Por: José Tavares de Araújo Neto.
Alexandre José Barbosa Lima Sobrinho (1897–2000) foi um dos mais influentes jornalistas e intelectuais brasileiros do século XX. Pernambucano do Recife, advogado, escritor, historiador, professor e político, foi também uma das maiores vozes da imprensa nacional. Durante sua longa vida pública, presidiu a Associação Brasileira de Imprensa, foi deputado federal, governador de Pernambuco e membro da Academia Brasileira de Letras. Sua carreira na imprensa incluiu colaborações em periódicos como Diário de Pernambuco, Jornal do Comércio, Gazeta, Correio do Povo e Jornal do Brasil, onde escreveu por mais de setenta anos, até sua morte aos 103 anos. Mas, em 1930 — momento decisivo da história política nacional —, Barbosa não era apenas jornalista: era colunista de um dos jornais mais importantes de Pernambuco, o Jornal do Comércio, pertencente à família Pessoa de Queiroz, que figurava entre os principais incentivadores e financiadores do movimento armado de Princesa. Essa informação, longe de diminuir sua credibilidade, apenas revela o espaço político em que sua pena se movia: um lugar de combate, confronto e resistência. E é nesse contexto que surge sua crônica “Porque se sacrifica o sertão”, publicada no Jornal do Brasil, em 1º de abril de 1930. A crônica é uma peça de intervenção política. Barbosa Lima Sobrinho reage contra o que ele identifica como manipulação da opinião pública. Enquanto a imprensa urbana — especialmente a ligada a João Pessoa — pintava o presidente da Paraíba como herói civilizador, Barbosa expõe, com ironia cortante, o processo de demonização do coronel José Pereira Lima, líder da resistência sertaneja de Princesa. Ele abre o texto afirmando que ler as notícias sobre o conflito é “uma das coisas mais divertidas” daqueles dias. Não tarda em mostrar o motivo: de repente, João Pessoa vira um santo e José Pereira, um demônio. Antes da revolta, afirma Barbosa, ambos eram tratados como “anjos da mesma corte celestial”. A guerra os transformara — não a essência, mas a narrativa. “Somente naquele dia um se tornou o nefando e o outro, o herói.” Na crônica, o conflito não nasce de ideologias, mas de vaidades. José Pereira reivindica a inclusão do ex-governador João Suassuna como candidato a deputado federal. João Pessoa recusa e monta, sozinho, sua chapa política — um gesto que Barbosa qualifica de autoritário, sobretudo para alguém que se dizia liberal. Quando percebe que José Pereira mantém apoio popular e força eleitoral, João Pessoa aumenta a tensão: demite autoridades municipais de Princesa, ocupa militarmente Teixeira e ameaça fazer o mesmo em Princesa. Era o sertão encurralado. “Nesse momento, levantou-se o Sr. José Pereira, tomando a atitude que o presidente da Paraíba lhe impunha: a defesa armada.” Barbosa não suaviza os fatos. Ele assume posição. Na crônica, o sertão não inicia a guerra — ele resiste. A força de Barbosa Lima Sobrinho está no modo como ele transforma informação em denúncia. Ele acusa João Pessoa de tomar decisões sem consultar lideranças políticas locais; perseguir João Suassuna por rivalidades internas; sacrificar o sertão em nome de ambições pessoais e familiares.
“O Sr. João Pessoa [...] sacrificou o sertão.”
Essa frase não é argumento. É sentença. E Barbosa sabe o peso de cada palavra. É preciso destacar: Barbosa Lima escrevia em um jornal pertencente à família Pessoa de Queiroz, parte interessada no conflito e aliada de José Pereira. O cronista se torna assim uma voz do sertão dentro das páginas da grande imprensa urbana. Mas não é mero porta-voz de interesses: é um opositor consciente. Sua trajetória posterior — enfrentando Getúlio, a ditadura militar, Collor — prova que Barbosa não temeu contrariar poderes. Em 1930, sua trincheira era o sertão. “Porque se sacrifica o sertão” não é apenas uma crônica jornalística. É testemunho de época, visão de dentro, texto de combate. Barbosa Lima Sobrinho não se limita a narrar. Ele interpreta. Ele denuncia. Ele toma partido. E toma partido pelo sertão. Contra o discurso oficial, contra a ordem dominante, contra a narrativa cristalizada depois: Barbosa Lima Sobrinho ergueu a voz — e sua voz ecoou a voz de José Pereira. A crônica se torna, assim, documento fundamental para se compreender o movimento armado de Princesa não como aventura isolada, mas como reação política a um projeto de poder que excluía o sertão e negava sua representação. Barbosa enxergou antes de muitos: não se sacrificava apenas um homem — sacrificava-se o sertão.

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