Por Márcio de Lima Dantas.
1 - Junivan (09.09.1985), nasceu e reside em Patu RN. Desde muito cedo esteve envolvido com o desenho, por meio do lápis de cor, giz ou pastel, fixando- se, na sua maturidade de homem e artista visual, com a técnica a óleo sobre tela. Firma-se como um dos mais importantes paisagistas do Rio Grande do Norte, detendo-se, quase sempre, em elementos que integram a paisagem do Sertão. Quer seja em amplas tomadas à distância, assim como ressaltando ofícios concernentes ao seu entorno, em focos que fazem mirar de perto personagens ou tipos representativos do ethos dessa região. O seu pendor para plasmar em quadros aquilo que lhe chamava atenção, teria que atrair alguém ou algo, - em uma sincronicidade - , tornando os esboços presentes em uma alma em riscos firmes, âmbitos capazes de circunscrever, por meio de técnicas mais elaboradas, o que a inquietude de contemplar a realidade como que lhe obrigava ser ou parecer. Foi assim que a artista plástica, Sra. Miriam Rocha, generosamente cedeu o material dela, para que ele praticasse a arte da pintura, também orientava-o em inúmeras formas de lograr êxito ao se desejar a organização de determinada paisagem ou representação de retratos mais elaborados. O certo é que a chegada dessa excelsa pintora em sua vida acabou por apontar onde ficava o norte da sua singular subjetividade, até então em uma espécie de vagar, dínames em anseios de enérguia (Aristóteles). Assim como se detivesse em seu íntimo, adormecida, uma profecia a ser cumprida. Não perdeu por esperar. Por meio da generosidade da pintora Miriam Rocha, amadureceu muitos frutos “de vez” presentes no seu espírito. E assim se fez artista visual, não detendo, como muitos, o saudosismo de um mestre.
Tendo em vista o conjunto das telas de Junivan, salta aos olhos um elemento recorrente: a opulenta Serra de Patu, cuja cidade localiza-se no sopé. Um pouco mais próxima, um tanto distante, e eis que retorna esse mito obsessional, funcionando como background para o artista colocar no primeiro plano monumentos, paisagens naturais, ofícios ou a exuberante vegetação do Sertão durante a estação das chuvas. Só para ver uma coisa. Mesmo de longe, em se aproximando de Patu pela autoestrada que vem de Caraúbas e Olho D’Água do Borges, podemos divisar um maciço de granito como se fosse só uma formação rochosa, pontilhada por vegetação que a preenche em alguns espaços. Falo da Serra, tendo no sopé a pequena cidade, outrora um polo econômico, quando do ciclo do algodão. Assim sendo, tinha uma feira, aos sábados, reputada pela grande quantidade de comerciantes e pelo ajuntamento de pessoas oriundas da zona rural e de outras cidades circunvizinhas. Em se tendo edificado uma cidade nas faldas de uma serra tão majestosa em tudo, não causa nenhuma espécie o fato de ter sido retratada por quase todos os seus artistas.
No caso de Junivan, esse fenômeno funciona como espécie de princípio que rege a maior parte da sua obra. Como dissemos, é como se fosse uma obsessão, cuja necessidade ordena seu jugo, em variações sobre o mesmo tema. Há que se perguntar que mistério resguarda o fato de nossos ancestrais terem erguido uma cidade com forte pendor religioso ao pé desse firme granito. O certo é que ninguém fica impune à essa beleza. Os viajantes que lá estiveram ressaltaram a quão diferente e esquisita é essa parede de granito, de fora a fora, obrigando a quem chega pela primeira vez a olhar para o alto, comparando sua pequenez. Em certos meses da chamada estação chuvosa, uma leve névoa desce e reveste toda a serra, até topar com os limites da cidade. Como se o etéreo branco ousasse uma como que brincadeira ao ataviar o que é reconhecido como uma das mais duras pedras, revelando as possibilidades de belezas naturais dos acidentes geográficos do planeta Terra.
2. Com efeito, límpidos firmamentos, adentrando em direção à Paraíba, tais como Catolé do Rocha ou Belém do Brejo do Cruz, lugares eivados de narrativas históricas e outrora detentoras de um precioso patrimônio transmitido oralmente, isto é, de toda uma ciência concernente aos aspectos naturais ou culturais do Sertão. O que quero dizer é a relação do pintor Junivan com as forças telúricas do seu entorno, organizando ou formatando em suas telas, com lídima naturalidade, tais elementos, numa busca de deixar registrada à posteridade o que ainda é lembrança ou mesmo aquilo que teima em não querer morrer. Seja como for, determinados distritos da consciência coletiva anseiam por cumprir seus ciclos de nascer-crescer-morrer: a lógica de tudo o que existe.
Contudo, eis uma arte refratadora do terceiro momento, negando-se às pradarias do esquecimento o que se ergue como detentor de valia, de credo, de ritual, de nacos de estética, mesmo em se tratando de um pau-de-arara, uma casa de taipa, um silencioso homem que engendra tijolos, uma árvore do bioma da Caatinga, muitos esquetes do Santuário de Na. Sra. dos Impossíveis, em um contraforte da Serra de Patu: a Serra do Lima, e ainda a igreja matriz de Nossa Sra. Dores, em cores diversas, apontando seus arcos ogivais para um esplêndido céu de um azul cuja transparência permite que a luz solar não receba filtro de jeito qualidade.
Conquanto, um caráter bucólico encontra-se presente nas telas cuja temática tem como pano-de-fundo a Serra. Há uma aura de tranquilidade e elogio ao trabalho de natureza rural. Por exemplo, um senhor confeccionando tijolos de argila. É perceptível o esmero como coloca o barro nas formas. Lá no fundo, há uma ruma de tijolos prontos para serem queimados, finalizando o processo de feitura. O artista primou pelo cuidado de retratar o silêncio de alguém anônimo concentrado no seu ofício, dando o melhor de si na elaboração de um produto que, possivelmente, proporcionará uma fonte de renda. Certo, que esta encontra- se implícita, mas o plasmar com cuidado e método, onde se queda, senão nos férteis campos da estética, para os que nascem com certos dons?
Sim, como não poderia deixar de ser, a Serra de Patu presentifica-se como testemunha, contemplando os habitantes que circundam ao seu redor. Como não poderia deixar de ser, o artista retrata mais um céu de azul transparente, metade recamado por nuvens, ergue-se para ocupar cerca de um terço da tela, salientando a personagem em evidência. É preciso lembrar o elegante e simbólico contraste entre duas metades justapostas por meio de cores que se opõem, ou seja, o azul (céu) e o ocre (terra). O pintor revela um hábil domínio dos volumes presentes na tela, podendo dividi-la em quatro partes, se a gente quiser riscar uma cruz, tendo o entrecruzamento como ponto de fuga.
Há em seu conjunto de trabalhos duas telas retratando a antiga Estação Ferroviária, parada obrigatória dos cotidianos trens riscando a linha Mossoró-Souza (PB). Bem claro que é uma licença poética, -pois de há muito não existe mais essa malha ferroviária -, o fato de haver uma pintura no qual vagões singram as terras quentes dessa região. Essa tela expressa uma rara sensibilidade à paleta de cores, manuseando com primor as cores primárias: azul/amarelo/vermelho, não esquecendo a perspectiva. Interessante observar como o artista cria essa ilusão de profundidade ao criar três planos: o anterior; o do meio, onde está o trem; o posterior, com a serra e um céu puro de tanto azul. Por fim, é justo e bom difundir o trabalho do artista visual Junivan. Sua obra firma-se como rastros e fagulhas indeléveis, numa saudável trapaça contra uma sociedade que nos últimos tempos desenvolveu um tácito acordo de pilhar e destruir os altares da deusa Mnemósine.
Nenhum comentário:
Postar um comentário