Por Márcio de Lima Dantas.
Joaquim Silva Saldanha nasceu em 11 de dezembro de 1872, faleceu em 14 de junho de 1936, na cidade de Caraúbas. Era Coronel da Guarda Nacional, latifundiário de terras no Rio Grande do Norte e Paraíba. Essa titulatura, menos remetia a se considerar como um quadro de uma instituição nacional, e mais como espécie de título encomiástico que imprimia a quem houvesse tê-lo, poder e valor, visto está quase sempre atrelado a personagens da região Nordeste caracterizados pela posse de grandes datas de terras e ao criatório de animais adaptados à região do Semiárido.
O Coronelismo foi uma instituição extremamente importante na gramática do teatro social, desde sempre das gentes habitantes sertões adentro. Foi casado com uma prima, a Sra. Joaquina Veras Saldanha, tendo gerado dez filhos. Passou e residir na casa dos arredores de Caraúbas em 1920.
Vinculado ao patriarcado das gentes nordestinas, administrava suas propriedades rurais como um legítimo senhor de terras e gentes. Residiu por muito tempo em duas suas fazendas: Fazenda Aldeia e Fazenda Amazonas, sendo que nessa época estavam localizadas no município de Brejo do Cruz. Na época, a aristocracia agrária se confundia com a política. Em assim sendo,
participou da Revolução de 30 como um dos chefes no Rio Grande do Norte, filiado ao Partido Nacional Socialista. Era conhecido pela alcunha de “Gato Vermelho” (Informações acima podemos encontrar no livro A história continua... Saldanha & Veras, de Francisco Galbi Saldanha, Natal: Fundação Vingt-un Rosado, 2021)
Saindo da região Assu/Mossoró, com destino à região Sertão do Apodi, adentrando pelas quentes terras que caracterizam as condições climatológicas oriundas das bodas entre um sol inclemente e da ausência de chuvas, sobretudo quando assoma a estação seca, eis que podemos encontrar a cidade de Caraúbas. Pouco antes de chegar à zona urbana, do lado esquerdo, ergue-se uma casa que quase obriga os passantes nos automóveis a contemplar. É o que ficou conhecida como a “Casa de Quincas Saldanha”.
A casa parece refletir a personalidade do seu proprietário. Os traços arquitetônicos são inequívocos ao primar pela ordem, equilíbrio e sobriedade, lançando para distritos outros que abriga o emotivo, sentimentos de arrebatamento do espírito ou os chamados pulsares que ficou conhecido
como coisas do coração. A própria cobertura de telhas, com sua água anterior declinando para a fachada sugere ao visitante que se achega à casa firmar seu contato primeiro com a residência. Não há como negar, um monumento erguido não somente pela sua funcionalidade de habitar e servir de abrigo, mas ergue-se discreta simplicidade de linhas retas, como objeto estético a ser contemplado e fruído.
Com efeito, essa fachada, ausente de porta de entrada, ergue-se a partir de uma cumeeira que cai em duas águas. Ao invés do que tradicionalmente consta na arquitetura dita clássica, visto que as duas águas mestras encontram-se no cume do telhado, conformando um triângulo retângulo cujo pico do telhado é o encontro das duas águas, aqui é diferente, remetendo muito mais as casas construídas em regiões quentes. A altura possibilita a entrada e a circulação do vento, refrescando o interior da casa. A porta de entrada localiza-se do lado direito, onde há um oitão largo e longo, separando essa casa da residência do que parece ser a de um morador.
Retornemos à fachada principal. Há uma platibanda de pouca altura, se considerarmos uma linha que sobrepõe todo um retângulo circunscrevendo as duas faces exatamente iguais, quer dizer, podemos riscar uma linha cortando a fachada ao meio: teremos duas janelas de cada lado, dentre outros elementos ornamentais, também com presença bilateral, provocando uma suave harmonia no espírito de quem avista a casa pela primeira vez.
Dessarte, a platibanda com essa compleição, deixando nu o telhado que cai para a fachada principal, não consegue esconder o que ficou conhecido como sua função. A saber, disfarçar ou esconder o que recobre uma casa. Talvez essa obrigação de obliterar o telhado ou elementos da cumeeira, como madeira mais espessas ou caibros, esteja relacionado às residências urbanas, de cidades pequenas ou não, no qual a aparência deve ser algo valorizado.
Há quatro janelas, cuja porta de entrada do lado direito permitiu que se organizassem os elementos acima citados. Toda estrutura e repartição em cômodos remete à arquitetura das casas sertanejas, apenas a fachada refoge, evocando em sua compleição as casas urbanas, embora esta detenha um requinte estilístico que a faz conter em seu conjunto uma planta que diz respeito a determinadas tradições estéticas dos estilos históricos que podemos, sem muito esforço, encontrar os traços.
Isso posto, ainda temos a levar em consideração formas que persistem na História da Arte desde sempre, emergindo de vez em quando, consoante a necessidade ou demandas de condições históricas relacionadas a povos ou países. Eis o caso do Barroco. Alguns pesquisadores apontam as
especificidades do cone semântico nos quais determinados elementos integrantes das edificações do século XVII.
Isso não quer dizer que essa escansão seja rígida, como se ao findar determinado Ar do Tempo, imediatamente encerrassem as formas de sentir e agir de grupos sociais.
Essa digressão nos permite compreender e classificar o estilo da casa de Quincas Saldanha como caudatária do que ficou conhecido como estilo Clássico, sendo que nesta todo o vocabulário de elementos manuseados encontram-se estilizados ou são paráfrases, ou seja, não iremos encontrar o glossário de referente aos elementos integrantes das edificações grecolatinas. Contudo, um expectador mais atento encontrará os princípios que regem a arquitetura dessa tradição que sempre acompanhou a História da Arte ocidental.
Faz-se necessário remarcar a compleição da fachada. Apenas as quatro janelas detém um caráter funcional, na medida em que servem para deixar a luz iluminar o interior dos cômodos, bem como permitir a circulação do vento, refrescando e funcionando como “limpador” das energias paradas do interior da casa.
Podemos observar uma série de elementos em autorelevo. Foi o que insistimos em nominar de estilização ou paráfrase. Cinco colunas quadráticas perfilam toda a fachada, tanto nos extremos direito e esquerdo quanto como adereços separadores das janelas. As duas janelas centrais são encimadas por espécies de frontões mais elevados do que o retângulo horizontal observado na totalidade da fachada. São puramente decorativos, sendo que destoam um tanto do conjunto, pois aparece e predomina a linha curva, sem ostentação ou extravagância. Ao que parece, imprime uma certa solenidade para visitantes, antes de chegar na calçada da herdade, sendo o que arremata todo o conjunto a existência de dois triângulos, com volutas voltadas para baixo. Há que remarcar o adorno presente em todas as estilizações das cinco colunas: conchas superpostas, encerrando lá em cima o ataviamento da platibanda.
Por certo, foi para compor uma harmonia, tendo em vista o aparecimento da linha curva, e sua reverberação, que puseram dois círculos no meio e em cada lado, uma redução em linhas gerais de uma flor, como soi acontecer em toda a História da Arte no Ocidente, no qual foi presença marcante no estilo
Gótico. Sintomático que apareça justo nos dois lados da linha que separa a fachada em duas faces exatamente iguais. Essa forma da rosácea sempre foi manuseada no âmbito das edificações para serem usadas como janelas e
filtrarem a luz para o interior da construção. No nosso caso, os dois círculos com traços evocadores de uma rosa no seu interior, ou seja, a metonímia da parte pelo todo, visto não existir pétalas, mas riscos que emanam do centro, parecem sugerir insígnias invocadoras de uma geometria relacionada ao sacro, pois desde sempre as tradições religiosas relacionaram o círculo como totalidade, simbolizando Deus.
De fato, consciente ou inconscientemente, organizou-se na fachada representante da moradia do Coronel Quincas Saldanha simplificações geométricas de formas que atentamente observadas podemos encontrar uma confluência de símbolos que reforçam o lugar social do seu morador. No caso dos círculos, eis a representação e presença do divino. O deus aqui presente é o relacionado às tradições da Igreja Católica, desde muito dominantes nesses sertões interior a dentro. Cúmplices e justificadoras de uma microfísica do poder, imperando por meio de alianças cujo Deus legitimava a ideologia do Patriarcado Rural.
Por fim, destacaremos a casa de morador do lado direito, edificada com extrema simplicidade. As duas águas seguem o paradigma das casas oriundas dos sertões: pé direito sempre alto, abrindo espaço interno para a ventilação, haja vista o clima tendo dias longos e quentes, esse artificio permite um tanto de conforto. Há uma porta e uma janela, na sua fachada nua, desprovida de qualquer ornamentação, quer dizer, tudo é funcional, mesmo a calçada um tanto alta, para nivelar o sítio onde está a casa.
Outra coisa é a parede circundante do curral, a qual foi construída em alvenaria, dividida meio a meio. A parte inferior é maciça, já a parte superior tem uma alternância de colunas separadas por espécies de ripas de concreto, em número de três. E assim segue o mesmo padrão, sendo que apenas na linha onde se encontra a porteira prevalece. Essa corporatura, provavelmente, não é muito comum nos currais das casas de moradores mais modestos ou mesmo detentor de vastas propriedades.
Para encerrar, se faz necessário proclamar a beleza da Casa de Quincas Saldanha, chantada nos ermos das terras agrestes do Semiárido. Sua simplificação geométrica nas formas expressa uma disposição de espírito inerente, quase sempre, aos que nascem sertões afora, voltados para rotinas vinculadas a um escandir do tempo preocupados com as duas estações: a seca e a chuvosa. Quando a seca se estende por muitos meses ou anos, há que buscar artifícios de sobrevivência, mesmo para pessoas abastadas, como é o caso do proprietário dessa herdade.
Por fim, gostaria de registrar uma informação acerca de Quincas Saldanha, o seu neto Joaquim da Silva Saldanha Neto (31.05.1937 – 28.07.1979), filho do Sr. Benedito Veras Saldanha (Beni Saldanha) e da Sra. Helena Saldanha, médico formado no Recife, sendo que faleceu no Rio de Janeiro. Beny era filho de Quincas Saldanha. Casou-se com a Sra. Isaura Amélia de Sousa Rosado Maia (*09.10.1947), em 09 de outubro de 1969, filha de Dix-Sept Rosado e Adalgisa Rosado. Esse médico exerceu a profissão em Mossoró, conhecido como gentil e generoso, querido pelos mais humildes, nunca recusando atender qualquer pessoa. Era agropecuarista de região de Campo Grande (RN) e Belém do Brejo do Cruz (PB).
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