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quinta-feira, 18 de setembro de 2025

Especial: Os Cangaceiros Jesuíno Brilhante, Antônio Silvino e Lampião no Romance d’A Pedra do Reino

Por José Tavares de Araújo Neto.

Em Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta, Ariano Suassuna constrói uma epopeia sertaneja que mistura história, mito, genealogia e poesia popular. Nesse vasto mosaico, três cangaceiros ocupam lugar de destaque como símbolos da tradição guerreira e da memória popular nordestina: Jesuíno Brilhante, Antônio Silvino e Lampião. Cada um deles é evocado não apenas como personagem histórico, mas como figura mítica, integrante da “cavalaria sertaneja” que o autor ergue em paralelo com os cavaleiros medievais. Suas aparições, embora breves, servem para estabelecer uma hierarquia de valores e uma mitologia regional que dialoga com a tradição oral, a literatura de cordel e a reconstrução de uma identidade nordestina nobilitada. A presença de Jesuíno Brilhante entre os homenageados por Ariano Suassuna na dedicatória de O Romance d’A Pedra do Reino — ao lado de nomes como João Suassuna, José de Alencar, Sílvio Romero, Antônio Conselheiro, Euclides da Cunha, Leandro Gomes de Barros, João Duarte Dantas, Homero Torres Villar, José Pereira Lima, Alfredo Dantas Villar, José Lins do Rego e Manuel Dantas Villar, os quais o autor classifica como “santos, poetas, mártires, profetas e guerreiros do meu mundo mítico do Sertão” — é central para a compreensão de seu projeto estético e literário. Nesse universo mítico forjado por Suassuna, Jesuíno encarna o arquétipo do guerreiro-poeta: um justiceiro que funde a violência das armas à eloquência dos versos, simbolizando a dupla face da cultura sertaneja — ao mesmo tempo brutal e sublime. Sua figura torna-se peça fundamental na construção desse Sertão imaginário, elevado à condição de reino simbólico, onde valores como bravura, arte e honra regem as ações humanas com a grandeza e complexidade das epopeias clássicas. Dessa maneira, Jesuíno Brilhante consolida-se como um dos cavaleiros fundadores do Brasil Armorial — esse país literário sonhado e eternizado por Suassuna, no qual a tradição popular e a erudição se fundem para criar uma mitografia única e profundamente brasileira. Jesuíno Brilhante é evocado como o arquétipo do cangaceiro honrado, quase um cavaleiro medieval transposto para a caatinga. Sua menção no Folheto XII é carregada de admiração e nostalgia. Através de versos de cordel adaptados pelo narrador, Dom Pedro Dinis, Jesuíno é celebrado como quem “morreu no campo da honra” e é chamado de “Rei do Sertão”. Sua imagem é associada a um código de conduta rígido, de respeito às famílias e de bravura inconteste. Suassuna utiliza Jesuíno para encarnar o ideal armorial de coragem e nobreza sertaneja, um parâmetro contra o qual outros cangaceiros serão medidos. Ariano o insere na linhagem dos “reis do sertão”, heróis populares que desafiaram a ordem oficial e se converteram em personagens épicos da memória nordestina. Conhecido pelos apelidos de Rifle de Ouro e Governador do Sertão, Antônio Silvino ocupa posição de destaque na narrativa de Quaderna. Ariano Suassuna o apresenta como uma autoridade paralela, cuja arma cintilante simboliza poder e respeito. Mais do que simples bandoleiro, ele surge como personagem épico consagrado nos folhetos de cordel — herói de júris, biografias rimadas e lamentos — que o fixaram no imaginário popular. No romance, Silvino é reelaborado como príncipe sertanejo, cavaleiro armado de rifle, herdeiro da tradição guerreira e parte essencial do projeto armorial de Ariano, que transforma os cangaceiros em reis errantes do sertão. No Folheto XIV, Silvino é evocado como senhor de um “castelo”, metáfora retirada da tradição do cordel para designar seu refúgio e domínio simbólico. Essa fortaleza, “fincada em Pedra de grande altura”, resiste aos ataques do governo e adquire um sentido que vai além da defesa física: expressa a autonomia cultural do sertão e sua capacidade de erguer estruturas próprias de poder e soberania. Assim, o cangaceiro é assimilado à imagem de um senhor feudal sertanejo, cuja trajetória serve de alicerce para a mitologia armorial que Suassuna constrói, transformando o sertão em palco de reinos, castelos e cavaleiros. Lampião é citado como chefe supremo do cangaço, o mais famoso de todos os bandoleiros. Seu título de “Rei” é incorporado à linguagem quase nobiliárquica do narrador Quaderna, que o situa dentro da simbologia armorial: assim como os reis medievais tinham tronos e coroas, Lampião teria sua “coroa” de cangaceiro, conquistada pela liderança e pelo temor que inspirava. Em algumas passagens, Suassuna o nomeia como Dom Virgolino Ferreira, conferindo-lhe um estatuto de nobreza sertaneja. Essa forma de tratamento, típica da ironia do narrador, transforma o cangaceiro em personagem de uma cavalaria invertida: ao invés de espadas, rifles; no lugar de armaduras, gibões de couro. O romance ressalta que Lampião, embora fosse de origem pobre e mestiça, se aliou à família Pereira e a Sinhô Pereira, reproduzindo os interesses da aristocracia sertaneja. Essa lembrança aparece como crítica — especialmente quando Suassuna o contrapõe a líderes revolucionários como Zapata e à Coluna Prestes, que representariam uma rebeldia com projeto político mais claro. Em outra linha de citações, Lampião aparece vinculado a seu bando, sobretudo a Corisco, que Suassuna enaltece como cabra valente, quase um cavaleiro do sertão. Essa presença secundária reforça a imagem de Lampião como comandante de uma irmandade de guerreiros, integrada à epopeia armorial. Por fim, o Lampião do romance não é narrado apenas como personagem histórico, mas como emblema da cultura popular: sua figura já transformada em cordel, cantoria, lenda e poesia. O romance recolhe essa tradição e a reinventa em chave épica, integrando-o à mitologia sertaneja que Suassuna constrói. Em conjunto, a tríade Jesuíno Brilhante, Antônio Silvino e Lampião forma uma linha de sucessão: Jesuíno como fundador cavaleiresco, Silvino como príncipe feudal e Lampião como rei absoluto. Ariano constrói, assim, uma genealogia épica do cangaço, equiparável às linhagens de reis e cavaleiros das epopeias medievais. O romance insere os três na lógica da “realeza do sertão”: Jesuíno como o cavaleiro honrado, Silvino como o governador, Lampião como o rei. Todos eles participam de uma monarquia simbólica, onde o sertão é visto como reino independente, com seus próprios soberanos. No projeto armorial de Suassuna, os três são reelaborados como parte de uma cavalaria sertaneja: em vez de espadas, rifles; em vez de armaduras, gibões; em vez de castelos de pedra, lajedos e serras. Eles se tornam cavaleiros míticos do sertão, compondo a epopeia que Quaderna sonha escrever. A tríade também simboliza a complexidade do sertão: Jesuíno representa a justiça popular; Silvino, a autoridade autônoma; Lampião, a força ambígua que fascina, mas também revela limites. Eles condensam, assim, os dilemas entre banditismo, poder e mito. As citações de Jesuíno Brilhante, Antônio Silvino e Lampião em A Pedra do Reino não são apenas lembranças históricas: são símbolos armoriais. Ariano Suassuna os transforma em cavaleiros de uma epopeia nordestina, heróis de uma monarquia simbólica que reinventa o sertão como reino. Unidos, eles compõem uma tríade que expressa a passagem do cangaceiro cavaleiro (Jesuíno) ao príncipe feudal (Silvino) e ao rei trágico (Lampião), pilares da mitologia que dá sustentação ao romance.

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