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terça-feira, 22 de outubro de 2013

ARTIGO: A Igreja do Rosário de Pombal e o Sincretismo Religioso


José Romero Araújo Cardoso

O marco do triunfo dos europeus e das idéias que traziam o signo da Cruz, quando da colonização brasileira, era a construção de igrejas católicas. A partir da edificação de inúmeros templos, surgiram diversos aldeamentos na região nordeste, bem como em diversos lugares espalhados pelo Brasil.
Em Pombal, Estado da Paraíba, o testemunho dessa fase ainda se conserva através de relíquia histórica representada pela igreja do Rosário. A construção, em estilo barroco, se concretizou em devida promessa feita pelos conquistadores a Nossa Senhora do Bonsucesso quando das fulminantes e mortíferas investidas dos indígenas, precursoras do estilo de guerrilha que caracterizou dos salteadores das caatingas, principalmente durante o século XIX e boa parte deste passado. O “sucesso” foi pleno, registrando-se episódios surreais de pura perversidade contra povos indígenas.
Inicialmente, a capela onde os colonizadores agradeciam o “sucesso” do massacre, era uma tosca choupana erigida por aventureiros a serviço da famosa Casa da Torre. O genocídio da brava tribo Pegas, bem como de inúmeras outras nações indígenas, verdadeiras donas da terra, se completava, afastando dessa forma a ameaça dos sucessivos e surpreendentes ataques aos colonizadores, e, também, talvez principalmente, aos rebanhos de gado, razão econômica da expansão territorial pelo sertão enfatizada pelos lusitanos em sua colônia nas Américas.
Em 1721, quando a guerra dos “bárbaros” já integrava a memória dos antigos colonizadores, embora ainda incompleta, a estrutura primitiva da tosca capelinha cedeu lugar a uma perfeita obra de arte, com sinuosos traços arquitetônicos que se vinculavam ao estilo vigente quando de sua construção. Ainda sobreviviam, nessa época, tribos dispersas e acuadas, devido à desvantagem da defesa e do ataque patrocinada pelas armas que dispunham. Resistiram poucos remanescentes das heróicas contendas que marcaram os sangrentos embates que envolveram índios e brancos quando das violentas pelejas que obstacularam tenazmente, durante dez anos, o avanço das bandeiras colonizatórias.
A mão de obra utilizada na construção da atual igreja do Rosário de Pombal envolveu índios subjugados, escravos compulsoriamente inseridos na arriscada empreitada gerida pelos poderosos prepostos do famoso império localizado na Bahia. Possivelmente, trabalhadores livres também participaram da efetivação do marco da colonização portuguesa, país católico por excelência, abrigou, durante longos séculos, da nefasta e criminosa instituição da inquisição. O pedreiro responsável pela obra de arte se chamava Simão Barbosa. Com certeza era um homem livre, embora inserido em plano inferior dentro da hierarquia da orgulhosa elite privilegiada da sociedade sertaneja agropastoril, a qual estava firmada sobre o reflexo da estrutura social consolidada no litoral açucareiro.
Até o final do século XIX os cultos católicos, direcionados a Nossa Senhora do Bonsucesso, foram realizados na velha igreja em estilo barroco. Com a construção de novo templo, concluído no início da década de noventa da referida centúria, o recanto de oração dos cristãos da terra de Maringá à sua padroeira, passou a se realizar na matriz inaugurada para receber a devoção dos fiéis. Originalmente arquitetada com apenas uma torre, somente no final da década de cinqüenta do século XX foi construída outra.
A igreja do Rosário só passou a ser conhecida assim depois que mítico negro de nome Manoel Cachoeira conseguiu convencer o Bispo de Olinda a oficializar a festa em que se observa nítida vinculação com manifestações religiosas impostas pelo colonizador aos escravos que penavam no famigerado cativeiro, o qual deixou marcas indeléveis. A mão-de-obra massacrada no trabalho estafante em canaviais, minas, etc., elo importantes dentro da plantation, cuja característica era englobar, além da escravidão, o latifúndio e a monocultura, sofre humilhantemente, ainda hoje, com a permanência aviltante do legado maior do escravismo: O preconceito e a exclusão. Esse sistema imposto pela metrópole portuguesa assegurou o enriquecimento de alguns portugueses e de muitos holandeses que comercializavam o açúcar brasileiro até a crise sucessória em Portugal, a qual definiu a união ibérica.      
Reza a tradição que o fundador da festa do Rosário de Pombal fez três viagens a Pernambuco, até alcançar o seu objetivo. Com certeza, houve contato de Manoel Cachoeira com o folclore negro, extremamente rico nas plagas que palmilhou, principalmente no que tange às manifestações culturais personificadas no Reisado, nos Congos e na própria irmandade do Rosário, incorporados ao evento religioso, denotando formas de resistência cultural. O ritual dos Congos é um dos mais significativos, remontando à ênfase ao respeito de súditos à nobreza de tribos africanas.
Três culturas se fundem no ensejo da adoração ao Rosário. Inúmeras tribos islamizadas foram trazidas da África para o Brasil, permanecendo traços culturais destas em razão da presença do Tecebá, o Rosário islâmico, entre os dedos da imagem de Nossa Senhora. Notar que o culto se destina mais precisamente ao Rosário, símbolo da resistência dos descendentes dos filhos de Alá. Em seguida, enquanto signo da imposição do colonizador católico, encontra-se a presença do cristianismo, com Nossa Senhora coadjuvando a expressão de Fé, e, finalizando com as evidentes marcas da louvação que denotam a influência da cultura negra, considerada pagã pela igreja Católica, de certa forma, em diversos momentos.
No início da década de sessenta do século passado, Padre Acácio Rolim se negou a realizar a festa do Rosário. A resposta da sólida cultura de Pombal se deu quando o povo, não se importando com nada, lotou a cidade e realizou sozinho o evento religioso. O sacerdote de nobre família cajazeirense se horrorizava com o espetáculo alegre e festivo promovido pela irmandade do Rosário, o qual ele considerava profano e herético.
Alicerçado em indisfarçável racismo, este sacerdote considerava profana a manifestação negra ao Rosário, desestimulando-a enquanto pôde. Depois da era Padre Sólon, quando houve efetiva articulação de novos rumos da liturgia católica no município de Pombal, a festa do Rosário passou a ser enfatizada de forma exponencial, sobrepujando a tradição antes existente, referente à devoção à padroeira.
A igreja do Rosário, patrimônio importante da História do semi-árido, tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba, guarda, com certeza, segredos nunca descobertos. Séculos de História a fez referência à inúmeras gerações.
Sua preservação é definida por lei. Nada pode atentar contra sua integridade estrutural, pelo menos em tese. Na prática, foram registrados verdadeiros atos de vandalismo contra a estrutura que guarda um pedaço da História pombalense. Várias preciosidades foram destruídas enquanto produto da insensatez daqueles que não enxerga a importância que o velho templo em estilo barroco tem para a compreensão do processo que gerou a espacialização deste núcleo da expansão metropolitana em direção ao desconhecido sertão de índios bravios.
A igreja do Rosário de Pombal é uma das maiores riquezas que a terra de Maringá possui, na verdade patrimônio da humanidade em virtude que o legado de gerações pretéritas é um bem coletivo que suscita conscientização acerca do papel que todos devemos desempenhar na busca incessante pela preservação dos nossos testemunhos Históricos, e, conseqüentemente, de nossa cultura e, mais ainda, de nossa identidade, vilipendiada cotidianamente.

(*) José Romero Araújo Cardoso - Professor do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - Escritor - Assessor da Fundação Vingt-un Rosado/Coleção Mossoroense. Especialista em Geografia e Gestão Territorial e em Organização de Arquivos - Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente – PRODEMA – UERN - Sócio da Sociedade Brasileira de estudos do Cangaço e do Instituto Cultural do Oeste Potiguar - Sócio-correspondente do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano e do Instituto Cultural do Vale Caririense - Contato: E-mail:romero.cardoso@gmail.com: Fone: (84)3312-0239.

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