Por Márcio Lima Dantas.
Napoleão Nunes (Natal, 1978), no seu ofício de artista visual, exercitou uma variedade de técnicas, tanto no uso da pincelada quanto na apreensão de eventual tema, expressando toda uma gama de multifária capacidade de rubricar a apreensão de uma enormidade de objetos, animais, autoestradas das cidades, nu feminino, escultura em grés cerâmico vidrado, pássaros nas folhagens e rosto de criança. O escopo que serve de substrato para a borboleta evidenciar sua breve vida como Metáfora nos conduz ao símbolo da transformação. Sua vida é uma sucessão de quatro etapas: ovo, larva, pupa (crisálida) e imago (adulta). O fato de se transformar e ficar presa durante algum tempo, sem guarida, sem substância de maior função vital, sem companhia, sem conselho de mãe, deixa-a angustiada para se desvencilhar desse cárcere. Com efeito, a borboleta vem a se tornar um símbolo detentor da noção de transformação, de um vir a ser, do que aguarda, do efêmero da natureza que vem a se renovar, assim como o círculo solar e o círculo lunar. Dessa feita, transforma-se em uma bela Metáfora de tudo o que flui e transmuta-se, sendo da natureza, estando aí na realidade, nos canteiros que dividem o meio da rua, nos jardins das casas modestas dos subúrbios, nas herdades nas quais habitam os abastados. Em assim sendo, a Metáfora da beleza das borboletas, variegadas em cores múltiplas, desenhos multicoloridos, outorga o advento de um pulsar espiritual dos mais marcantes e mais intensamente emergindo do que emana também de uma simbologia que registra o recomeço das coisas, do dia, dos relacionamentos interpessoais. Por isso que seria bom evocar a pupa (crisálida) e o imago (adulto).
O certo é que todas as culturas reverenciaram a borboleta como observada e cultuada, conduzindo a uma espécie de persignação, em um louvor ao recomeço, às boas energias, alternando-se, em uma efeméride em que o sol rebrilha a cada dia, iluminando cada borboleta. Sucede que as tomadas de longe (Orla de Cabo Branco), rio com uma ponte, sendo uma ilha separando as duas margens, a praia de Ponta Negra, a praia de Cabo Branco, as aves (Galo de Campina), o cardume de peixes, o cachorro, as mulheres nuas, não passam de puro pretexto para exercitar a capacidade de captar a luz de um dia no qual esplende o sol, clareando, de perto ou de longe, a amplitude da transparência plena de Apolo a demonstrar seu poder sanativo.Por enfim, buscamos demonstrar ao longo deste texto que a multiplicidade encontrada na obra de Napoleão Nunes referenda o fato de o artista não está em busca de um estilo, uma dicção, uma gramática, que possa ser sua assinatura e o contemplador de longe já possa afirmar que “aquela tela pertence a Napoleão Nunes”.
Na verdade, a quantidade de técnicas e temas é tão grande que ninguém poderia chancelar esse quadro com borboletas e flores ou a orquídea entre folhagens verdes como inerente à rubrica do artista. De jeito qualidade se poderia deixar de salientar sua verve, sua capacidade, sua confiança na sintaxe do seu domínio do pictórico. O que sucede com Napoleão Nunes é tão-somente um processo de Metalinguagem, ou seja, quando o código se volta sobre si mesmo. Ao invés de tratar de outro objeto, de outro conceito, de outra comarca, seja lá o que for, menos o código se voltar sobre si mesmo. Quero dizer acerca do conjunto que essa série circunscreve, que não foi por acaso, mas muito mais que o expressivo pictórico colocado em evidência. Quer dizer, o artista coloca o código para falar dele mesmo. Estamos tratando da Metalinguagem (esse conceito vem da Linguística, estou me apropriando e transferindo suas categorias de análise para a arte pictórica). Vejamos por que: a obsessão da borboleta pousar sobre várias cores e formas, assim como o lugar de repouso, as flores e seu colorido, normal ou dobradas; e, finalmente, as exquises orquídeas e sua opulenta maneira de estar nos jardins ou no meio do mato. Vejamos como essa gramática funciona. Se a pintura ou o desenho busca não se voltar sobre algum aspecto da realidade, em uma atitude de realismo muito próximo aos elementos que estão ao redor do pintor, mas se compraz em pintar pintando. Por exemplo, um pintor cujo tema que consta na tela é alguém que pinta uma paisagem ou elabora um retrato. No caso de Napoleão Nunes, são inúmeras as pinturas de borboletas sobre uma flor, ou orquídeas. Vamos nos deter somente nessas três imagens, bem claro que o artista variou tanto na forma quanto na técnica. Eis que encontramos mulheres nuas, Orla de Cabo Branco, peixes, rosto de criança, paisagens rurais.
Essa invariante, da borboleta sobre a flor, longe de ser uma obsessão do artista, desenvolve-se como o fulcro de onde se dissipa aquela que vai ser a comarca da Metalinguagem. É o cerne de onde o artista, com suas pinceladas espessas, com suas pinceladas em forma de pequenos retângulos miúdos, busca extrair, por meio de uma justaposição, o efeito tanto da cor quanto da luz solar. Bem diferente das pinceladas mais suaves da pintura acadêmica, buscando retratar o real do jeito que ele se apresenta e não distorcendo (no bom sentido) em nada, como se fosse um retrato ou se pintasse por meio da fotografia. Para encerrar, o que chamei aqui de Metalinguagem é um se deter de um (código = pintura) e que se ousa ficar sobre ele mesmo (código = fazer/fazendo uma borboleta sobre uma flor). Sucede dessa maneira: como se o teatro discorresse acerca do teatro. A quantidade do que falei, só pode ser por conta de uma coisa: o artista busca, através de um exercício contínuo que não chega a enfadar, pelo contrário, se esmera, com as pinceladas consistentes, com encorpamento de tinta, aqui ou acolá exercitando uma sombra ou outra. Com efeito, nenhum estilo histórico poderia ser mais adequado ao exercício de uma pintura que se volta sobre si mesma: o Expressionismo tão peculiar de Napoleão Nunes. Mesmo o Expressionismo nos seus primórdios, no início do século XX, esse artista ainda consegue chantar diferenças, mesmo porque o nosso sol é bastante diferente do hemisfério norte, cuja luminosidade resplende uma transparência que ressalta as nossas cores e nuances. Por fim, gostaria de dizer que a Metalinguagem – o artista pintando os mesmos temas – nos conduziu a pensar dessa maneira. Há uma mensagem que evidencia ela mesma, ou seja, a insistência de fixar sobre um mesmo tema, como se necessitasse aprender a arte do Expressionismo e o que encontrou de melhor para o prazer do domínio foram apenas três elementos: orquídea, beija-flor e qualquer espécie de flor.
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