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domingo, 17 de setembro de 2023

Especial: A casa de Quincas Saldanha nos Arredores de Caraúbas.

 Por Márcio de Lima Dantas.



Joaquim Silva Saldanha nasceu em 11 de dezembro de 1872, faleceu em 14  de junho de 1936, na cidade de Caraúbas. Era Coronel da Guarda Nacional,  latifundiário de terras no Rio Grande do Norte e Paraíba. Essa titulatura,  menos remetia a se considerar como um quadro de uma instituição nacional,  e mais como espécie de título encomiástico que imprimia a quem houvesse  tê-lo, poder e valor, visto está quase sempre atrelado a personagens da região  Nordeste caracterizados pela posse de grandes datas de terras e ao criatório  de animais adaptados à região do Semiárido. 

O Coronelismo foi uma  instituição extremamente importante na gramática do teatro social, desde  sempre das gentes habitantes sertões adentro. Foi casado com uma prima, a  Sra. Joaquina Veras Saldanha, tendo gerado dez filhos. Passou e residir na  casa dos arredores de Caraúbas em 1920. 

Vinculado ao patriarcado das gentes nordestinas, administrava suas  propriedades rurais como um legítimo senhor de terras e gentes. Residiu por  muito tempo em duas suas fazendas: Fazenda Aldeia e Fazenda Amazonas,  sendo que nessa época estavam localizadas no município de Brejo do Cruz.  Na época, a aristocracia agrária se confundia com a política. Em assim sendo, 

participou da Revolução de 30 como um dos chefes no Rio Grande do Norte,  filiado ao Partido Nacional Socialista. Era conhecido pela alcunha de “Gato  Vermelho” (Informações acima podemos encontrar no livro A história  continua... Saldanha & Veras, de Francisco Galbi Saldanha, Natal:  Fundação Vingt-un Rosado, 2021) 

Saindo da região Assu/Mossoró, com destino à região Sertão do Apodi,  adentrando pelas quentes terras que caracterizam as condições  climatológicas oriundas das bodas entre um sol inclemente e da ausência de chuvas, sobretudo quando assoma a estação seca, eis que podemos encontrar  a cidade de Caraúbas. Pouco antes de chegar à zona urbana, do lado  esquerdo, ergue-se uma casa que quase obriga os passantes nos automóveis  a contemplar. É o que ficou conhecida como a “Casa de Quincas Saldanha”. 

A casa parece refletir a personalidade do seu proprietário. Os traços  arquitetônicos são inequívocos ao primar pela ordem, equilíbrio e  sobriedade, lançando para distritos outros que abriga o emotivo, sentimentos  de arrebatamento do espírito ou os chamados pulsares que ficou conhecido 

como coisas do coração. A própria cobertura de telhas, com sua água anterior  declinando para a fachada sugere ao visitante que se achega à casa firmar seu  contato primeiro com a residência. Não há como negar, um monumento  erguido não somente pela sua funcionalidade de habitar e servir de abrigo,  mas ergue-se discreta simplicidade de linhas retas, como objeto estético a ser  contemplado e fruído. 

Com efeito, essa fachada, ausente de porta de entrada, ergue-se a partir de  uma cumeeira que cai em duas águas. Ao invés do que tradicionalmente  consta na arquitetura dita clássica, visto que as duas águas mestras  encontram-se no cume do telhado, conformando um triângulo retângulo cujo  pico do telhado é o encontro das duas águas, aqui é diferente, remetendo  muito mais as casas construídas em regiões quentes. A altura possibilita a  entrada e a circulação do vento, refrescando o interior da casa. A porta de  entrada localiza-se do lado direito, onde há um oitão largo e longo, separando  essa casa da residência do que parece ser a de um morador. 

Retornemos à fachada principal. Há uma platibanda de pouca altura, se  considerarmos uma linha que sobrepõe todo um retângulo circunscrevendo  as duas faces exatamente iguais, quer dizer, podemos riscar uma linha  cortando a fachada ao meio: teremos duas janelas de cada lado, dentre outros  elementos ornamentais, também com presença bilateral, provocando uma  suave harmonia no espírito de quem avista a casa pela primeira vez. 

Dessarte, a platibanda com essa compleição, deixando nu o telhado que cai  para a fachada principal, não consegue esconder o que ficou conhecido como  sua função. A saber, disfarçar ou esconder o que recobre uma casa. Talvez  essa obrigação de obliterar o telhado ou elementos da cumeeira, como  madeira mais espessas ou caibros, esteja relacionado às residências urbanas,  de cidades pequenas ou não, no qual a aparência deve ser algo valorizado. 

Há quatro janelas, cuja porta de entrada do lado direito permitiu que se  organizassem os elementos acima citados. Toda estrutura e repartição em  cômodos remete à arquitetura das casas sertanejas, apenas a fachada refoge,  evocando em sua compleição as casas urbanas, embora esta detenha um  requinte estilístico que a faz conter em seu conjunto uma planta que diz  respeito a determinadas tradições estéticas dos estilos históricos que  podemos, sem muito esforço, encontrar os traços. 

Isso posto, ainda temos a levar em consideração formas que persistem na  História da Arte desde sempre, emergindo de vez em quando, consoante a  necessidade ou demandas de condições históricas relacionadas a povos ou  países. Eis o caso do Barroco. Alguns pesquisadores apontam as 

especificidades do cone semântico nos quais determinados elementos  integrantes das edificações do século XVII. 

Isso não quer dizer que essa escansão seja rígida, como se ao findar  determinado Ar do Tempo, imediatamente encerrassem as formas de sentir  e agir de grupos sociais. 

Essa digressão nos permite compreender e classificar o estilo da casa de  Quincas Saldanha como caudatária do que ficou conhecido como estilo  Clássico, sendo que nesta todo o vocabulário de elementos manuseados  encontram-se estilizados ou são paráfrases, ou seja, não iremos encontrar o  glossário de referente aos elementos integrantes das edificações grecolatinas.  Contudo, um expectador mais atento encontrará os princípios que regem a  arquitetura dessa tradição que sempre acompanhou a História da Arte  ocidental. 

Faz-se necessário remarcar a compleição da fachada. Apenas as quatro  janelas detém um caráter funcional, na medida em que servem para deixar a  luz iluminar o interior dos cômodos, bem como permitir a circulação do  vento, refrescando e funcionando como “limpador” das energias paradas do  interior da casa. 

Podemos observar uma série de elementos em autorelevo. Foi o que  insistimos em nominar de estilização ou paráfrase. Cinco colunas  quadráticas perfilam toda a fachada, tanto nos extremos direito e esquerdo  quanto como adereços separadores das janelas. As duas janelas centrais são  encimadas por espécies de frontões mais elevados do que o retângulo  horizontal observado na totalidade da fachada. São puramente decorativos,  sendo que destoam um tanto do conjunto, pois aparece e predomina a linha  curva, sem ostentação ou extravagância. Ao que parece, imprime uma certa  solenidade para visitantes, antes de chegar na calçada da herdade, sendo o  que arremata todo o conjunto a existência de dois triângulos, com volutas  voltadas para baixo. Há que remarcar o adorno presente em todas as  estilizações das cinco colunas: conchas superpostas, encerrando lá em cima  o ataviamento da platibanda. 

Por certo, foi para compor uma harmonia, tendo em vista o aparecimento da  linha curva, e sua reverberação, que puseram dois círculos no meio e em cada  lado, uma redução em linhas gerais de uma flor, como soi acontecer em toda  a História da Arte no Ocidente, no qual foi presença marcante no estilo 

Gótico. Sintomático que apareça justo nos dois lados da linha que separa a  fachada em duas faces exatamente iguais. Essa forma da rosácea sempre foi  manuseada no âmbito das edificações para serem usadas como janelas e 

filtrarem a luz para o interior da construção. No nosso caso, os dois círculos  com traços evocadores de uma rosa no seu interior, ou seja, a metonímia da  parte pelo todo, visto não existir pétalas, mas riscos que emanam do centro,  parecem sugerir insígnias invocadoras de uma geometria relacionada ao  sacro, pois desde sempre as tradições religiosas relacionaram o círculo como  totalidade, simbolizando Deus. 

De fato, consciente ou inconscientemente, organizou-se na fachada  representante da moradia do Coronel Quincas Saldanha simplificações  geométricas de formas que atentamente observadas podemos encontrar uma  confluência de símbolos que reforçam o lugar social do seu morador. No  caso dos círculos, eis a representação e presença do divino. O deus aqui  presente é o relacionado às tradições da Igreja Católica, desde muito  dominantes nesses sertões interior a dentro. Cúmplices e justificadoras de uma microfísica do poder, imperando por meio de alianças cujo Deus  legitimava a ideologia do Patriarcado Rural. 

Por fim, destacaremos a casa de morador do lado direito, edificada com  extrema simplicidade. As duas águas seguem o paradigma das casas oriundas  dos sertões: pé direito sempre alto, abrindo espaço interno para a ventilação,  haja vista o clima tendo dias longos e quentes, esse artificio permite um tanto  de conforto. Há uma porta e uma janela, na sua fachada nua, desprovida de  qualquer ornamentação, quer dizer, tudo é funcional, mesmo a calçada um  tanto alta, para nivelar o sítio onde está a casa. 

Outra coisa é a parede circundante do curral, a qual foi construída em  alvenaria, dividida meio a meio. A parte inferior é maciça, já a parte superior  tem uma alternância de colunas separadas por espécies de ripas de concreto,  em número de três. E assim segue o mesmo padrão, sendo que apenas na  linha onde se encontra a porteira prevalece. Essa corporatura,  provavelmente, não é muito comum nos currais das casas de moradores mais  modestos ou mesmo detentor de vastas propriedades. 

Para encerrar, se faz necessário proclamar a beleza da Casa de Quincas  Saldanha, chantada nos ermos das terras agrestes do Semiárido. Sua  simplificação geométrica nas formas expressa uma disposição de espírito inerente, quase sempre, aos que nascem sertões afora, voltados para rotinas  vinculadas a um escandir do tempo preocupados com as duas estações: a seca  e a chuvosa. Quando a seca se estende por muitos meses ou anos, há que  buscar artifícios de sobrevivência, mesmo para pessoas abastadas, como é o  caso do proprietário dessa herdade.

Por fim, gostaria de registrar uma informação acerca de Quincas Saldanha,  o seu neto Joaquim da Silva Saldanha Neto (31.05.1937 – 28.07.1979), filho  do Sr. Benedito Veras Saldanha (Beni Saldanha) e da Sra. Helena Saldanha, médico formado no Recife, sendo que faleceu no Rio de Janeiro. Beny era  filho de Quincas Saldanha. Casou-se com a Sra. Isaura Amélia de Sousa  Rosado Maia (*09.10.1947), em 09 de outubro de 1969, filha de Dix-Sept  Rosado e Adalgisa Rosado. Esse médico exerceu a profissão em Mossoró,  conhecido como gentil e generoso, querido pelos mais humildes, nunca  recusando atender qualquer pessoa. Era agropecuarista de região de Campo  Grande (RN) e Belém do Brejo do Cruz (PB).

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