Por Márcio de Lima Dantas
"Boni de sui difusi"
Santo Agostinho
Como discorrer acerca de uma pessoa que não tive convívio ou acesso a fontes primárias sobre seu comportamento e sua estada no mundo? Onde resido é muito distante de onde ele atuou como sacerdote militante, cumprindo o carisma da sua ordem, esse bem advindo do sagrado, voltando se para a comunidade: os padres da Sagrada Família, desde sempre responsáveis pelo Santuário de Na. Sra. dos Impossíveis, localizado em um contraforte da Serra de Patu. Por vezes, reverbera no meu íntimo frases melódicas de um hino, assim dizendo: Vai trabalhar pelo mundo afora / Eu estarei até o fim contigo. / Está na hora o Senhor me chamou / Senhor aqui estou. Encontrando-me assim, tal como no primeiro terceto da Divina Comédia, de Dante Alighieri (Tradução de Cristiano Martins, Belo Horizonte: Itatiaia).
No meio do caminho desta vida
achei-me a errar por uma selva escura,
longe da boa via, então perdida.
Como não sabia, dirigi-me a quem poderia saber. Achei por bem recorrer ao amigo e benfeitor da cultura o Prof. Aluísio Dutra, que, por sua vez, indicou me o poeta José Bezerra (Antônio Martins, 1948), pois este conviveu na Capela de Santa Teresinha com o Pe. Antônio e suas obras filantrópicas. Pe. Antônio Shulte-Wrede era responsável pelas atividades missionárias e pastorais do Santuário do Lima e da Matriz de Na. Sra. das Dores. Desde sempre já o conheci idoso, com uma longa barba branca, vestindo o hábito do cotidiano dos sacerdotes da sua Ordem. Era uma batina firme no corpo, que se destacava pela cor de um bege mais fechado. Ao que parece, era uma espécie de indumentária usada no dia a dia, diferente da maior parte dos clérigos, que é preta. Sim, já usava uma bengala para se apoiar. Por coincidência ou uma benfazeja sincronicidade, estava eu passeando na ala circular da igreja do Santuário. De repente, Pe. Antônio pegou no meu braço e me pediu para conduzi-lo até a última casa que ficava debaixo da pousada. Alegou que chegara um seu amigo, precisava acolhê-lo e dar assistência. Interessante que pegou uma pessoa aleatoriamente; no caso, eu, uma espécie de compreensão do humano como se todos fossem previamente bons, incapazes de negar uma pequena ajuda. Não teve mais nada, foi só isso. De outra feita, ele se encontrava na pequena sacristia, local onde estavam os objetos necessários à liturgia, das duas igrejas: uma no nível do rez-do-chão, a outra no andar de cima. Havia um senhor, com sua esposa e duas filhas. Este tinha trazido um presente para Na. Sra. Dos Impossíveis: uma rede. Fiquei parado e observando. Esse homem disse alguma coisa, Pe. Antônio recebeu com enorme gratidão a rede nova. Provavelmente, esse senhor, vindo do Ceará, dera o que detinha de maior valor. Foi assim que aconteceu. Juro que é verdade. O clérigo não fazia distinção entre os romeiros, amparando, conversando e prestando assistência. Aos domingos descia a serra e celebrava missa na Capela de Santa Teresinha. Quando terminava, distribuía confeitos e biscoitos para as crianças. Todos faziam uma grande festa. A comunidade ao redor da capela sempre foi imensamente grata a esse sacerdote condutor não apenas de uma mensagem espiritual, de evangelizador cuja missão era cumprir votos de dedicação para com o seu semelhante, também apascentar seu rebanho, mas ajudava no que podia às pessoas. Recorrendo a demandas enviadas a sua família e amigos da Alemanha, reconstruiu a pequena capela, ampliando o tamanho para que houvesse maior conforto. Todas as quinzenas entregava às famílias necessitadas cestas básicas.
O pastor conduzia como se fosse natural, como se houvera nascido desde sempre com essas ordens atávicas, os símbolos do mangual e do cajado. Não ficava só nisso. Procedia adjutórios aos que precisassem, retelhamento de casas; pequenas melhorias, tais como tetos, portas e janelas, sobretudo após as chuvas. Caso os moradores nada tivessem, pagava a mão de obra. Após a celebração da missa no Santuário, descia para a cidade com o intuito de prestar assistência aos enfermos. Bastante cansado retornava por volta das 10h, sempre a pé, recusando eventuais transportes. Acabou por sofrer uma queda que o levou a ser cadeirante. A partir dessa condição, não ouve mais mudança, mas ninguém pense que Pe. Antônio abandonou o seu ministério, os serviços dedicados, a missão que parecia habitar seu ser, mesmo sabendo que não tinha mais tanto tempo. Pouco tempo depois veio a falecer no hospital da cidade, tendo sido velado na Igreja Matriz, a população se fez presente, com muita gente se despedindo, sobretudo os que residiam no entorno da Capela de Santa Teresinha, pois fora lá que prestou muitos serviços ao menos favorecidos. Foi sepultado no outro dia no Santuário do Lima, ao lado do túmulo de Pe. Henrique Spitz. Seus restos mortais foram trasladados para Juazeiro do Norte (CE). Tem uma coisa muito interessante e curiosa sobre esse sacerdote. Ele residia no que chamavam de Casa dos Padres. Durante o reitorado de Pe. Henrique, os padres tinham um apelido para ele: Santo Antônio. Não passava de uma brincadeira elogiosa. Quando se ausentava, os padres diziam: Santo Antônio está para chegar. Isso mesmo, temos que proclamar sua memória como dádiva de um homem dedicado a fazer o bem, por meio de um serviço permanente de fé, esperança e caridade.
*Agradeço imensamente ao poeta José Bezerra, residente na cidade há 40 anos, poeta e ocupante da cadeira número 2 da Academia Patuense de Letras e Artes. Sem seus preciosos informes, esse texto não teria sido possível.
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