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segunda-feira, 26 de agosto de 2024

Especial: Sr. Henrique: primórdios da tipografia em Mossoró.


Márcio de Lima Dantas 

Ofereço este álbum de xilogravura ao amigo  

Raimundo Soares para fazer uso do que quiser.  

9/10/72 





Henrique Mendes (25.07.1925) era filho de Arcelino Mendes e Maria Augusta  Mendes, quando jovem, trabalhou na Gráfica Massilon (Massilon Pinheiro Costa,  06.09.1922 – 21.02.2014, casado com a Sra. Rita de Lima Costa, 13.02.1921 – 27.09.2014). Em seguida, vai trabalhar por sua própria conta, colocando uma pequena  tipografia: “Carimbos Mossoró”, na Rua Dr. Antônio de Souza, 55, Centro. Em pouco  tempo, ascendeu como uma das maiores instituições de serviços gráficos da cidade. Era  conhecido pelo esmero e bom acabamento das suas encomendas.  


Para além dos serviços tipográficos, o Sr. Henrique também trabalhava com a  xilografia, cuja titulatura era a seguinte: Henrique Mendes e Filhos, Fátima Mendes e  Michel de Montaigne Mendes. Alguns indivíduos parecem impulsionados pelos dons da  deusa Mnemósine, resguardando a memória, individual ou coletiva, se não por meio da  eloquência ou retórica verbal, lançando aos pósteros obras que permanecem como recitações que um ou outro decora e reverbera, mas também pode ser por meio de escritos  ou imagens organizadas em cadernos ou álbuns. 


Tudo é impermanente, tudo muda, fecham-se ciclos, assim é o dentro, também o  fora está submetido às mesmas leis, contudo, parece haver alguns assinalados com a graça  de uma atração que vigora e os impulsiona a fazer dessa dádiva não um meio de vida,  mas conduzindo nacos de reflexão e prazer que integram sua permanência no mundo. 

Não é tão difícil identificar essas pessoas, quase sempre são capazes de memorizar  datas, relembrar costumes em extinção, conhecer sua genealogia, evocar os que se foram  longevos. Eu acho que é uma expressão de um afeto, de um amor que faz questão de não  esquecer os laços parentais, haja vista ter convivido e sido amado, permanecendo na  mente como sabedoria e no coração como o puro amor não sujeito a qualquer tipo de  condição. 

Era aqui que eu queria chegar. Desse seu empreendimento, o Sr. Henrique teve o  cuidado de organizar um pequeno álbum dividido em duas partes. Na primeira, são as xilogravuras oriundas de artesãos anônimos, provavelmente funcionários do  estabelecimento comercial, embora apareçam as assinaturas de uns poucos, tais como:  Silvan ou Jorge. Predomina o anonimato, muito provável que não atinavam para esses  desenhos serem obras de arte ou qualquer coisa que o valha. Interessante remarcar a  quantidade de assinaturas em forma de rubricas, provavelmente carimbos encomendados  para uso de firmas comerciais e quejandos. 


A xilogravura é uma forma de gravura bastante popular no Nordeste, esse  fenômeno da sua popularidade não restringiu-se às capas dos folhetos de cordel ou ilustrar  internamente algum folheto, mas houve quem trabalhasse para ilustrar uma matéria de  jornal. João da Escócia ficou conhecido como xilogravurista, pois ilustrava algum texto  do jornal O Mossoroense. Talvez tenha sido o melhor representante dessa forma de arte  em Mossoró. 

Teríamos que ver o motivo pelo qual houve uma unânime recepção dessa técnica  de gravura na madeira. Provavelmente havia no imaginário da região Nordeste, a parte  mais antiga do Brasil, signos familiarizados, no sentido de uma constelação de imagens.  


Ora, todo mundo sabe que o cordel diz respeito à Idade Média de Portugal, – assim  como outras invariantes estruturais (Gilbert Durand) –, foram trazidas com os que  primeiro habitaram o Nordeste. Esse traço de cultura encontrou terreno fértil em gentes  analfabetas ou pouco familiarizadas com os livros. Havia quem lesse nas feiras, para  chamar atenção e vender folhetos de cordel. Vale lembrar a quantidade de arcaísmos no  vocabulário ou na gramática da língua portuguesa sertões adentro (mangar, cachete,  morgado, afolozado, agoniado, invocado). Para finalizar, vou citar só um nome de um  mestre da xilogravura: o pernambucano Gilvan Samico, herdeiro da cultura do medievo. 

Na segunda parte, e a mais preciosa e fascinante do álbum, o organizador  esclarece: A seguir pertence a Francisco Meneleu (11.12.1972). É bom lembrar que tem outro ensaio acerca dessa segunda parte do álbum, detendo-me com mais vagar sobre os  trabalhos de Meneleu, demonstrando o quão era um grande artífice da tipografia, fazendo  valer a dimensão estética convivendo com os trabalhos meramente funcionais, como os  rótulos para produtos comerciais que iriam ser etiquetados em série, circulando em  Mossoró ou outras cidades próximas. Lucrécia, Pau dos Ferros, Luiz Gomes, Caraúbas,  Guarabira (PB), Aracati (CE). 


Os “Carimbos Mossoró”, devido ao cuidado com o qual fazia suas encomendas,  logo ficou conhecido na cidade como a melhor empresa no ramo da xilogravura e  tipografia direcionada às casas comerciais e anúncios de seus produtos. Gostaria de citar 

outras tipografias que integram o patrimônio dos serviços demandados pelo comércio da  cidade. Tipografia Mossoró do Sr. Ossivaldo (Alto da Conceição), Tipografia Expressa  do Sr. Raimundo Nonato Luz (Rua Coronel Gurgel), Editora comercial (vizinho ao Cine  Caiçara), confeccionavam livros, pois detinham um linotipo. Papelaria e Tipografia “O  Nordeste”, fundador Martins de Vasconcelos. 

Por que será que a cidade de Mossoró detinha um parque gráfico de grande  variedade e envergadura? Ora, a cidade sempre foi o maior polo econômico da região  Oeste, notabilizando-se por sua autonomia com relação às duas capitais equidistantes:  Natal e Fortaleza. Ademais, as cidades pequenas e circunvizinhas tinham Mossoró como  referência no confeccionar serviços ou fornecimento de mercadorias. Deixe eu dizer uma  coisa, a cidade absorvia a produção de algodão dos sertões adentro, descaroçando e  organizando em fardos, sendo conduzidos para o refinamento e a separação de produtos  originiados do algodão, tais como, fibras para tecidos, óleo vegetal e o resíduo (torta) de  algodão para a alimentação dos animais.  


Havia uma grande fabricação de cera de carnaúba, advinda das palmeiras que  acompanhavam o Rio Mossoró, como matas ciliares, devido à fertilidade dos solos e às  aguas encharcadas pelo belo rio que banhava a cidade. Outrossim, a cidade era a maior  produtora de sal do país, com suas salinas, chantadas de um lado e de outro das estradas, refletindo um transparente sol, necessário para evaporar a lâmina de prata dos tanques.  Esses aliados do sol, os ventos advindos do litoral, apressavam esse processo de  finalmente reter só o sal cristalino nos tanques, onde depositara a água bombeada do mar. Não podemos esquecer de registrar o trabalho do Sr. Alfredo Fernandes, estabelecido na  cidade em 20.04.2020, com o intuito de beneficiar e comercializar o algodão. Funda a  firma Alfredo Fernandes & Companhia. Não se restringia ao algodão, mas também às  peles de ovinos, caprinos, bovinos, cera de carnaúba, sementes de oiticica óleos vegetais. 

Vale salientar que esse comércio lançava seus vetores para praças distantes: EUA e  Europa. 

Tudo o que foi acima dito, com datas, lugares, completos nomes, não passa de  uma forma de resguardar os traços dos que ousaram construir a municipalidade,  outorgando valor por meio de incensar o altar da deusa Mnemósine, evocando os dons  que nos torna capazes de reter em si, – mesmo numa época tão tardia, – uma história que  escorre pela oralidade, de colocar uma placa aos abolicionistas, de sentir o gosto pautado no que ainda resta de fachadas antigas, renomeadas ruas e praças. Enfim, como guardiões informais de uma cidade outrora próspera, movimentada pelo seu rico comércio baseado  em um rico extrativismo vegetal e consumidora do algodão vindo de sertões adentro. 

 

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