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sexta-feira, 1 de agosto de 2025

Especial: Francisco Eduardo: retratos, andanças e marinas fundam uma poética

Por: Márcio de Lima Dantas.

Veredas são caminhos abertos, livres 

entre florestas inóspitas ou suaves 

e são símbolos de ruas de escassez 

de cidades com seus bairros de mágoa. 

Fiama Hasse Pais Brandão 

 

Francisco Eduardo nasceu em Santa Cruz do Inharé (1971). Fez curso no Centro  Social Urbano. Segundo o artista, tudo começou quando viu uma ilustração de um pintor  em uma revista em quadrinhos; logo, encantou-se. Em seguida, não quis mais saber de  outra coisa senão das artes visuais. 

Para início de conversa, penso que seja interessante apresentar e ressaltar a sua  verve retratista, um dos traços mais fortes da sua obra, tanto no fato de deter uma  eloquência bastante original e ungida de vasta competência ao colocar rostos de artistas  ou cantores bastante conhecidos do público, como de personagens da literatura. Com relação ao primeiro conjunto, encontramos retratos de Rita Lee, Zé Ramalho,  Gal Costa e Belchior. Exibe-se com grande maestria na arte de retratar rostos e semblantes  dos muitos que se expõem para grandes multidões. Não parece ser tão fácil definir o  contorno daquele ou daquela que, quase necessariamente, demonstra uma necessidade de  um feitio realista, no sentido de que a arte do retrato remonta à Antiguidade, ou seja,  detém uma longa história, criando para os pintores desafios como pintar os olhos ou a  boca. 

Com efeito, buscar os contornos de um semblante conduz o pintor a remeter a uma  linha de continuidade, cujo lastro é a história do retrato, já que foi bastante exercitado,  perfazendo técnicas de evocar toda uma necessidade do que já se conduziu. Vejamos o  caso de harmonizar o olhar com a boca. Há quem diga ser de difícil diapasão. No caso de  Zé Ramalho, percebe-se um indivíduo de grande introspecção, intimista e plácido,  revelando um espírito de temperamento sossegado — tudo menos conturbado. Parece que  gosta de estar consigo mesmo, compondo, tocando o violão. Já Gal Costa detém o oposto. Sempre sorridente e simpática, buscando uma  discrição, parece que o palco é sua herdade, no qual encontra-se à vontade, com sua voz  aguda e grande capacidade de se fazer ouvir e compreender. Ela é do tipo que, logo que  encontra alguém, parece despertar a empatia, seja para o grande público ou para os mais  íntimos. Assim como o masculino está para Zé Ramalho, o feminino está para Gal Costa.  Nenhuma dúvida: logrou êxito ao proceder o retrato dos dois artistas, embora tenha  elaborado o retrato de outros cantores e musicistas. 

Há um díptico plasmado por meio de uma série de elementos extraídos do bioma  da Caatinga. São mandacarus com flores, palmatórias floridas, alguns poucos animais  desse meio. A expressividade de formas e cores chama a atenção por um diferencial: a  mira do pintor encontra-se distante dos elementos conformadores da paisagem. No caso  de Francisco Eduardo, isso foi quebrado nas duas telas. As telas são pintadas em acrílica  sobre papel Arches 850 gramas. Esse díptico, distribuindo cactos de várias espécies, sendo as serras bastante longe,  é de extraordinária beleza e faz uso de uma licença poética, pois, na nossa flora, não  existem mandacarus amarelos ou vermelhos. Como se sabe, a cor é de um verde escuro.  Por outro lado, repito, há o fato de o artista ter posto os elementos que compõem a tela  muito perto de quem contempla. O inverossímil acabou por imprimir um efeito de  organização inusitada, juntando coisas que não existem na realidade. Não até certo ponto,  pois o mandacaru encontra-se cheio de robustas flores. Gostaria de insistir acerca da forma como o pintor orientou os paradigmas que  conformam o conjunto. É no sentido de a flora e a fauna da Caatinga estarem muito  próximas ao olhar do espectador. Logo, aquele que se dirige a contemplar, como se  estivesse logo rente à tela, chega primeiro do que o resto da paisagem. Ademais, os  mandacarus e as palmatórias estão plenos de exquises flores. De outra feita, não  predomina o verde nos cactos; pelo chão, uma cotia e uma iguana. 

Ora, o que chamamos de licença poética funciona como uma metáfora, um  arbítrio, uma convenção. Só existe a partir do momento no qual o artista outorga à tela o  chamado real concreto e, por sua vez, incorpora-se à realidade como um acréscimo. 

Afinal, é do ethos da arte o fato de questionar o que existe e não nos apetece, o que nos  chega sem pedirmos, o que — de atribulações — lacera nossa pele, o que nos alcança em  enfermidades. Enfim, o que o espírito tem que administrar, de uma forma ou de outra,  chova ou faça sol. A arte tem o papel de exercitar as vicissitudes, por meio de transfigurações, com  as quais tentamos alterar o que chamam de realidade. 

Vejamos mais um conjunto de telas cujo referente são as marinas. Não são tantas,  mas o suficiente para acolher o pincel e a paleta e imprimir como sendo elaboradas por  um artista de valor. É possível classificar em três. Essas telas retratam, sob um causticante  sol, uma barraca de praia completa de pessoas, sendo que o curioso — e que difere da  outra — é o fato de as cadeiras de plástico serem azuis, brancas ou vermelhas. Com efeito, o artista conseguiu captar o bulício de, quem sabe, um domingo de  praia, com seu efeito de sol bronzeando todos que ali se encontram, com sombrinhas  amarelas e verdes. Tudo resguarda a tranquilidade de um céu de azul intenso, com suas  nuvens esgarçadas. Na verdade, não é um referente muito comum para ser retratado, mas  o que importa são as partes interagindo umas com as outras, deixando entrever sua  justaposição de cores; tanto é que estão todos de costas. Isso mesmo: o que vale não é o significado, mas o significante, com sua  tranquilidade de sair de casa e sentir o bafejar do luminescente sol, sanativo, e também se  servir de um vento que sopra, como se fosse para purificar em trajes de banho. 

Há de tudo, desde pequenos barcos ancorados até os medianos vistos ao longe.  Penso que a Opus Magnum de toda obra é esse pequeno barco com velas pandas, todo  azul, seguido de um pequeno barco amarelo. Há uma harmonia nas cores que  acompanham essa embarcação: o mar de um azul Bom observar a claridade que um sol transparente reflete às pequenas ondas do  mar, exalando luminosidade por meio da vela branca. Tudo é suave, e o vento também  sopra para fazer o barco seguir. Nenhum espectador negaria contemplar e aprovar essa  marina. 

Além dessa, de fora à parte, existe uma variedade enorme de barcos ancorados ou  lançados ao mar. O pintor é um grande mestre em transpor o reflexo solar na lâmina  d’água, variando de acordo com a hora do dia ou de como o sol esteja sombreando,  simplesmente como um sol no crepúsculo matinal. Essa aludida variedade tanto pode ser  mirada bem próximo ou um pouco mais distante; o que importa é a habilidade de desenhar  o barco, esteja ele onde estiver.