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quarta-feira, 11 de outubro de 2023

Especial: Padre Antônio: caridade pastoral e entrega ao amor

Por Márcio de Lima Dantas 

                          "Boni de sui difusi" 

                     Santo Agostinho 



Como discorrer acerca de uma pessoa que não tive convívio ou acesso a  fontes primárias sobre seu comportamento e sua estada no mundo? Onde  resido é muito distante de onde ele atuou como sacerdote militante,  cumprindo o carisma da sua ordem, esse bem advindo do sagrado, voltando se para a comunidade: os padres da Sagrada Família, desde sempre  responsáveis pelo Santuário de Na. Sra. dos Impossíveis, localizado em um  contraforte da Serra de Patu. Por vezes, reverbera no meu íntimo frases  melódicas de um hino, assim dizendo: Vai trabalhar pelo mundo afora / Eu  estarei até o fim contigo. / Está na hora o Senhor me chamou / Senhor aqui  estou.  Encontrando-me assim, tal como no primeiro terceto da Divina Comédia, de  Dante Alighieri (Tradução de Cristiano Martins, Belo Horizonte: Itatiaia). 

                   No meio do caminho desta vida 

                         achei-me a errar por uma selva escura, 

                        longe da boa via, então perdida.

Como não sabia, dirigi-me a quem poderia saber. Achei por bem recorrer ao  amigo e benfeitor da cultura o Prof. Aluísio Dutra, que, por sua vez, indicou me o poeta José Bezerra (Antônio Martins, 1948), pois este conviveu na  Capela de Santa Teresinha com o Pe. Antônio e suas obras filantrópicas. Pe. Antônio Shulte-Wrede era responsável pelas atividades missionárias e  pastorais do Santuário do Lima e da Matriz de Na. Sra. das Dores. Desde  sempre já o conheci idoso, com uma longa barba branca, vestindo o hábito  do cotidiano dos sacerdotes da sua Ordem. Era uma batina firme no corpo,  que se destacava pela cor de um bege mais fechado. Ao que parece, era uma  espécie de indumentária usada no dia a dia, diferente da maior parte dos  clérigos, que é preta. Sim, já usava uma bengala para se apoiar. Por  coincidência ou uma benfazeja sincronicidade, estava eu passeando na ala  circular da igreja do Santuário. De repente, Pe. Antônio pegou no meu braço e me pediu para conduzi-lo até  a última casa que ficava debaixo da pousada. Alegou que chegara um seu  amigo, precisava acolhê-lo e dar assistência. Interessante que pegou uma  pessoa aleatoriamente; no caso, eu, uma espécie de compreensão do humano  como se todos fossem previamente bons, incapazes de negar uma pequena  ajuda. Não teve mais nada, foi só isso. De outra feita, ele se encontrava na pequena sacristia, local onde estavam os  objetos necessários à liturgia, das duas igrejas: uma no nível do rez-do-chão,  a outra no andar de cima. Havia um senhor, com sua esposa e duas filhas.  Este tinha trazido um presente para Na. Sra. Dos Impossíveis: uma rede.  Fiquei parado e observando. Esse homem disse alguma coisa, Pe. Antônio  recebeu com enorme gratidão a rede nova. Provavelmente, esse senhor, vindo do Ceará, dera o que detinha de maior valor. Foi assim que aconteceu.  Juro que é verdade. O clérigo não fazia distinção entre os romeiros,  amparando, conversando e prestando assistência. Aos domingos descia a serra e celebrava missa na Capela de Santa Teresinha.  Quando terminava, distribuía confeitos e biscoitos para as crianças. Todos  faziam uma grande festa. A comunidade ao redor da capela sempre foi  imensamente grata a esse sacerdote condutor não apenas de uma mensagem  espiritual, de evangelizador cuja missão era cumprir votos de dedicação para  com o seu semelhante, também apascentar seu rebanho, mas ajudava no que  podia às pessoas. Recorrendo a demandas enviadas a sua família e amigos  da Alemanha, reconstruiu a pequena capela, ampliando o tamanho para que houvesse maior conforto. Todas as quinzenas entregava às famílias  necessitadas cestas básicas.

O pastor conduzia como se fosse natural, como  se houvera nascido desde sempre com essas ordens atávicas, os símbolos do  mangual e do cajado. Não ficava só nisso. Procedia adjutórios aos que precisassem, retelhamento  de casas; pequenas melhorias, tais como tetos, portas e janelas, sobretudo  após as chuvas. Caso os moradores nada tivessem, pagava a mão de obra.  Após a celebração da missa no Santuário, descia para a cidade com o intuito  de prestar assistência aos enfermos. Bastante cansado retornava por volta das  10h, sempre a pé, recusando eventuais transportes. Acabou por sofrer uma  queda que o levou a ser cadeirante. A partir dessa condição, não ouve mais  mudança, mas ninguém pense que Pe. Antônio abandonou o seu ministério, os serviços dedicados, a missão que parecia habitar seu ser, mesmo sabendo  que não tinha mais tanto tempo. Pouco tempo depois veio a falecer no hospital da cidade, tendo sido velado  na Igreja Matriz, a população se fez presente, com muita gente se  despedindo, sobretudo os que residiam no entorno da Capela de Santa  Teresinha, pois fora lá que prestou muitos serviços ao menos favorecidos.  Foi sepultado no outro dia no Santuário do Lima, ao lado do túmulo de Pe.  Henrique Spitz. Seus restos mortais foram trasladados para Juazeiro do Norte  (CE). Tem uma coisa muito interessante e curiosa sobre esse sacerdote. Ele residia  no que chamavam de Casa dos Padres. Durante o reitorado de Pe. Henrique,  os padres tinham um apelido para ele: Santo Antônio. Não passava de uma  brincadeira elogiosa. Quando se ausentava, os padres diziam: Santo Antônio  está para chegar. Isso mesmo, temos que proclamar sua memória como dádiva de um homem  dedicado a fazer o bem, por meio de um serviço permanente de fé, esperança  e caridade. 

*Agradeço imensamente ao poeta José Bezerra, residente na cidade há 40  anos, poeta e ocupante da cadeira número 2 da Academia Patuense de Letras  e Artes. Sem seus preciosos informes, esse texto não teria sido possível.

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