Desmonte do Judiciário
Com a promulgação da Constituição Federal de 5 de outubro de 1988, batizada desde logo de Constituição Cidadã, os instrumentos de garantida da cidadania, nesta compreendidos os direitos individuais e coletivos, foram trazidos no âmbito do Texto Constitucional em vários dos seus dispositivos.
Num desses dispositivos, precisamente no seu artigo 5º, inciso XXXV, a Constituição da República preceituou que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito".
Na esteira da Constituição, foram instalados os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, tanto no âmbito da Justiça Estadual como no seio da Justiça Federal, e houve um aumento significativo do número de Varas da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal em todo o País, tudo isso acontecendo no intuito de se tornar realidade a tão sonhada cidadania, parte indissolúvel da democracia.
Brasil afora se multiplicaram as instituições de ensino superior que ofertam a formação acadêmica em Ciências Jurídicas, ou Direito, num claro reflexo dessa nova temática da vida nacional inaugurada a partir da primavera de 1988.
Com o Código de Defesa do Consumidor e outras normas jurídicas nascidas após o advento da Constituição Federal de 1988, a judicialização dos conflitos sociais se tornou ainda maior. A cidadania passou a ser buscada ou ao menos questionada diante de quem tem o poder de decidir, de bater o martelo, de resolver os litígios e trazer de volta a paz social.
No entanto, seguindo a onda de retrocessos por que passa o País, envolto numa crise política, moral e econômica sem precedentes, o Poder Judiciário também vem adotando medidas que efetivamente lhe colocam mais distante da população, principalmente daquela parcela do povo que mais necessita da prestação jurisdicional.
Dessas medidas, a mais drástica é a de fechamento ou desativação de unidades jurisdicionais, causando dificuldade para que se cumpra aquele princípio constitucional do livre acesso ao Poder Judiciário, para que se busque efetivar os muitos instrumentos de defesa de direitos e de busca da tão propalada cidadania.
No âmbito da Justiça Eleitoral, por exemplo, há alguns anos houve, por determinação do Conselho Nacional de Justiça - CNJ, um rezoneamento eleitoral. No Rio Grande do Norte, várias Zonas Eleitorais foram desativadas, e comunidades inteiras que precisam dos serviços da Justiça Eleitoral foram redirecionadas para outras Zonas, mais das vezes sediadas longe do local onde estão fincadas tais comunidades.
Um exemplo disso se deu no Município de Janduís, que teve fechada a sua Zona Eleitoral e o Município passou a ser jurisdição eleitoral da 37ª Zona, sediada em Patu, que já tinha como área de jurisdição os Municípios de Patu e Messias Targino. Em Janduís restou apenas um moderno prédio que abrigava o Fórum Eleitoral, que lá está entregue às baratas, sem qualquer uso.
Agora, o Tribunal Superior Eleitoral - TSE anuncia um novo rezoneamento eleitoral, e novamente algumas Zonas Eleitorais serão desativadas. Uma dessas unidades que podem ser afetadas é a 31ª Zona Eleitoral do Rio Grande do Norte, sediada em Campo Grande, com jurisdição eleitoral sobre este Município e sobre os Municípios de Triunfo Potiguar e Paraú.
Se pouco mais de cem pessoas não se tornarem eleitores da 31ª Zona Eleitoral do RN, ela fatalmente será fechada, com a transferência do eleitorado dos seus três Municípios para outra Zona Eleitoral.
Adotando proceder idêntico, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte - TJRN quer fechar, ou desativar, sete de suas Comarcas, entre as quais as de São Rafael, Serra Negra do Norte e Janduís.
No caso da Comarca de Janduís, que também tem um novíssimo prédio que abriga o Fórum Municipal Desembargador Olavo Maia, com a sua desativação o Município passará a ser Termo Judiciário da Comarca de Patu, que já tem no território de jurisdição, além do Município-sede, o Município de Messias Targino.
Autoridades e lideranças de Janduís têm se movimentado no sentido de tentar frear o ímpeto do TJRN de desativar a sua Comarca. Para tanto já houve audiência pública e têm sido mantidos contatos com autoridades do próprio Tribunal de Justiça e do Poder Legislativo, já que a transformação da organização judiciária estadual somente se dá por lei aprovada pela Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte.
Como solução apontada para que não se feche a Comarca de Janduís há a de transferência do Termo Judiciário de Messias Targino da Comarca de Patu para a comarca de Janduís.
Com a iminente desativação de sete Comarcas no interior do Rio Grande do Norte, também sete Promotorias de Justiça deixarão de existir, pois a existência de uma representação do Ministério Público Estadual num Município que é sede de Comarca somente se justifica se estiver em funcionamento a própria Comarca.
No caminho das desativações, o Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, com jurisdição no Rio Grande do Norte, já informou que em breve irá desativar a Vara do Trabalho de Pau dos Ferros, que tem como jurisdição o território de mais de trinta Municípios das regiões do Alto Oeste e Médio Oeste do Rio Grande do Norte.
A Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, em movimento iniciado a partir da sua Subseção de Pau dos Ferros, sugeriu ao TRT-RN que transfira para a jurisdição da Vara do Trabalho de Pau dos Ferros o Município de Apodi, que atualmente integra a área de jurisdição trabalhista de Mossoró. Nem isso, porém, parece demover os desembargadores do TRT da ideia de fecharem a Vara de Pau dos Ferros.
Em todos os casos, a alegação é meramente econômica, financeira, capítalista. Para justificar o fechamento de unidades judiciárias estão calculando o custo de funcionamento dessas unidades e sustentando que ele é elevado, caro aos cofres públicos e aos orçamentos do Poder Judiciário.
Essa alegação, todavia, é totalmente inobservada quando se trata de garantir os muitos benefícios remuneratórios dos magistrados, e também quando se trata de construir as suntuosas sedes dos Tribunais em geral. Num e noutro caso não se fala de relação custo-benefício nem se alega falta de dinheiro.
Em verdade, a mensuração do valor de uma Vara da Justiça ou de uma Zona Eleitoral jamais poderia ser financeira. O ganho é social, institucional, republicano. O fechamento continuado das unidades do Poder Judiciário, como vem sendo posto em prática, atenta contra o princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal, e atenta também contra todos os preceitos constitucionais que asseguram a cidadania como fundamento da República, tal como está no artigo 1º, inciso II, da Lei Fundamental do País.
Os dirigentes do Poder Judiciário, trancados em pomposas salas e longe da realidade do povo, não podem, via canetadas, atingirem tão cruelmente a vida de pessoas humildes que necessitam cada vez mais de baterem à porta da Justiça para postularem direitos, para obterem socorro, para resolverem litígios.
Infelizmente, com raras exceções, o povo assiste a tudo isso passivamente, inerte, sem esboçar qualquer reação.
Fonte: O Messiense.
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