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sábado, 31 de maio de 2025
Especial: Dona Neuza Alexandrino, 90 Anos de Fé e Pesistência.
sexta-feira, 30 de maio de 2025
Especial: Maria do Santíssimo e o seu caleidoscópio das coisas modestas
O tempo farejou a fábula
contaminou-a. Projetou-a
talhada à sua própria imagem.
Henriqueta Lisboa
Maria Antônia do Santíssimo (São Vicente, 1890-1986) é uma artista visual que se destaca por tudo que a rodeia, quer seja sua biografia, quer diga respeito diretamente à sua obra. Espécie de Midas-mulher: tudo que toca vem a ser objeto de arte. Sua aura circunscreve um perímetro que lança vetores de pesquisa em direção a vários domínios. Talvez, antes de buscar ferramentas que conduzam a explicar essa obra extremamente singular, fosse interessante tomar algumas notas que dizem respeito à sua vida de dona de casa responsável pelos trabalhos do lar e da família. Pois bem, o certo é que, além de pintar desde os nove anos, também era costureira e bordadeira, tarefas desde sempre entregue às mulheres. Como podemos ver, a precocidade com a arte de pintar encaminha o espectador ou aquele que admira esse trabalho sem entender muitas vezes do que se trata, pois a dimensão estética repousa seus signos ou retóricas muito além do que se avizinha. Ou, quando em consulta de oráculos interiores, nada há de mais concreto, quer seja operando a mímesis, ou seja, a transfiguração por meio de um olhar, de um semblante, de qualquer quasar ou de um andamento tardo. E se for indolente, também não vai mudar muito não.
O que de precoce houve, com seus nove anos, era o anúncio do que se configuraria na mocinha e, depois, na mulher feita. Quando isso sucede no fenômeno artístico, está traçada uma rodagem sem volta.
Seu marido vendia, nas feiras, os forros para baús, assim como revestimento de oratórios de madeira ou outra espécie, que eram nichos abertos como se fossem janelinhas no quarto do casal. Via de regra eram os santos.
Há que dizer da produção de pinturas com anilina feitas em papel almaço ou cartolina, e os pincéis eram de palito de coqueiro amassados na ponta. Esse material rústico era suporte e manuseado por dedos ávidos para pintar o revestimento de baús ou oratórios. Ou seja, por incrível que pareça, tinham um objetivo funcional, servindo de peça para adornar alguns poucos móveis (baús) ou nichos (oratórios) integrantes da simplicidade da casa de morada. A obra se reveste de uma aura didática. Nunca como ingênuos ou “malfeitos”, mas como um impreciso que não sei dizer o jeito, a posição ou o minério de que é constituído. Só sei dizer de algo que me habita, e vem à tona do meu inconsciente não somente para assomar com seu bafejo, mas como fármaco sanativo de dores de amores que não se cumprem. Quase sempre o tema é bilateral, como se quisesse harmonizar nosso espírito, numa espécie de balança em cujos pratos repousam diferentes figuras e cores. Mas estão exatamente no prumo. Buscar nomes seria inútil e grande perda de tempo, pois há de se compreender que nem tudo o que se sente vem ou aguarda, por costume sua, letra e respectiva nominata. Apenas nos concerne a insistência e uma teimosia sem fim para classificar em qual conjunto de coisas está incluso aquilo ou aquele fenômeno.
Ora, Iaperi, Iaponi e Manxa (escultura em madeira ou baixo-relevo em cimento aparente). Esse naipe de ases de copas forma uma espécie de sistema de artes visuais ingênua no Rio Grande do Norte, tendo sido Maria do Santíssimo o mito essencial que teria fundado essa escola ou sistema, alastrando-se para pósteros, sendo hoje em dia o Nordeste um dos lugares que mais detêm, em quantidade e qualidade, esse pujante estilo que se caracteriza por não ter nenhuma preocupação com as regras que arte acadêmica tem sempre em mente, tais como a perspectiva, o sombreamento ou a técnica que remete a uma linha de continuidade surgida por volta da Idade Média, sendo a perspectiva surgida no Renascimento Italiano (séc. XV). Agora, como inquirir, dizer a toda a voz os pendores que residem de tanta espera e vêm a ser uma parábola, com o intuito de clarear determinada situação ou fenômeno, refulgir por meio de uma palavra, de uma oração, de um período eivado de uma retórica ou inclinação para as forças do bem que nos circundam qual nimbo, assim feito uma auréola em uma presentificação de uma simbólica na qual repousam as chamadas coisas do espírito (não como representante de firmas que era). Bem simples esse câmbio. Bem simples? Nem tanto assim, haja vista o quão necessária deve ser a imersão abissal em si, banhando-se nas profundezas de lagos imotos, com pouca vegetação. Voltemos a Maria do Santíssimo. Fica difícil negar seu pendor de mulher assinalada para chantar no mais ermo sertão, distante léguas do Seridó, e, em gestos ingênuos, iniciara a arte de pintar com papel almaço, de embrulho e anilina, sendo o pincel um palito de coqueiro amassado na ponta. Bastante complexo é explicar, por meio da História da Arte, essas artérias pulsáteis, como se fosse uma matemática, cuja operação principal é a arte de somar.
No assoalho por onde pisou, cultivando seu pomar e seu jardim, o delinear dos objetos assomava aos seus olhos em atitude de franzir os olhos para melhor amolar o silêncio adormecido no mais profundo das regiões pelágicas que integram todos os humanos. Comportava-se assim, não pelo uso da razão ou por ter ouvido falar, mas porque látegos açoitavam Cérberos de guarda, ali chantados para não deixar emergir, em direção às vísceras, o que de linguagem é fúlgíldo, é transparente e deixa soletrar as sílabas de um alfabeto de símbolos cuja pertença organiza terminologias explicadoras do que vem a ser fenômenos vinculados à consciência justapostas aos domínios da razão. O certo é que por meandros estreitos, qual córregos lambendo barrancas em dias de nebrina fraca, assim filetes de águas se infiltravam com a vontade de se transformar naquilo que ocupava mãos, dedos, sentada na calçada da erma cidade sertão adentro, no Seridó, sentindo a quentura do vento onipresente ao pé da Serra de Santana. Com efeito, uma força interior lançava-a com determinação e plena de ânimo, como se fosse um impulso que ela jamais soube de onde vinha, sabia que chegava através de frestas pelas portas ou janelas, sem nunca ter encontrado a resposta. Sentia que sabia que outros e outras não estavam submetidos a essa mobilidade. Isso posto, continuava fazendo a costura, o bordado, a pintura. E se não aplacava de tudo, conseguia que as pernas tivessem menos movimento. Costurar e bordar resguardam um parentesco com uma matemática que a agulha e a linha furam o tecido e sabem os caminhos da fazenda cortada e suas medidas, porém, pintar é de um outro quilate, segue lógica espontânea e detém organizar determinado tema dentro do comprimento e da largura. Esse pathos, a estimular sentimentos de melancolia, júbilo ou introspecção, convida o espectador a chafurdar dentro de si alguma espécie de signo que se encontra estampado no trabalho elevado aqui como artístico. Eis aqui como essa engendrava um meio de vida, eis aqui como se aguardava o apurado.
Já é hora de caminhar para o fim. O crepúsculo vespertino ilumina, após um ameno resto de um dia que nos faz evocar todo o bestiário de animais do terreiro: aves mansas, burrinhos, pavões, rosas dobradas, fachadas amenas, com quadrículas. Como se houvesse uma consciência maior a determinar o uso do espaço através de uma amplitude maior. Embora viesse de família extremamente humilde, sem ter nada estudado em escolas formais, nunca perdeu, ao compor suas telas, um enorme senso da composição e do equilíbrio dos elementos a plasmar suas telas. Grande parte das telas detém uma perfeita simetria bilateral familiarizando-se com esse recorte ao cortar no meio. Mas muito mais do que uma velha senhora introspectiva em seu canto, pintando sobre uma tábua no colo, arrodeada de crianças, voltava sempre ao mesmo tema.
segunda-feira, 26 de maio de 2025
Especial: A Via Dolorosa de Iaperi Araújo
Uma geração vai, e outra geração vem; mas a terra para sempre permanece.
E nasce o sol, e põe-se o sol, e volta ao seu lugar, de onde nasceu.
Eclesiastes, 1:4
O artista Iaperi Araújo (São Vicente, 21.07.1945) contribuiu para a tradição das imagéticas relacionadas à Via Crucis — conjunto de imagens-ícone contidas no Novo Testamento — que dizem de um profeta ou deus feito homem, tendo este sido responsável pelas ideias que constituem uma nova maneira de conceber as relações, dentro do que ficou reconhecido como práticas religiosas. Como sabemos, o dia de Pentecostes é considerado a fundação do Cristianismo, e a Igreja Católica sua instituição “oficial”. O artista logrou êxito ao plasmar tais discursos por meio de belas imagens, demonstrando domínio da arte de manusear o código pictórico. Um belo estandarte com cores bastante simbólicas abre o cortejo de estações: azul e ocre.
Nada rivaliza, no Rio Grande do Norte, com essa obra deixada para a posteridade singular, diferente e extremamente intrigante. Refiro-me à constelação de significantes ou ao que foi tematizado, e foi bastante capaz com sua pronúncia estética, desde sempre reconhecido como o nosso mais importante naïf, tanto em quantidade como em qualidade. Ademais, Iaperi também se destaca como escritor, cujos temas estão vinculados ao Nordeste e sua etnografia ou História.
O que fez a diferença com relação à sua Via Crucis foi imprimir um forte apelo à tradição dessa temática obsessiva no campo da retratação dos passos impetrados por Jesus, cuja seara o Rio Grande do Norte possui roçados sempre predispostos a serem segados.
Achei muito curioso o tríptico de militares em seu verde-oliva: uma inovação retirou o ethos dramático que as tradições religiosas ou cinematográficas insculpiram a essa narrativa mítica que funda a civilização ocidental após o Império Romano.
O estandarte, apresentando a narrativa fragmentada que vai se seguir, se organiza a partir de poucos elementos no enquadrar da síntese que quase todos os ocidentais reconhecem. Firma-se, com seu despojamento, em um minimalismo contendo tão somente o que é essência e pertencimento à necessidade de recorrência, para que se perpetue nos ritos milenares da liturgia da Igreja Católica. Ora, consabido é a necessidade da sobrevivência e permanência do discurso mítico, ter em sua gramática o repisar de um mesmo personagem em suas cores, alfaias, indumentárias, gestos e evocações, fazendo crer por meio de uma eficácia validadora do que se diz de si, e de como chega ao íntimo de cada um que detém sua crença.
Ainda posso afirmar que o estandarte refoge ao minimalismo no qual se funda e se afirma um discurso que escorre semanticamente para o resto. Assemelha-se ao barroco, decorado com laços de fita pendentes e repleto de cianinhas e pingentes dourados.
As cores que servem de plano de fundo restringem-se a poucas, sem o manuseio de sombras ou nuances, talvez fazendo crer que o mais importante é o que sucede no plano primeiro. O título e os créditos de autoria estão com as letras do alfabeto invertidas, como se o artista ou eventuais espectadores mirassem tendo um espelho diante de si. Vemos por espelho / mas há outra forma de ver? — (Orides Fontela). Todo mundo sabe que não.
Para além da devoção, um dos seus sentidos — o de relação íntima com o sagrado —, não podemos esquecer o que também reflete o profano subliminar à retórica catalisadora que nada mais é do que uma dramatização pictórica da condição existencial inerente a todos. Há que olvidar de uma escatologia calcada no vigiar e punir, em uma forte noção de pecado e nas hierarquias que os dogmas impõem a quem quer ou necessita dessas histórias para viver.
A Via Crucis, no seu formato tradicional, pendurada nas paredes do interior das igrejas — quase sempre verdadeiras obras de arte—, é composta por 14 estações, número cabalístico e múltiplo de 7 = perfeição, harmonia, o uno encontra-se entre o masculino (4) e o feminino (3). Representa a completude, a sabedoria e as coisas relativas ao espírito, recorrente em múltiplas tradições espirituais. O artista acrescentou duas imagens: o Estandarte e uma Tela que, logo no compasso das estações, se repete, fazendo crer em um ícone-síntese a organizar o término do sofrimento de Jesus. Talvez não seja de todo inverossímil o fato de termos alargados o fulcro lendário com o intuito de abarcar, através da geografia e da história, lançando seus vetores em direção à sintaxe desse mito e dos seus afluentes semânticos, permitindo o reconhecimento de como se organizou e ainda é vívido e, digamos, “eficaz”, até hoje.
Vejamos como se dispôs, de forma ordena, essa versão da Via Crucis. Organiza-se por meio do signo imagético, ou seja, considerando-o como integrante da Semiótica, domínio dos sinais analógicos, do signo visual. O signo linguístico somente apresenta e enumera os passos.
I Estação: Jesus é paramentado para cumprir e finalizar sua existência. Veste um manto vermelho, uma coroa de espinhos, e um naco de tecido resguarda as partes íntimas; ladeado por dois militares. Aos pés, o cordeiro a ser imolado. Um resplendor áureo contorna sua cabeça, como índice de que o difere, até certo ponto, dos demais que o acompanharam (Maria, Maria Madalena, os discípulos, dentre outros). Sagra-se resignado, com as mãos amarradas, para o que imagina que sucederá.
Eis o filho do homem a ser sacrificado. Como se fosse um ator ataviando-se, para assomar ao palco e representar seu papel. Para tanto, evoco o filme Mephisto (direção de István Szabó); no final, quando o ator Klaus Maria Brandauer mira a câmara, em um recurso metalinguístico, diz algo assim: “O que queriam? Sou apenas um ator!”.
II Estação: Entrega da cruz após o julgamento de Pôncio Pilatos.
III Estação: Primeira queda. Das três, parece ser a que chancela a dor de carregar tão grande peso e, resignado, estoico, nada reclama ou clama aos céus, buscando se redimir do que lhe acomete. Na verdade, são metáforas familiarizadas do humano, não ousando cavilações ou dissimulação, pois sabem muito bem do que se trata. Até podemos comparar com pessoas detentoras de transtornos afetivos. Segundo Nise da Silveira, eles adentraram por esse túnel de sombras, sem guia, conselho, amparo de mãe ou parente; acontece que não souberam retornar. Então, errantes, a sociedade os usa como um meio crudelíssimo de tatuar quem é “doido” e quem é “normal”.
Isto posto, faço saber que não passa de uma conveniência que assola as classes sociais, prendendo no que chamam de hospícios ou manicômios (bem presentes no século XIX), nos quais aqueles com transtornos afetivos eram submetidos a choques elétricos, lobotomia, crueldade e ausência de empatia. É o que a sociedade, com seus preconceitos, indigita como “loucos”. Atualmente houve avanço em alguns hospitais ou CAPS, mas segue a dicotomia louco/normal. Vejam, até os gestos, como rodar o indicador na cabeça e outros, permanecem sem alterações, pois ninguém pode costurar a boca ou amarrar as mãos da maioria. Cada um diz e faz o que bem entende, nas alcovas e salas de estar das herdades.
Ora, que mistério pode haver se levarmos para o campo da percentagem? Normal é o que 50% mais um acredita? Se for assim, pode-se trancafiar em celas quase todo mundo, como Simão Bacamarte fez (Machado de Assis). Se desejar essa limpeza psíquica, não encontrará, pois, de doido e de médico todo mundo tem um tanto.
Afinal, o que é ser normal? Segundo C. G. Jung “Normal é todo aquele que tem a capacidade de amar e trabalhar”. Não parece razoável? Podemos evocar outra narrativa pertencente ao campo da literatura. Falo daqueles que persistem com tenacidade, como Ulisses da Odisseia, decifrando cada empecilho apenas como mais uma atribulação a ser enfrentada, como mais uma Estação. Ergue-se face a si e seus argonautas e, por meio da astúcia e de uma intuição sobrenatural, desvencilha-se e segue em direção a Ítaca, onde o aguarda seu filho Telêmaco e sua companheira Penélope.
Cair, a depender de como se interpreta, opera em um entendimento dos limites das nossas forças, mas isso não quer dizer que vá se entregar e jazer na terra. Todos deveriam saber que detemos mais forças íntimas do que imaginamos, e, se temos essa ciência, podemos nos erguer da queda e continuar. Portanto, entregar-se nunca é negócio que valha à pena, pois não sabemos o que nos aguarda. Ora, Winston Churchill proclama a verdade e o bom conselho: “Se você está atravessando o inferno, continue andando”. Sei muito bem que pode ser difícil, mas não podemos negar o puro ouro da essência dessas palavras. Jesus preferiu cumprir seu destino, queimando na frágua de cada Estação, com suas altas labaredas de fogo, transpirando a água dos seus músculos lassos.
IV Estação: Encontro com sua mãe Maria.
V Estação: O Cireneu compadece-se e pega a cruz em atitude de misericórdia e rara cumplicidade, coisa pouco comum entre os homens. Esse restou para reafirmar, com seu gesto de piedade, as exceções daqueles que repetem a passagem do “bom samaritano”, não procurando saber de qual etnia ou religião pertencera o que sofria no chão, sob um sol inclemente. Outrossim, não deu explicações ou procurou saber os motivos dele estar ali sozinho.
VI Estação: Verônica enxuga o rosto, que fica impresso no pano, qual retrato retirado em breve espaço de tempo. Mais do que testemunha, é um gesto de amor. Ao enxugar o suor e o sangue, referenda o que se passa pelas ruas de Jerusalém. Nada disse em seu silêncio de gestual amoroso, admirador e um querer bem, sem justificativas.
VII Estação: Segunda queda. Mais um cansaço conduz o corpo ao chão para formar o emblemático e cabalístico tríptico de quedas. Não há uma enfermidade física que justifique, mas uma alma lacerada de dores, sem que os fármacos que cada um possui na sua farmácia íntima sejam capazes de emergir para o cérebro, atenuando ou curando um cansaço tamanho que mais parece pertencer ao conjunto de cidadãos da cidade de Jerusalém. Nem mesmo a invocação de apenas um dom dos sete que o Espírito Santo bafeja, e nos enche de uma Fortaleza da alma, atenderia aos apelos.
Pois o fato de uma entrega diante das atribulações que a vida imprime, quando arraigada de tempos, quando tatuada de muito, é difícil buscar a solidariedade da vida, que não recua por apelo de qualquer qualidade, pranteando as coisas do sagrado, com seu cabedal de fé e ardência de um homem que sofre. Enfim, o firmamento permanece imoto, indiferente aos apelos de nossos amigos ou familiares. Da mesma maneira, a recusa de ajuda por meio de palavras em ardente carinho também não retumbará nos ouvidos, já habitando lagares pertencentes a outra dimensão.
VIII Estação: Consola as mulheres de Jerusalém. Mesmo estando em uma situação-limite, injustiçado — pois nada de grave fizera —, apenas, como um rabi ilustrado, disseminara a Boa Nova, bem diferente da Torá e de outros livros pertencentes à tradição dos judeus. Não é que negasse por completo a lei de Moisés ou o livro dos profetas, como Isaías, pleno não só de pragas, como também anunciador da vinda de um messias. O livro é encorpado e íntimo dos signos, das metáforas e dos sinais acerca daquele que estava para chegar.
O grande “pecado” de Jesus fora anunciar uma nova forma incondicional de amar o próximo, ausente de estratificação de etnias ou classes sociais. O puro e verdadeiro amor do qual Paulo trata em Coríntios. Bem interessante é esse encontro com as mulheres de Jerusalém, pois elas criam uma distância do sofrimento daquele que será crucificado, como se o sofrimento do que carrega a cruz estivesse distante dos seus semelhantes. Em contrapartida, Jesus lhes devolve palavras, qual espelho, fazendo com que reconheçam que elas também integram o humano e sua condição. “Chorai por vós e por vossos filhos”. O humano, de uma certa forma, deleita-se ao encontrar um sofrimento além do seu, para comparar e não se sentir tão inferior.
Assim sendo, os locais de estudo, de emprego ou as famílias são lastros lisos no qual a rivalidade, a inveja, a disputa por nonadas, quem é mais que outro? Aqui sucede o acerto de contas de canalizar uma energia inútil, podendo empregar em algo mais produtivo e exercitar o lídimo amor. Todos conhecem desses frutos e desses intuitos. Falo dos muitos que coexistem em uma naturalidade, em simultâneo, como se tudo aquilo fosse banal.
IX Estação: Terceira e última queda, fechando o ciclo de se prostrar no chão, devido ao cansaço causado pelo peso da cruz e em direção ao Calvário, que parece interminável.
X Estação: Desnudo, com a coroa de espinhos à guisa de tiara, três mulheres escondem discretamente as partes íntimas com o que parece ser uma túnica inconsútil (sem costura, um corte só de fazenda), simbolizando humildade ao ter sido apenas cortada e sem cerzimento, o que diz de uma simplicidade e de uma ausência de quem não liga em ornamentar para se expor aos outros.
XI Estação: Pregado na cruz. Caminhando para o fim, o sol mergulha no horizonte com o testemunho de cinco soldados verde-oliva.
XII Estação: Crucifixão com os dois ladrões. O bom ladrão (Dimas) e o mal ladrão (Simas). Pranto em uníssono de mulheres. Para os romanos, a condenação através da pena da cruz era destinada aos piores malfeitores. O sol, cuja presença era uma constante testemunha, mergulha na linha do horizonte, assinalando o crepúsculo de uma arrastada e penosa caminhada. Presença da sua mãe, da irmã de sua mãe, da mulher de Cleopas e de Maria Madalena. Jesus, em seu último suspiro, diz: “Está consumado”. Inclinou a cabeça, entregou o espírito.
Sintomática é a disposição espacial dos elementos da tela, em uma simetria bilateral perfeita, sequenciada em três planos: mulheres, ladrões e, ao centro, um Cristo imóvel sucumbe, entregando-se resignado ao seu destino. Não parece coincidência o fato da presença de tão somente duas cores: o azul e o ocre, justapostos para compor uma harmonia entre os tons de azul, representando o céu, e o antípoda ocre, como lastro da terra.
Mais uma vez, as forças físicas, com a pujante presença do mito, escorrem para essa história de um indivíduo, recontada como verdade para os que contemplam com fé. O nimbo, em torno do rosto, circunda a aura de seriedade de um semblante rescendendo à entrega e, ao mesmo tempo, uma sorte de alívio por tudo findar, livrando-se desse fardo que é mensurar os dias sem saber que novidade romperá o tênue revestimento que separa a alternância das horas. Não é de se espantar que a maioria dos humanos prefere a não chegada de novidades, escolhendo a tranquilidade de uma rotina e detendo o controle, até certo ponto, dos três turnos, embora não possa impedir a lâmina fina que rasga a integridade desses três expedientes. “Grande e nobre é viver simplesmente” (Fernando Pessoa).
XIII Estação: Descida da Cruz e unção do corpo por meio de 100 libras de mirra e aloés. Constatamos o desaparecimento do círculo solar. As cores, ao fundo, são mais sombrias: roxo, marrom, vermelho.
XIV Estação: Sepultamento. O corpo é levado por homens em uma rede, evocando fortemente uma tradição nordestina desaparecida.
XV Estação: Ressurreição: vestido de uma túnica, ressuscita e sai do túmulo, e encontra quatro mulheres que folgam em saber de tão belo milagre.
XVI Estação: Assunção. O céu, de um azul transparente, encontra-se constelado de estrelas, como se quisessem exultar e jubilar o majestoso crepúsculo de um deus ressuscitado. Das quatro mulheres presentes, duas estão vestidas de verde, cor que anuncia a esperança.
Em resumo, parece haver linhas subjetivas da vida do artista entrecruzando-se com sua obra, embora sempre optemos por nos deter sobre a obra, e nunca sobre o homem. Contudo, mesmo as escolas formalistas de exegese podem, vez ou outra, acionar conhecimento de alguma obra de arte refratadora, permitindo categorias incorporadas pela tradição.
Assim, a obra vale por si mesma, deixando entrever perfurações nas quais o intérprete elucide algum aspecto velado na composição, desfazendo certas ambivalências ou sobreposição de metáforas. Quero dizer que não há por que deixar o componente biográfico, se preciso for. A pronúncia estética de Iaperi Araújo, nosso mestre maior naïf, convida o intérprete a singrar/sangrar um percurso existencial. Uns mastigam a raiz amarga precocemente, outros são tardios. Há quem fique de fora? Duvido muito! Alguém encontrou um diferencial concernente aos demais? Nunca, jamais, em tempo algum. Não há mistério diante da taça de cólera em chamas, imposta pela Fortuna, obrigados que somos a verter, mesmo que queiramos afastar de nós esse cálice.
Não parece ser coincidência o fato de que, no percurso em direção ao Calvário, ter havido três quedas devido ao peso da cruz, gerando um corpo lasso e resignado. Esses signos, por sua vez, recaem sobre os três números que mais aparecem na Bíblia, a saber: o III, o VII e o XIX ( ímpares, um tanto mais complexos nas quatro operações básicas).
Consabido de pausas na escanção e cadência ao salmodear ou enumerar seus eventuais múltiplos, na medida que detém um forte componente cabalístico, repousando suas constelações de sentidos em regiões pelágicas do humano, lugares que são resguardados por suas portas lacradas ou um pouco entreabertas, emergindo para esclarecer questões íntimas ou mesmo com o intuito de acentuar os enigmas que o humano, em seus silêncios e solidões, inquieta-se impotente face ao que se encontra tão perto e, mesmo assim, não acede ao esclarecimento. É como a ponta do nariz, vizinho aos olhos, porém não podemos enxergar.
Considerando-se uma perspectiva não religiosa — mas observado o que do mito é decalcado ou queda-se como substrato —, para que o distrito de uma dada civilização manifeste suas peças de um xadrez justificador de uma forma de ser e de se comportar, constatamos a Trindade do Pai, do filho e do Espírito Santo como caudatária do que, no antigo Egito, sucedeu no seu cotidiano: o culto a Osíris, Ísis e Hórus. Não esquecer que Osíris é um Deus que ressuscita, mediante Ísis que junta os fragmentos do corpo, e Hórus, ocupando o lugar do filho. Com efeito, a estrutura mítica do Cristianismo pouco se distancia do que aconteceu há milhares de anos. Ao que parece, vai ao encontro de Estruturas Antropológicas do Imaginário.
A forma de organização dos mitos, nas inter- relações, assemelha-se ao modo da estrutura de uma língua natural: morfologia, sintaxe, gramática. É como se fosse um lugar demandando ser preenchido. Uma constelação de hiatos que conformam, ao encontrar o seu lugar em uma determinada lógica, uma narrativa pictórica ou linguística. Assim, podemos lançar vetores eivados de semânticas consoante o conjunto de significantes. Para muitos, é como se fosse uma exegese árdua e nem sempre capaz de ser decodificada; contudo, se formos capazes de persistir, podemos adentrar por uma seara cuja sega nos permitirá compreender até onde o mito de um Cristo a ser imolado, percorrendo por algumas ruas de Jerusalém, elucidará o modo de como se organiza o humano para enfrentar as vicissitudes do cotidiano.
Insisto em fazer uma digressão acerca da mitologia egípcia. Vejamos: Geb (Deus da Terra) e Nut (Deusa do Céu), irmãos gêmeos que se casaram e tiveram vários filhos, dentre eles Osíris, Ísis e Seth. Seth era o deus do caos, desordem e violência; como inimigo de Osíris, acabou por assassiná-lo e intentou contra Hórus. Ísis, desesperada, saiu pelo mundo buscando recolher as partes que compunham o corpo de Osíris. Por conseguinte, Osíris, seu irmão e esposo, acabou por ressuscitar.
Temos aqui todo o fundamento das práticas religiosas do antigo Egito, que mirariam, com grande perspicácia, a posteridade. Coincidência ou não, há uma trindade e um deus ressuscitado, como na escatologia da Igreja Católica.
Em seguida, segue o panteão de deuses do Império Romano, assentando-se sobre os deuses da antiga Grécia, apenas alterando uma nomenclatura ou outra, mas, enfim, ocupando o mesmo lugar de culto e organização simbólica. Curioso é que até os atributos são os mesmos, bem como as áreas de sentido, os rituais e seus cultos. Só para citar um exemplo dessa interseção, basta atinar, com cuidado, as procissões da Igreja Católica.
Para estabelecer relações com uma tradição cuja matriz repousa subliminar, porém pujante na sua força mítica fundadora, mesmo sendo do Norte da África, conseguiu permanecer no imaginário do Ocidente com a expansão das civilizações grega e romana. Há toda uma série de equivalências entre esse lastro nutriz de mitos egípcios e a emergência da vida e morte de Jesus.
A presença de elementos da Região Nordestina foi feita com parcimônia. Somente após a retirada da cruz, conduziram-no em uma rede, levada por carpideiros para o túmulo pertencente a José de Arimateia. Outro elemento é um sol a pino, inclemente, acentuando o desconforto de quem já carrega uma cruz bastante pesada. Em uma atitude de indiferença, queda-se imóvel e escaldante, deixando tudo transparente na sua claridade, imprimindo aos que testemunharam não restar nenhuma dúvida do que estava acontecendo. Por fim algumas letras invertidas, estação I, II, V: os tacos (pedaços de madeira com desenho invertido) são impressos com rolo sobre alguma espécie de papel, então eis a Xilogravura, vinculada sempre às narrativas caudatárias da Idade Média e ambientada na região nordeste, por onde existem mais resíduos do Medievo Português, haja vista, as narrativas de Dona Militana, enveredando pelo sertão, usando a língua portuguesa arcaica e inúmeras tradições chegadas com os Marranos ou Cristãos Novos (o Seridó é cheio desses costumes judaicos), expulsos em 1492 pela intolerante Isabel, a Católica (só se fosse mesmo).
A força de se cumprir uma trajetória, que quase nunca é demandada, mas também não é tão-somente resultado do destino, enquanto o humano é co-partícipe, pois detém o livre arbítrio, mas, mesmo assim insiste no que não lhe concerne e se autoimola em experiências de gritante autossabotagem. Deste modo, recusa-se a seguir o que o coração, assim como sua intuição, lateja em negativas. Desta forma, também esquece os vaticínios dos oráculos interiores e, se consultasse essa pítia residente em regiões abissais, seria inútil, pois quando os homens estão desesperados, persignando-se diante de tais oráculos, “os deuses diriam mentiras” (tradição búdica).
Se for um assinalado, como tantos há, e cada vez mais a cada tempo que passa, como se fosse uma necessidade do Ar do Tempo, a presença vinca sem misericórdia o corpo físico, sobretudo o rosto, a fala, a dentadura, enfim, tudo o que colabora para circunscrever determinados semblantes: magros, enclenques, setemesinha, guenzos. Basta ver o envelhecimento precoce ou outras pessoas que os transeuntes, nas caçadas, imprimem menos idade. E esse apontado com menos idade aparente folga em saber de um não reconhecimento, de já ter o caráter de homem maduro e vivido.
De onde emanam essas ordens interiores que se mostram com insistência, agora, com as redes sociais, muito mais do que antes? Simplesmente porque Psiquê (alma) não hesita em lançar para o Soma o que poderia ser resolvido internamente por meio das forças sanativas advindas do Inconsciente. Todos possuem esses fármacos orgânicos, que aparecem em situações de adversidades. A farmácia encontra-se em alguma parede do Inconsciente. A questão maior é ter o conhecimento para justapor os ladrilhos/remédios, configurando geometrias lançadas para o sangue, sagrando e juntando os fragmentos de ânimo para enfrentar as vicissitudes que a Fortuna nos apresenta sem nossa permissão.
Com efeito, sabemos que coisa difícil é uma aliança incondicional consigo mesmo, realizando as bodas de um matrimônio, de uma harmonia, cuja beleza maior é o amor a si próprio, o que os gregos nominavam Philia, distinto de Ágape (amor aos deuses) e Eros (amor físico).
Acredito que isso deva ter ficado implícito ao longo deste ensaio, por meio da metáfora de um homem feito deus, realizando, qual teatro, o que diz respeito a todos. Onde isso está escrito, ninguém sabe. O certo é que não fica ninguém de fora dessa ciranda sem freios, a qual se fecha em círculos concêntricos.
Quando o jovem príncipe Sidarta Guatama atravessou o portão do palácio onde vivera trancafiado até então, para impedir que contemplasse a rua e seu bulício com sua azáfama de ruídos, faina e desordem, e, por sua vez, compreendesse que a vida não se limitava a um pátio com jardins e animais soltos, logo observou uma dinâmica que o fez riscar e preencher uma hachura, resultado da sobreposição entre três passagens do existir: o envelhecer, a enfermidade e a morte. Entre cada segmento há um tempo com suas responsabilidades, e o medo pulsando anonimamente nas mais íntimas comarcas, de onde não se sabe direito o que pode assomar sem aviso. O certo é que, por uma qualquer janela entreaberta, o soprar do vento conduz consigo determinadas novidades, como se acontecesse com amigos ou vizinhos. Para além de uma não aceitação do que chega sem bater à porta ou telegrama, conjurando a uma ordenação das forças que estão estacionadas nas fortalezas do espírito e da subjetividade, para fazer frente a esses domínios inerentes ao humano enquanto capaz de enfrentar dores e desassossegos não previsíveis.
E buscando o que se fez de tão caro para a purga e a paga vigentes, considerando atalaias imaginárias vigilantes qual alvissareiros, é quando se instala o tempo como “duração” (Bergson), não mais a mensuração das horas do relógio, repousando de instante em instante, em uma inquietude que não colabora com a expectativa do objeto analógico com seus dois ponteiros, arrastando-se no interminável marcar das horas.
Assim sucedeu com o profeta Jesus, que muito provavelmente teve consciência logo nos albores de um menino metido a homem, com seus conhecimentos empíricos ou resultados de um olhar arguto sobre a realidade que o cercava. Mesmo já capaz de ter a sabedoria dos livros pertencentes a seu povo judeu e dominando a eloquência, teria sido um tanto tardio o começo da sua pregação, com trinta anos. A tradição dos Evangelhos diz da importância desse tempo acumulado para o seu ministério junto às gentes que habitavam as terras de onde Jerusalém sempre fora o centro irradiador do comércio e peregrinação dessa região.
Com efeito, nessa idade, fora batizado por seu primo João. Outro acontecimento foi o seu sumiço com doze anos e, depois, encontrado por seus pais no Templo, junto aos doutores, com perfeita retórica de quem a exata consciência tinha do que estava dizendo e debatendo.
Para encerrar este ensaio (diferente do artigo científico, o ensaio analisa e interpreta por meio de argumentos, considerando a visão de quem escreve, sendo que encontramos muitas vezes uma redação visivelmente autoral. Esse gênero permite uma liberdade maior, com ou sem citações, porém cheio de paráfrases ou citações de memórias) é preciso dizer da origem desta forma literária com seus veios da teoria da literatura, bem como de outros sistemas semióticos. Acredito que foram analisadas e interpretadas, a Via Crucis, manuseando categorias analíticas e atinando para o lastro mítico que encerra, inclui e permite decalcar outros discursos, não deixando quedar-se imoto, sobretudo porque O Rabi ousa fundar uma nova retórica moral, uma nova maneira de amar, uma nova maneira de lecionar, com sua adesão maior à caridade, à simplicidade, à amizade.
Enfim, a busca do simples como uma nova forma de vida, vestindo-se simbolicamente com a túnica inconsútil, a que não tem costuras, cerzidos, bordados, nada de enfeites, pode não ser de verdade, mas simbólica, organizada no comportamento, na forma certa de entrar e sair, de auxiliar a quem precisa, quer seja pela Psiqué ou no Soma, exercitando a generosidade, educando as novas gerações. Por fim, a túnica inconsútil simboliza o que se encontra de modesto no imo: símbolos, parábolas, significantes inerentes às práticas religiosas de toda a região Ocidental do planeta, e de além. Sim, mas se você puder e quiser, tem outra saída: leia o Antigo Testamento (os quatro evangelhos e as muitas cartas), como se fosse um manual de etiquetas: respeito com os que sofrem por enfermidades, ajudar aos que passam fome, visitar um prisioneiro, plantar e segar o roçado da viúva, ao acordar cedo, lembrar de Rute respigando, — e decidindo seu destino de viúva, nora de Noemi — nas searas de Booz, jamais desistir, repetir “esta é mais uma a ser ultrapassada, como Ulisses na Odisseia, navegando dez anos a esmo pelo Mediterrâneo”. Tudo que é de experiência e transmuta-se em sabedoria. Quem tiver ouvidos que ouça, olhos que veja. Sempre foi assim.
Porque, agora, vemos por espelho em enigma; mas, então, veremos face a face; agora, agora conheço em parte, mas, então conhecerei como sou conhecido.
Agora, pois permanecem a fé, a esperança e o amor, estas três; mas a maior destas é o amor.
Coríntios, 12:13
ADDENDA
A Tribuna do Norte, de 18.04.2013, noticiou o vernissage de uma exposição na Galeria Newton, na Fundação José Augusto: “A paixão segundo Iaperi Araújo”. Provavelmente esse era o tema da Via Sacra sistematicamente organizado. Falo desse modo porque o artista sempre retratou temas vinculados à tradição da Igreja Católica, como, por exemplo, a bela “Deposição da cruz”, com um mínimo de elementos, simplificando até onde pôde o ícone primevo e mais importante das pinturas de natureza religiosa, buscando uma singular verossimilhança ao pranto e ao luto pela morte de Jesus.
Região do Médio Oeste Potiguar Recebeu o Cariri Cangaço Oeste Potiguar.
Foi realizado, no período de 22 a 25 de maio de 2025, o Cariri Cangaço Oeste Potiguar. O evento de cunho histórico e cultural aconteceu em quatro municípios do Médio Oeste Potiguar — Patu, Martins, Lucrécia e Antônio Martins. Reunindo dezenas de pesquisadores, historiadores, escritores e estudiosos de nove estados brasileiros, o evento é considerado um dos maiores e mais respeitados fóruns de debates e estudos sobre o cangaço, coronelismo, misticismo, messianismo, além das artes e culturas do sertão nordestino.
Como convidado especial, esteve presente Manuel Dantas Suassuna, filho do grande escritor Ariano Suassuna. A abertura oficial do Cariri Cangaço Oeste Potiguar foi realizada na última quinta-feira, 22/05, na cidade de Martins, com a participação dos prefeitos e representantes dos quatro municípios participantes, além de convidados de várias regiões do Brasil. A organização do evento, conduzida pelo curador Manoel Severo Barbosa, entregou várias comendas Mérito Cultural Cariri Cangaço a personalidades do município de Martins, além da posse de novos membros no Conselho Cariri Cangaço. Na ocasião, foi proferida palestra com o tema “Ecos de um Rifle – Uma história de Jesuíno Brilhante”, pelo Tenente Coronel da PM do Rio Grande do Norte, Marcelo Litwak. Na sexta-feira, 23 de maio, a programação aconteceu na cidade de Patu. A partir das 8h da manhã, houve uma visita técnica à Casa de Pedra do Cangaceiro Jesuíno Brilhante, localizada no Sítio Cajueiro, Zona Rural de Patu-RN, onde foi instalada uma placa oficial como Lugar de Memória. Às 11h, foi realizada uma solenidade no auditório do Campus Avançado de Patu, com a instalação da mesa de autoridades, entrega da comenda Mérito Cultural Cariri Cangaço e posse de um novo membro no Conselho Cariri Cangaço — o Professor Aluísio Dutra de Oliveira. Manuel Dantas Suassuna, filho de Ariano Suassuna, foi agraciado com uma comenda especial pelos 180 anos do Cangaceiro Patuense Jesuíno Brilhante, ao som da cantiga de Jesuíno, música de autoria de Ariano Suassuna e Capiba. Também ocorreu uma mesa redonda com escritores e pesquisadores como Kydelmir Dantas (Nova Floresta-PB), Luma Holanda (João Pessoa) e Marcelo Litwak (Natal RN), com o tema “A Saga do Cangaceiro Jesuíno Brilhante”. À tarde, a programação seguiu na cidade de Lucrécia-RN, no Museu Fazenda Castelo, com entrega de comendas, roda de conversa “Mulheres”, lançamentos de livros, visita técnica ao lugar de memória “A Cruz dos Três Heróis” e encerramento com uma visita ao espaço turístico-cultural com vista ao Açude de Lucrécia. À noite, houve um programa cultural e festivo no Café Jesuíno, em Patu. No dia 24 de maio de 2025, a programação foi realizada em Martins, com visita à praça da Matriz e à feira de artesanato local. Foram realizadas conferências no espaço do mercado público com os seguintes temas: “A passagem de Lampião pelas Terras de Martins”, proferida por Dannylo Maia, e “A Origem e a Saga dos Limões – Os Inimigos de Jesuíno Brilhante”, apresentada pelo pesquisador Rodolfo Maia. Também houve o lançamento dos seguintes livros: 1. Moreno e Durvinha - Sangue, amor e fuga no Cangaço — Autor: João de Sousa Lima; 2. Flor do Mandacaru - O amor em meio ao Cangaço — Autor: Teimoso Zen; 3. Ser Escravo na Serra de Martins — Autor: Expedito Neto; 4. Traições no Cangaço — Autor: Jinsena; 5. As façanhas do cangaceiro Antônio Silvino, "O Rifle de Ouro" — Autor: Julierme Wanderley; 6. Lampeão no Ceará — Organização: Adriano Carvalho; 7. Histórias de Minha Vida — Autora: Elane Marques; 8. A Visita do Imperador a Feira de Santana — Cordel: Lucas da Feira na Escola — Saberes no Cangaço — Autor: Augusto Spinola Júnior; 9. Tião da Jaramataia — Um Cangaceiro Afamado — Autor: Reinaldo Teixeira; 10. A Odisseia de José Américo de Almeida na Revolta de Princesa — Autor: José Tavares de Araújo Neto; 11. As Pias das Panelas — Cordel, Autor: Manoel Belarmino. À tarde, a programação seguiu na cidade de Antônio Martins, antiga Boa Esperança. Houve um desfile pelas principais ruas da cidade, com cavalaria, banda de música, bugueiros, caravana do Cariri Cangaço e estudantes locais. No Pátio da Igreja de Santo Antônio, no centro de Antônio Martins, foram realizadas várias atividades: entrega de Mérito Cultural Cariri Cangaço, o Hino do Município entoado pelas crianças violinistas, uma peça teatral intitulada “Cenário da Invasão de Virgulino Ferreira da Silva”, além de uma conferência de campo e lançamento do livro A Invasão de Lampião a Antônio Martins em 1927, do pesquisador e escritor Luan Alendes. Também foi instalada uma placa na Igreja de Santo Antônio, consagrando o local como “Lugar de Memória Cariri Cangaço”.À noite, a programação aconteceu no Mercado Público Municipal de Martins, com a solenidade da ABLAC — Academia Brasileira de Letras e Artes do Cangaço, que promoveu a posse de novos acadêmicos: Aluísio Dutra de Oliveira, Claudionor Júnior, Luan Alendes, José Bezerra de Assis, Dannylo Maia, Rodolfo Maia, Gabriel Mariz, Romualdo Carneiro e Idemberg Sena. No domingo, a programação do Cariri Cangaço Oeste Potiguar foi encerrada com uma visita ao Santuário do Lima, na cidade de Patu-RN.A próxima edição do Cariri Cangaço será realizada na cidade de Piranhas-AL, na Grota do Angico, confirmando o slogan: “Cariri Cangaço — Território de Grandes Encontros”.