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terça-feira, 11 de novembro de 2025

Especial: Santana: variações em torno do mesmo dramático Cristo Crucificado

Por: Márcio de Lima Dantas.

O que contamina o homem não é o que entra na  

boca, mas o que sai da boca, isso é o que contamina  

o homem. 

Mateus 15:11 

1. 

Antônio Santana de Lima (1964) nasceu em Pedro Velho, RN. Com seis  meses, foi residir no Ceará. Hoje mora na cidade de Ceará-Mirim. Menino  precoce, aos dez anos iniciou os trabalhos de esculpir a madeira. Suas  esculturas quase sempre são de natureza religiosa, tendo Jesus Cristo  crucificado como o referente que mais se repete. 

Essas variações em torno do mesmo tema acabam por imprimir uma vontade,  por parte do espectador, de inquirir com atenção e de observar o que  distingue uma escultura da outra. Dito isto, não há como não buscar as razões  dessa ideia fixa do escultor, como se cada peça expressasse uma tentativa de  plasmar algo que se encontra no seu íntimo. Talvez uma forma que se recusa  a emergir, seus traços e sua forma, de uma maneira que satisfaça o artista. 

Na verdade, essa constante demanda um esforço de uma espécie de  obrigação de elaborar um Cristo (o messias) cuja forma encontra-se  resguardada em íntimos recônditos. Embora não logre êxito, ele teima em  entalhar na imburana ou no cedro esse que o mito diz que foi crucificado. 

Um personagem cuja retórica acerca da sua provável existência já dura mais  de dois mil anos. 

Com efeito, não temos onde ordenar nossa procura, mesmo que seja uma  pequena fração, a não ser na experiência de vida de Santana. A fração nos  possibilitaria especular esse jeito dramático e essa singularidade das  esculturas. Podemos lançar luz, por tabela, em prováveis respostas de uma  vida na qual esteve banhado em uma busca etérea, para quem vê de fora,  mas, para ele, bastante diferente, com valia e já com um termo de quase todo  trabalho de arte: a titulatura. 

Resta intentar. Não com o prazer completo, mas, de todo modo, insculpe a  possibilidade de uma sensação de alívio, um brilho no olhar, ao dar por  encerrada a madeira escavada, tendo gerado um personagem que mais o atrai  e diz de si mesmo.

2. 

As esculturas de Santana nos conduzem e nos incitam a classificá-lo em  características inerentes a um determinado estilo histórico da trajetória da  arte. Inicialmente, evocamos o Expressionismo e seus objetivos de, ao invés  de buscar harmonia estética ou empatia, lançar-se para os lados nos quais  habitam os sentimentos. Por isso, o caráter dramático presente em todas as  peças. Essa fisionomia recorrente de um Cristo crucificado de maneira  cênica não está limitada às inúmeras esculturas, mas também se estendeu a  um belo São Sebastião, flechado com mais de três setas, como costuma ser  representado. 

Na verdade, a busca por expressar o que se passa (ou que habita) no seu  interior conduz por caminhos em que a ênfase se revela nas feições do rosto:  a cabeça exageradamente reclinada, o corpo esticado, os braços e o tronco  em queda. 

Como se não bastasse o que permaneceu como emblema principal da Igreja  Católica, também carrega no modo de esculpir um jeito como se a peça  estivesse inacabada. Apresenta-se nua e crua na madeira, sem a preocupação  de polir ou de dar acabamento. Essa aparência não refinada é, na verdade,  uma proposital distorção para ampliar todas as linhas com um aspecto  sombrio de dor e o sofrimento. 

3. 

Essa pegada de esculturas que não parecem finalizadas, somente escavadas,  com um aspecto de incompletude, resguarda uma atmosfera sombria e eivada  de luto e melancolia. Apesar desse traço, como se estivesse disposto a não  finalizar a escultura, em uma espécie de capricho satisfazendo traços de uma  personalidade introspectiva. Ora, é exatamente aí onde repousa uma alta  voltagem emocional, produzindo em quem contempla um desconcerto na  alma. 

De fato, basta ter acesso ou contemplar com atenção a maneira como  representou a crucifixão de dois discípulos de Jesus Cristo: Pedro, com a  cruz invertida, de cabeça para baixo, e André, com a cruz em formato de X,  também conhecida como cruz decussata ou santor. 

Ambos foram martirizados de maneira diferente do rabi. Essa atitude expôs  a humildade face à tradicional estaca ou poste vertical. A tradição diz que  Jesus foi obrigado a carregar a trave horizontal, chamada patíbulo, uma barra 

onde seria crucificado. Também os discursos em torno da Via Dolorosa  fazem referência a duas das mais dramáticas passagens: a ajuda de Simão  Cireneu, que pegou a cruz e a carregou nos ombros, e o encontro com as  mulheres de Jerusalém. Chorais todos comigo (Carmina Burana, “Fortuna”). 4. 

Faço saber que a presença de traços muito fortes do Expressionismo,  confirmados primeiro pelo artifício de desgastar a madeira de maneira rude  e pela escultura com aspecto de inacabado, reforça, provavelmente concerne  ao o desejo daquele que é considerado o primeiro passo em direção às  entranhas, aos esconderijos residentes na nossa psiqué. 

Quer dizer, a figura adentra regiões internas referentes à dimensão  emocional. Mesmo refletindo com a razão, distancia-se um tanto — um movimento mais complexo de alcançar, caso considere uma obra de arte e decline sua adesão. 

Onde queremos chegar? Apontar um outro estilo artístico presente nas  esculturas de Santana: o Barroco, com seus apelos à emoção, cultuando um  exagero de formas, evocando, em esculturas, pinturas e afrescos, um intenso  convite à contemplação de um eventual outro mundo, no qual havia muito  de dramático, de teatro. 

A bem da verdade, precisava ser muito ingênuo para se deixar levar por essas  motivações sem nenhum decoro, apelando para o adorno, para o exagero, buscando chafurdar na subjetividade e na emoção dos que contemplavam,  mormente as igrejas. 

As esculturas de um Jesus Cristo crucificado lembram muito as que se  encontram presentes nas igrejas barrocas espanholas, sobretudo quando se  trata das peças do Senhor Morto. O caráter dramático geralmente tem sua  origem na fisionomia de um homem lacerado, visivelmente submetido a  excessos no decorrer da Via Dolorosa. 

Com efeito, é um homem magro, com pouca musculatura, sangue por todos  os lados, como se estivesse buscando piedade e identificação. Nunca tinha  visto uma representação tão dramática do mártir de São Sebastião:  panejamento bege, com riscos dourados paralelos, e muito sangue  derramando, causado pelo excesso de setas no jovem corpo, submetido a  uma etapa de sua futura morte.

5. 

Santana capricha nas tintas fortes, manuseando uma mínima paleta, na qual  predominam o dourado, o vermelho e um bege fosco para o corpo. É mister  dizer que sua obra não se limita aos santos e mártires da Igreja Católica, há  também muitas peças que podemos indigitar como profanas, considerando a  tradicional dicotomia sagrado-profano. 

De fato, eis o que podemos citar: Rezadeira, Homem acendendo cigarro,  Lampião, Maria Bonita, Anjo com seios, Homem no barco, Homem bebendo  em um pequeno copo, além de entidades pertencentes ao Candomblé. 

Por fim, a obra do escultor Santana é uma das mais originais produzidas  atualmente na comarca das artes visuais do Rio Grande do Norte. Isso se  prova por um domínio pleno em desgastar a madeira, fazendo emergir  personagens conhecidos, plasmados por um viés diferente, cuja dicção tem  traços que conduzem para o que for mais dramático possível, em se tratando  das coisas religiosas. “Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, e  tome cada dia a sua cruz, e siga-me”. (Lucas 9:23)

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