Cangaço e
Transculturalismo na Paraíba
Antes do grande encontro dos cangaceirólogos paraibanos, ocorrido
no último dia 25 de janeiro, no Shopping Sul, em João Pessoa,
capital do estado, o pesquisador social Epitácio Andrade teve um
contato interpessoal com o médico oftalmologista Vanderlan de Souza
Carvalho, quando abordaram a interação dos saberes popular e
científico, a partir do fato histórico marcado pela perda do olho
direito do Rei do Cangaço Virgulino Ferreira, o Lampião.
Epitácio Andrade
autografa para Vanderlan Carvalho
O médico psiquiatra Epitácio Andrade procurou seu colega
contemporâneo de faculdade para autografar seu livro “A Saga dos
Limões – Negritude no Enfrentamento ao Cangaço de Jesuíno
Brilhante”, e estabelecer um diálogo sobre a visão subnormal de
Lampião, analisando um possível acidente com a perfuração do
globo ocular com um espinho na caatinga e/ou a evolução de uma
doença degenerativa ocular, como o glaucoma.
Alguns biógrafos de Lampião aventam a possibilidade da
perda do olho direito ter ocorrido nos anos 20, durante enfrentamento
com volantes, quando houve o acidente com um espinho, que foi
retirado por um médico na cidade de Triunfo, no interior
pernambucano. Na ocasião, ao ser informado da possível cegueira
decorrente da lesão ocular, Lampião teria dito que só precisava de
um olho para atirar.
Na época da provável perfuração do olho direito de
Lampião, era tradição pelo conhecimento popular a extração do
“olho vazado” para não se passar a cegueira para o outro olho.
Para o especialista Vanderlan Carvalho, esta explicação do saber
popular encontra respaldo no saber científico, tendo em vista uma
possível reação antígeno-antícorpo, onde o sistema imunológico
passa a identificar o olho são como corpo estranho.
O especialista em oftalmologia Vanderlan Carvalho afirmou
também que a tendência atual da cirurgia ocular diante de lesões
perfurantes do olho humano é cada vez mais a preservação dos
tecidos remanescentes, uma vez que a proteção para uma possível
reação antígeno-anticorpo é possibilitada pela utilização das
modernas drogas imunossupressoras, inexistentes na época do cangaço
lampiônico.
Já no encontro com os cangaceirólogos paraibanos, o médico
psiquiatra Epitácio Andrade passou a desenvolver conversas informais
com seus pares, acerca de uma possível doença degenerativa dos
olhos que poderia portar Lampião, que teria sido agravada pela
vivência estressogênica da vida cangaceira e pelas situações
angustiantes das mortes do pai e dos irmãos, apresentando desta
forma uma hipótese psicossomática para a evolução da
subnormalidade visual do rei do cangaço.
A professora Lúcia Holanda, natural de Serra Talhada, no
interior de Pernambuco, que defendeu a dissertação de mestrado:
“Lugares de Memória – Jesuíno Brilhante e os Testemunhos do
Cangaço no Oeste do Rio Grande do Norte e Fronteira Paraibana”, no
final de 2010, na pós-graduação de geografia da Universidade
Federal da Paraíba, lembrou que a peça de autenticidade comprovada,
marcadora do déficit visual de Lampião, o par de óculos de ouro
16, foi recuperada, recentemente, pela polícia civil pernambucana
após ter sido furtada do museu de sua terra natal.
O poeta e cordelista Gil Hollanda ressaltou a capacidade de
intervenção estética de Lampião, lembrando que este formato de
óculos ficaria, posteriormente, imortalizado na face do músico
pacifista britânico John Lennon, morto em 08 de dezembro de 1980.
O trânsito pelos diversos sistemas culturais foi percebido,
perfeitamente, por Narciso Dias que coordenou e facilitou os
entendimentos transculturais abordados pelos presentes, ora em
discussões formais, ora em conversas interpessoais.
O menestrel cangaceirólogo João Bezerra da Nóbrega
contribuiu com o transculturalismo do encontro, reportando-se a morte
do cangaceiro Liberato Cavalcanti de Carvalho Nóbrega em 1879, numa
prisão da capital paraibana durante a epidemia de varíola, que se
espalhou pelo nordeste, a partir da “seca dos dois sete”.
Reportando-se aos laços genealógicos que unem os escritores
João Bezerra da Nóbrega, seu primo Gil Hollanda e a si próprio, o
pesquisador social Epitácio Andrade afirmou que no livro “A
Família Nóbrega”, de Trajano da Nóbrega, esta relação está
bem estabelecida, como também o parentesco com Liberato Nóbrega,
que é citado em “Flor dos Romances Trágicos”, de Luiz da Câmara
Cascudo, e foi alcunhado por Gil Hollanda em folheto de cordel como
“O delegado que virou cangaceiro”, editado em março de 2008, com
apoio da Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço (SBEC).
Natural de Custódia, no interior pernambucano, o confrade
Jorge Remígio enriqueceu o debate apresentando importantes
referenciais teórico-conceituais, que oferecem assento científico
aos estudos do cangaço.
Ao lado de Narciso Dias e do escritor João Bezerra da
Nóbrega, autor de “Lampião e o Cangaço na Paraíba”, Jorge
Remígio forma a base de sustentação do grupo de estudos do cangaço
paraibano, que é reforçado por companheiros, igualmente,
importantes.
Jair Tavares, Manoel Costa e Joaquim Furtado são
apologistas da cultura nordestina e reforçam o grupo de
cangaceirólogos paraibanos, que desencadearão um conjunto de ações
culturais para fomentar o estudo do cangaço nas gerações futuras.
O parentesco do coronel João Bezerra da Nóbrega, com o poeta
Gil Hollanda e com o capitão médico Epitácio Andrade é reforçador
do desenvolvimento de trabalhos sobre o resgate de cangaceiros da
família Nóbrega, como “Jurema”, Inácio de Loiola de Medeiros
Nóbrega, que se encontra relatado em “Lampião e o Cangaço na
Paraíba”, do escritor João Bezerra, e Liberato Cavalcanti de
Carvalho Nóbrega, personagem do cordel “O delegado que virou
cangaceiro”, de Gil Hollanda, baseado em pesquisa etnográfica de
Epitácio Andrade.
O casal de professores Gil e Lúcia Hollanda tem uma
preocupação com a discussão sobre estudos do cangaço com as
gerações futuras. O poeta Gil Hollanda publicou o cordel “O
grande encontro do cangaceiro Jesuíno Brilhante com o cabo Preto
Limão”.
Numa parceria com a esposa Lúcia, o professor Gil Hollanda está
preparando o livro paradidático “Nas Trilhas do Cangaço de
Jesuíno Brilhante”, com previsão para ser editado no primeiro
trimestre deste ano.
“Guerra dos Comboios” é um áudio-visual, que está
sendo produzido pelo pesquisador social Epitácio Andrade e deverá
compor o conjunto da produção transcultural do grupo de
cangaceirólogos paraibanos, com conclusão prevista para o segundo
semestre.
A produção transcultural é o caminho de superação do
reducionismo e aponta para novos olhares sobre os processos sociais.
Fonte: Epitácio Filho.
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