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segunda-feira, 18 de agosto de 2025

Especial: Artur Rosa: prelúdio para um só artista .

  

Por Márcio de Lima Dantas 

Quem há de completar a obra 

que reguei com meu pranto e suor. 

 Henriqueta Lisboa 

 

Arthur Rosa nasceu em 25.06.1984, em Natal. Atualmente, está radicado em  Galway, uma cidade marítima e portuária da Irlanda. Ao se contemplar de  longe, a paisagem que o cerca descortina-se em um casario multicolorido à  beira de águas plácidas, cujo reflexo reverbera com nitidez o que se ergue de  casas no limite das águas imotas. As edificações seguem um padrão  verticalizado, pontilhado de inúmeras janelas, cujo efeito reforça essa imagem  de apontar para o firmamento. Sendo um artista autodidata, obviamente se rege muito mais pela intuição do  que pela razão. Os oráculos interiores não apenas são sempre consultados mas também expõem uma espécie de jugo causado por toda uma espécie de  emoções habitantes das locas de pedras do seu interior. Tais emoções são capazes de, espontaneamente, pulsar vontades de potências, buscando emergir  por meio de fumaças metafóricas, plasmando objetos, minérios, contornos,  riscos agressivos e manuseio de cores como se estivesse com raiva. Enfim, há  toda uma sorte daquilo que não é necessariamente ipsis litteris como se  encontra no mundo real. O fato de se autorrepresentar como intuitivo inscreve Rosa no que livremente  ousamos nominar Escola Basquiat, na medida em que muito se assemelha ao  grande pintor, que hoje influencia toda uma gama de outros artistas, por tudo  quanto é canto. Acontece que Arthur Rosa não somente copia o maior de  todos mas também, por meio das suas emoções e de sentimentos vários, faz  saber da sua gramática e usa os paradigmas de uma maneira inteiramente  singular: o desenho do humano, as palavras, os símbolos e grafites. 

Longe de querer ultrapassar sua referência maior – fazendo a gente lembrar  de Harold Bloom e sua noção de “poeta forte” –, aqueles que fincaram  estacas de madeira de lei na História da Poesia são influências impossíveis de ser ultrapassadas, tais como Fernando Pessoa, Marianne Moore, Arthur  Rimbaud. O que Arthur Rosa tão somente imprimiu no contexto da pintura foi sua marca, seu número e sua singularidade, de forma despretensiosa e, à  sombra e à fama de Jean-Michel Basquiat, ergueu sua continuidade nessa  Escola. Ele demonstrou ser um aluno diligente e capaz de fazer uma enorme  diferença face a outros que também ousaram dar sua própria solução. Era de  uma persistência ao insistir que o construto Arte Expressionista detém tantas  possibilidades a partir da deformação do real, de modo a vincular seu  trabalho ao Expressionismo como vanguarda no início do século XX. Não  que imite, mas retém o que vamos chamar de “teoria”, demonstrando que  não está relacionado ao tempo e ao lugar. 

Gostaria de deixar este apontamento para, talvez, esclarecer mais nosso  projeto escritural. Como tantos escritores que fazem crítica de arte, ou  mesmo erguem escritos de qualquer qualidade, pode ser que, muitas vezes, por seu estilo, comecem pelos últimos parágrafos, pelo que chamam de  conclusão, pelos pequenos excertos que apenas dirão “enfim”, com uma 

vírgula. Acontece que, alguns gêneros literários como os ensaios, como este  ensaio, ainda insistem em encompridar conversa, pois estavam faltando  alguns parágrafos, certas ideias não terminadas, ou o que estava no aguardo,  esperando a porta abrir depois de algumas batidas, também insistindo na  companhia, pois quem está em casa encontra-se nos fundos e não dá para escutar direito, devido ao ofício do proprietário, que elabora esculturas seja  em madeira, seja em aço escovado.  Com efeito, haverá sempre uma explicação para a inércia dos ouvidos e sua  respectiva ausência de um ouvir por enquanto, assomando pela casa, a  escutar o que dizem aos que chegam. Quase sempre é retirada a pele  acumulada pelos dias e por seus trabalhos, possibilitando uma conversa que  não traga, nem de leve, algo pesado ou que venha a pesar durante o séjour  dos que permanecerão nacos de dias, lascas de horas, a fazer durar, a fazer  um cansaço de quem hospeda, já nos dias intermináveis que têm o jugo dos  ombros e das pernas. 

Não há como adentrar os meandros da obra de Arthur Rosa sem antes fazer  uma devida persignação na ara cujo orago é Jean-Michel Basquiat (22.12.1960–12.08.1988) – considerado por críticos, colecionadores e  curadores como o maior nome da arte moderna. Seria fugir do nosso foco se  ficássemos a arrolar detalhes de um jovem rapaz, morto aos 27 anos devido  a uma opioid overdose. É desnecessária uma busca mais aprofundada para explicar a maneira desse  conjunto de vetores psicológicos que o conduziu à autodestruição. Estava  escrito que as Parcas teceriam rapidamente para cortar o fio da Fortuna,  encerrando uma vida na qual o quebra-cabeça detinha todas as peças,  encaixando o desenho de uma vida plena de riscos e sem medo do  desregramento (hybris). Eram tantos elementos, desde muito cedo, com  contornos de uma película de Tânatos, que não precisava ser adivinho para  franzir os olhos e dizer o que iria acontecer não muito tarde. O quanto lhe coube de naco de uma existência breve pode ser comparado a  um vergado arco no qual estavam inclusos diversos paradigmas. Era coisa  demais misturada. Estava incluso ser de etnia negra, orientação sexual  multicromática, artista marginal, dependente químico, ou seja, uma errância  que provou de tudo o que é espécie no que diz respeito ao corpo, ao amor  eros, ao amor philia, na sua amizade com Andy Warohl. O que estou dizendo bate em cheio no que consta de muita emoção e de  sentimentos vários nas suas telas. Também não poderia deixar de aparecer o  que se formara como artista plástico. Filiou-se a um gênero híbrido, não  podia ser outro. Eis o Expressionismo, o Simbolismo e o Surrealismo. Desse  modo, não poderia deixar de ser o mito fundante de uma escola cujo substrato  detinha semelhanças morfológicas, cerzida de uma ancestralidade revestida  de alguns paradigmas, a partir de uma originalidade assinalada desde sempre sobre aquele ungido a se dar em mente e corpo em um ser e suas  possibilidades de provar tudo o que aparecesse à sua frente, sem medir as  contas e os riscos. 

Com efeito, não se definiria sua inquietude tão somente como uma aptidão  para a arte mas também para se lançar nos riscos que estão no livre arbítrio.  Quanto custa? Pouco importa. Cronos escorre na ampulheta dos dedos, sendo  suficiente esfregar um dedo no outro. Sua trajetória estética explica o lado  da encruzilhada que entrou (escolheu?): começou como grafiteiro no centro  de Manhattan e depois como pintor neoexpressionista. Esteve fora das ruas,  depois, dentro das casas.  O expressionismo busca alcançar, de modo bem distinto do realismo, uma  deformação da realidade, do nosso entorno, do que se apresenta aos nossos  olhos. Assim, é necessário o que suplanta no íntimo do artista, ou seja, a subjetividade como permanente plano de fundo e o que vem a ser tema da  tela, embora usar o termo “tema” esteja muito distante do que Basquiat  plasmou em suas telas plenas de hibridismo. Na sua paleta, constava toda  uma sorte de cores, permitindo manusear um lastro pictórico que tornou seus  trabalhos cheios de uma riqueza cromática, riscando ou justapondo símbolos,  palavras, pessoas. Não havia limites de códigos para ocupar o todo da tela.  O mais interessante, talvez, seja o signo linguístico mesclado ao signo  imagético; nada respeitando. Do jeito que era dentro, também o fora  reverberava sua beleza. 

No que concerne a Arthur Rosa e sua profusa obra, vamos isolar algumas telas  e tecer alguns comentários que talvez possam dizer da sua sintaxe e do seu  vocabulário imagético como artista plástico. Entre tantas telas articuladas por  meio de pinceladas cruas, em uma expressividade que parece estar pouco  ligando para o que se convencionou por “harmonia”, ergueu uma série cujo  substrato é a cor vermelha e suas nuances. Alguns quadros são dípticos,  trípticos ou divididos em quatro partes. Todos são autônomos, ou seja, podem  mudar a ordem na qual estão justapostos.  A parcimônia no uso do vermelho não apenas apresentou uma sobriedade às  telas – ao refratar o contraste com outras cores, como sucedeu com grande  número de outros trabalhos – como também fez valer sugestões de corpos  humanos riscados. A garatuja permanece. Há uma sugestão de uma busca de  o objeto retratado ser visto como eivado de emoção, sentimento, de como é  enxergado através do íntimo. Quero dizer que interpreta à revelia do que se  encontra no entorno, de seus contornos, de seus semblantes ou do que foi  convencionado como belo ou encontra-se na moda. Assim, faz imperar a  subjetividade de um qualquer homem, que não passa de uma mescla de formas  de sentir, representar, ser em um tempo, diferente em outro. Enfim, o excesso  dessas bipolaridades deságua em um rio (um humano), em um estuário largo  e, talvez, difícil de conviver. O uso da cor primária vermelha não poderia deixar de ser a que mais representa uma sensibilidade contempladora do mundo a partir de suas  idiossincrasias, de sua experiência de vida, de como se fez homem, de como  isola e vê sem olhar, retendo o que lhe interessa, da maneira como pulsares  interiores fazem sair pelos olhos. Vermelho não poderia deixar de ser o melhor  para expressar um espírito como o de Arthur Rosa.Dias rudes, noites insones testemunharam minha fé. Henriqueta Lisboa.

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