu íntimo frases  melódicas de um hino, assim dizendo: Vai trabalhar pelo mundo afora / Eu  estarei até o fim contigo. / Está na hora o Senhor me chamou / Senhor aqui  estou.  Encontrando-me assim, tal como no primeiro terceto da Divina Comédia, de  Dante Alighieri (Tradução de Cristiano Martins, Belo Horizonte: Itatiaia). 

                   No meio do caminho desta vida 

                         achei-me a errar por uma selva escura, 

                        longe da boa via, então perdida.

Como não sabia, dirigi-me a quem poderia saber. Achei por bem recorrer ao  amigo e benfeitor da cultura o Prof. Aluísio Dutra, que, por sua vez, indicou me o poeta José Bezerra (Antônio Martins, 1948), pois este conviveu na  Capela de Santa Teresinha com o Pe. Antônio e suas obras filantrópicas. Pe. Antônio Shulte-Wrede era responsável pelas atividades missionárias e  pastorais do Santuário do Lima e da Matriz de Na. Sra. das Dores. Desde  sempre já o conheci idoso, com uma longa barba branca, vestindo o hábito  do cotidiano dos sacerdotes da sua Ordem. Era uma batina firme no corpo,  que se destacava pela cor de um bege mais fechado. Ao que parece, era uma  espécie de indumentária usada no dia a dia, diferente da maior parte dos  clérigos, que é preta. Sim, já usava uma bengala para se apoiar. Por  coincidência ou uma benfazeja sincronicidade, estava eu passeando na ala  circular da igreja do Santuário. De repente, Pe. Antônio pegou no meu braço e me pediu para conduzi-lo até  a última casa que ficava debaixo da pousada. Alegou que chegara um seu  amigo, precisava acolhê-lo e dar assistência. Interessante que pegou uma  pessoa aleatoriamente; no caso, eu, uma espécie de compreensão do humano  como se todos fossem previamente bons, incapazes de negar uma pequena  ajuda. Não teve mais nada, foi só isso. De outra feita, ele se encontrava na pequena sacristia, local onde estavam os  objetos necessários à liturgia, das duas igrejas: uma no nível do rez-do-chão,  a outra no andar de cima. Havia um senhor, com sua esposa e duas filhas.  Este tinha trazido um presente para Na. Sra. Dos Impossíveis: uma rede.  Fiquei parado e observando. Esse homem disse alguma coisa, Pe. Antônio  recebeu com enorme gratidão a rede nova. Provavelmente, esse senhor, vindo do Ceará, dera o que detinha de maior valor. Foi assim que aconteceu.  Juro que é verdade. O clérigo não fazia distinção entre os romeiros,  amparando, conversando e prestando assistência. Aos domingos descia a serra e celebrava missa na Capela de Santa Teresinha.  Quando terminava, distribuía confeitos e biscoitos para as crianças. Todos  faziam uma grande festa. A comunidade ao redor da capela sempre foi  imensamente grata a esse sacerdote condutor não apenas de uma mensagem  espiritual, de evangelizador cuja missão era cumprir votos de dedicação para  com o seu semelhante, também apascentar seu rebanho, mas ajudava no que  podia às pessoas. Recorrendo a demandas enviadas a sua família e amigos  da Alemanha, reconstruiu a pequena capela, ampliando o tamanho para que houvesse maior conforto. Todas as quinzenas entregava às famílias  necessitadas cestas básicas.

O pastor conduzia como se fosse natural, como  se houvera nascido desde sempre com essas ordens atávicas, os símbolos do  mangual e do cajado. Não ficava só nisso. Procedia adjutórios aos que precisassem, retelhamento  de casas; pequenas melhorias, tais como tetos, portas e janelas, sobretudo  após as chuvas. Caso os moradores nada tivessem, pagava a mão de obra.  Após a celebração da missa no Santuário, descia para a cidade com o intuito  de prestar assistência aos enfermos. Bastante cansado retornava por volta das  10h, sempre a pé, recusando eventuais transportes. Acabou por sofrer uma  queda que o levou a ser cadeirante. A partir dessa condição, não ouve mais  mudança, mas ninguém pense que Pe. Antônio abandonou o seu ministério, os serviços dedicados, a missão que parecia habitar seu ser, mesmo sabendo  que não tinha mais tanto tempo. Pouco tempo depois veio a falecer no hospital da cidade, tendo sido velado  na Igreja Matriz, a população se fez presente, com muita gente se  despedindo, sobretudo os que residiam no entorno da Capela de Santa  Teresinha, pois fora lá que prestou muitos serviços ao menos favorecidos.  Foi sepultado no outro dia no Santuário do Lima, ao lado do túmulo de Pe.  Henrique Spitz. Seus restos mortais foram trasladados para Juazeiro do Norte  (CE). Tem uma coisa muito interessante e curiosa sobre esse sacerdote. Ele residia  no que chamavam de Casa dos Padres. Durante o reitorado de Pe. Henrique,  os padres tinham um apelido para ele: Santo Antônio. Não passava de uma  brincadeira elogiosa. Quando se ausentava, os padres diziam: Santo Antônio  está para chegar. Isso mesmo, temos que proclamar sua memória como dádiva de um homem  dedicado a fazer o bem, por meio de um serviço permanente de fé, esperança  e caridade. 

*Agradeço imensamente ao poeta José Bezerra, residente na cidade há 40  anos, poeta e ocupante da cadeira número 2 da Academia Patuense de Letras  e Artes. Sem seus preciosos informes, esse texto não teria sido possível.

quarta-feira, 4 de outubro de 2023

Especial: Café Santa Clara e Casa Paris.

Por Márcio de Lima Dantas

Professor de Literatura Portuguesa da UFRN


 “Só agravava o prato que comia”

Adágio popular.



Na rua Capitão José Severino, bem próximo a um logradouro no qual estavam estacionados carros de praça, que serviam de aluguel, tais como Rurais ou Jeeps, do lado esquerdo, havia um reputado café, espécie de restaurante e bar, conhecido pelas deliciosas iguarias expostas aos clientes. Era o Café Santa Clara, pertencente à senhora Severina Dias da Silva (30.07.1910 – 27.10.1986). Vendia-se bolos, doces, queijos, chocolates de diversos tipos, pudins, bolinhas de carne, linguiça, buchada, conservas, enlatados. Havia uma clientela cativa, aumentada nos sábados, nos quais ocorria a concorrida feira semanal.

Severina de Cunegundes era uma senhora baixa, um pouco corpulenta, vestia-se sempre com roupas discretas. Além de ser responsável pela coordenação da feitura das comidas oferecidas para a venda, também estava em pé, atrás do balcão, atendendo a freguesia. Cordata, todos a respeitavam. Era impossível vê-la sem estar envolvida em alguma espécie de atividade, seja do café, seja da casa de morada, extensão nos fundos, dando ir até a outra rua defronte da igreja matriz, no qual havia uma bela fachada, com uma pequena área coberta por uma linda trepadeira, perfumada durante à noite, e uma grade de ferro. Quase ninguém detinha essa planta em seu jardim.

Botando sentido no que foi a vida de Severina de Cunegundes, é próprio dizer de uma estreita relação com o trabalho. Pusera a razão da sua existência em uma rotina cujo labor ocupava quase o tempo inteiro. Não se sabe se tivera o que se chama vida social, das pessoas “mais ou menos”, nos clubes da cidade, nos bailes de carnaval, nas associações que congregavam senhoras católicas, como o Apostolado da Oração, ou qualquer outra aglomeração de diversão ou festa cívica.

Na verdade, sua vida parecia restrita à casa, espécie de clausura que voluntariamente construíra. Sintomaticamente a casa estava encostada as duas outras vizinhas, sem beco ou oitão permitindo abrir um espaço. Pouco se via o movimento da casa se olhássemos para a frente que dava para a ampla praça da Igreja Matriz. Essa mulher desde sempre lançara âncoras que a conduzia a um cotidiano eivado de horas nos quais o relógio clamava seus mecanismos, lembrando dos compromissos, escandindo o cotidiano por meio de um ritmo intitulado trabalho. Isso mesmo, o café ocupava seu corpo e sua cabeça, não havia mais espaço para nada, a não ser uma redobrada atenção com os agregados da casa: Tião, Chico, Maura e Raimunda. Um ou outro podia ter laços de sangue, contudo, a maioria foi se achegando, despertando relações de afeto, demandando cuidados, incorporados à casa, em um movimento inconsciente de organizar uma família, pensando muito mais em si, nesse cultivo amoroso, do que nos outros.

O certo é que se torna difícil separar uma coisa da outra. Ao haver uma doação e um cuidado para com o outro também procedemos a uma medida de nossa capacidade de amar e sermos amados. Cada um dos quatro acima aludidos, comportava uma quota de responsabilidade, de acordo com as sessões do café, podia ser levar os mandados ou a compra de algum insumo, como Tião; também podia ser a feitura de comidas, como é o caso de Raimunda ou Maura. Ninguém havera de se dar ao luxo de nada fazer. Quando o dia chegava, todos implicitamente já sabiam o que lhes competiam elaborar, a quantidade e a qualidade.

Assim sendo, o exercício diuturno do trabalho era entendido como uma maneira não apenas de preencher o tempo com um minério edificante, mas muito mais como uma compreensão das horas dedicadas às atividades requeridas pelo café, conduzindo a uma explicação do estar no mundo, por meio de ganhar a vida através do suor, elevando o trabalho a um patamar mais alto, imprimindo respeito e dignidade, nada devendo a ninguém, dando-se o luxo de não ter resposta para dar a ninguém. Apenas elaborar uma funcionalidade que, por sua vez, engrandecia e deixava a alma plena de uma virtude eleita como a condimentadora da vida com especiarias capazes de dar bom sabor a tudo que fazia de boa vontade.

Agora vamos nos deter sobre o proprietário da Casa Paris, o mais sortido armarinho de miudezas, não só da cidade, massa de toda a região ao derredor. Era o Sr. Cunegundes Hemetério da Silva (03.03.1902 – 12.04.1981), ajudado por Chico. Aos sábados, como o movimento era maior, quase sempre tinha uma mocinha que ajudava a atender a clientela. Ficava difícil dizer quem era o mais calado dos dois, se o Sr. Cunegundes ou seu filho adotivo Francisco Dantas de Rezende (18.05.1938 – 02.12.2008).

O armarinho fazia jus à sua fama, com uma variedade enorme de materiais dedicados ao ataviamento de roupas sociais, de banho ou de cozinha. Podíamos encontrar gripi de todas as cores, sianinhas, fitas de toda largura, bicos, enfim, tudo que dissesse respeito aos arremates finais de uma costureira sobre uma roupa, concedendo uma dimensão estética a vestimenta.

A vida desse senhor limitava-se a administrar o seu negócio. Sabendo o caminho da loja até o café, onde era sua casa. Andava sempre lentamente, como se contasse os passos de uma vereda desde muito conhecida, pouco ou nada lhe interessava dos transeuntes, se iam ou se vinham. O importante era encerrar o dia cansado, com seu dever cumprido. Malgrado o cansaço de músculos e ossos, provava da brisa do entardecer, como se ela aportasse no seu frescor a aprovação desse bem estar com os outros, com sua família, mas, antes de tudo, consigo próprio, que é o que mais interessa e o mais importante, diante da vida e de sua obrigatoriedade de não cairmos em um vazio existencial. Por isso, o sensato e o saudável que é trabalhar, ocupando a cabeça com amanho de uma ocupação digna e edificante.

Com efeito, desenvolve-se uma boa maneira no amanho de dias sempre iguais. Isso interessa pouco aos que compreendem a vida como amar e trabalhar. Assim adquire-se uma lídima autonomia perante seus semelhantes, que podem até mangar, mas nunca capazes de dizer que o outro incorre em erros e práticas contra quem quer que seja. Não dá nada a ninguém, mas também não quer nada de ninguém. De maneira sutil e silenciosa lança o outro contra a parede; encostado, serve de exemplo a quem ousar chegar perto com suas piadas, ironias e deboches, tão caros a parte da população.

O Sr. Cunegundes não era afeito a polêmicas que a nada conduzem. Com sua forma de vida, plena de discrição e silêncio asseverava a quem interessasse estar com ele ou contra ele, parecia dizer sem falar: “Com licença, mas eu vou passar”.

Por fim, não tenho muito mais a dizer. Gostaria de falar dos agregados que se fizeram família, Raimunda Dias de Barros (05.06.1954), chegou com seis anos, era sobrinha de Da. Severina. Os outros três não eram parentes de sangue: Maura chegou com nove anos, Chico chegou com cinco anos.

Parece que sua boca, ao nascer, recebera um lacre possível de emitir tão somente discursos eletivos, configurando uma natureza comportamental que o conduzisse a uma liberdade interior, sem o compromisso ou a responsabilidade de ser refém do que pronunciara.

Chico, ocluso em uma aura de silêncio, mesmo em rodas neutras de homens pertencentes ao senso comum, já não sabia se nascera assim ou o exercício do lacre na língua advinha de uma sujeição ao contínuo exercício desde criança, em uma mescla de timidez e indiferença ao que acontecia no seu entorno.

E se era de encontrá-lo onde quer que fosse? Estava sempre com o aspecto asseado, discretas roupas limpas, sapatos pretos envernizados. Encostava-se nas paredes, ao se juntar a outros homens matando o tempo. Encerrado em si mesmo, restava a dúvida se estava prestando atenção às conversas ou seu espírito vagava em algum lugar no ermo da caatinga da região.

O mundo para Chico de Cunegundes estava restrito a um segmento de rua entre o armarinho e o café. O diâmetro de espaço no qual circulava era exíguo. Parecia se sentir seguro em lugares com pleno domínio e visibilidade do que ali sucedia, sendo possível haver uma previsibilidade no comportamento dos grupos de homens passando as horas nas calçadas, nas horas menos tépidas da tarde. Talvez fosse pouco afeito às pessoas desconhecidas, evitando surpresas que não estivessem consoante suas demandas interiores.

Raimunda, sobrinha de Da. Severina, viera de um sítio para estudar na cidade, bem como ajudar a Tia na casa e no café. Tinha apenas seis anos: uma mocinha destemida e trabalhadeira. Logo quando chegava da escola, dirigia-se à tia, para saber o que estava pendente e quais eram suas obrigações do dia. Estava sempre de prontidão, nada recusando fazer, afinal já era uma mocinha. Formou-se e aposentou-se como professora.

Havia uma outra pessoa que também era agregado, Tião, da família Rodrigues, responsável por efetuar os mandados. Ao que parece, a Sra. Severina atraia pessoas de boa índole e com capacidade de trabalhar, compreendendo que é por meio da labuta diária que se edifica, sobre a rocha, a morada da vida.