Márcio de Lima Dantas
Ofereço este álbum de xilogravura ao amigo
Raimundo Soares para fazer uso do que quiser.
9/10/72
Henrique Mendes (25.07.1925) era filho de Arcelino Mendes e Maria Augusta Mendes, quando jovem, trabalhou na Gráfica Massilon (Massilon Pinheiro Costa, 06.09.1922 – 21.02.2014, casado com a Sra. Rita de Lima Costa, 13.02.1921 – 27.09.2014). Em seguida, vai trabalhar por sua própria conta, colocando uma pequena tipografia: “Carimbos Mossoró”, na Rua Dr. Antônio de Souza, 55, Centro. Em pouco tempo, ascendeu como uma das maiores instituições de serviços gráficos da cidade. Era conhecido pelo esmero e bom acabamento das suas encomendas.
Para além dos serviços tipográficos, o Sr. Henrique também trabalhava com a xilografia, cuja titulatura era a seguinte: Henrique Mendes e Filhos, Fátima Mendes e Michel de Montaigne Mendes. Alguns indivíduos parecem impulsionados pelos dons da deusa Mnemósine, resguardando a memória, individual ou coletiva, se não por meio da eloquência ou retórica verbal, lançando aos pósteros obras que permanecem como recitações que um ou outro decora e reverbera, mas também pode ser por meio de escritos ou imagens organizadas em cadernos ou álbuns.
Não é tão difícil identificar essas pessoas, quase sempre são capazes de memorizar datas, relembrar costumes em extinção, conhecer sua genealogia, evocar os que se foram longevos. Eu acho que é uma expressão de um afeto, de um amor que faz questão de não esquecer os laços parentais, haja vista ter convivido e sido amado, permanecendo na mente como sabedoria e no coração como o puro amor não sujeito a qualquer tipo de condição.
Era aqui que eu queria chegar. Desse seu empreendimento, o Sr. Henrique teve o cuidado de organizar um pequeno álbum dividido em duas partes. Na primeira, são as xilogravuras oriundas de artesãos anônimos, provavelmente funcionários do estabelecimento comercial, embora apareçam as assinaturas de uns poucos, tais como: Silvan ou Jorge. Predomina o anonimato, muito provável que não atinavam para esses desenhos serem obras de arte ou qualquer coisa que o valha. Interessante remarcar a quantidade de assinaturas em forma de rubricas, provavelmente carimbos encomendados para uso de firmas comerciais e quejandos.
A xilogravura é uma forma de gravura bastante popular no Nordeste, esse fenômeno da sua popularidade não restringiu-se às capas dos folhetos de cordel ou ilustrar internamente algum folheto, mas houve quem trabalhasse para ilustrar uma matéria de jornal. João da Escócia ficou conhecido como xilogravurista, pois ilustrava algum texto do jornal O Mossoroense. Talvez tenha sido o melhor representante dessa forma de arte em Mossoró.
Teríamos que ver o motivo pelo qual houve uma unânime recepção dessa técnica de gravura na madeira. Provavelmente havia no imaginário da região Nordeste, a parte mais antiga do Brasil, signos familiarizados, no sentido de uma constelação de imagens.
Na segunda parte, e a mais preciosa e fascinante do álbum, o organizador esclarece: A seguir pertence a Francisco Meneleu (11.12.1972). É bom lembrar que tem outro ensaio acerca dessa segunda parte do álbum, detendo-me com mais vagar sobre os trabalhos de Meneleu, demonstrando o quão era um grande artífice da tipografia, fazendo valer a dimensão estética convivendo com os trabalhos meramente funcionais, como os rótulos para produtos comerciais que iriam ser etiquetados em série, circulando em Mossoró ou outras cidades próximas. Lucrécia, Pau dos Ferros, Luiz Gomes, Caraúbas, Guarabira (PB), Aracati (CE).
Os “Carimbos Mossoró”, devido ao cuidado com o qual fazia suas encomendas, logo ficou conhecido na cidade como a melhor empresa no ramo da xilogravura e tipografia direcionada às casas comerciais e anúncios de seus produtos. Gostaria de citar
outras tipografias que integram o patrimônio dos serviços demandados pelo comércio da cidade. Tipografia Mossoró do Sr. Ossivaldo (Alto da Conceição), Tipografia Expressa do Sr. Raimundo Nonato Luz (Rua Coronel Gurgel), Editora comercial (vizinho ao Cine Caiçara), confeccionavam livros, pois detinham um linotipo. Papelaria e Tipografia “O Nordeste”, fundador Martins de Vasconcelos.
Por que será que a cidade de Mossoró detinha um parque gráfico de grande variedade e envergadura? Ora, a cidade sempre foi o maior polo econômico da região Oeste, notabilizando-se por sua autonomia com relação às duas capitais equidistantes: Natal e Fortaleza. Ademais, as cidades pequenas e circunvizinhas tinham Mossoró como referência no confeccionar serviços ou fornecimento de mercadorias. Deixe eu dizer uma coisa, a cidade absorvia a produção de algodão dos sertões adentro, descaroçando e organizando em fardos, sendo conduzidos para o refinamento e a separação de produtos originiados do algodão, tais como, fibras para tecidos, óleo vegetal e o resíduo (torta) de algodão para a alimentação dos animais.
Vale salientar que esse comércio lançava seus vetores para praças distantes: EUA e Europa.
Tudo o que foi acima dito, com datas, lugares, completos nomes, não passa de uma forma de resguardar os traços dos que ousaram construir a municipalidade, outorgando valor por meio de incensar o altar da deusa Mnemósine, evocando os dons que nos torna capazes de reter em si, – mesmo numa época tão tardia, – uma história que escorre pela oralidade, de colocar uma placa aos abolicionistas, de sentir o gosto pautado no que ainda resta de fachadas antigas, renomeadas ruas e praças. Enfim, como guardiões informais de uma cidade outrora próspera, movimentada pelo seu rico comércio baseado em um rico extrativismo vegetal e consumidora do algodão vindo de sertões adentro.
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