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quinta-feira, 2 de julho de 2015

Carta Apócrifa de Márcio Dantas

Cidades Mortas
Márcio Dantas


Para quem nasceu e se criou nas cidades do interior do Rio Grande do Norte, e que aqui gostaria de datar em torno da década de 60, permanecer três dias ou uma semana no seu lugar de origem se configura como um tempo para refletir acerca do declínio dessas pequenas cidades perdidas pelos áridos sertões.
Praticamente nada produzem. Vivem quase que exclusivamente às custas dos serviços públicos oferecidos pela Prefeitura ou pelo Estado. Círculos viciosos de favores e mercês que não fazem mais do que alimentar precisões imediatas e com um valor que se extingue na satisfação da necessidade. O que poderia se limitar a uma espécie de refrigério dos pobres, esses adjutórios se estendem também aos mais abastados, que não perdem uma oportunidade de conseguir uma passagem de ônibus do interior para a capital. Mesmo quem não precisa, também se aproveita e marreta o erário público. Comportamento não nosso desconhecido, pois, remete às nossas parasitárias elites e classe média, formadoras das arquitraves que nos constituem como país.
Ocorre que essa dependência cria um círculo vicioso de preguiça, ausência de responsabilidade e negligência para com um projeto de vida que dignifique as pessoas e as famílias do lugar. Vive-se por que existe. Nada justifica o fato de se encontrar no mundo. É bastante significativo o fato de uma grande parte da população dormir ou se embriagar muito: não há nada para se fazer. Sei que o calor favorece a sonolência, porém, não a justifica de todo. De outra parte, não é simples coincidência o fato da maioria viver envolvida com tratamentos médicos, cuja semiótica referente a algumas espécies de doenças é de há muito tida como de origem somática, ou seja, a cabeça criando chagas para que haja uma espécie de justificativa perante a tediosa e arrastada passagem do tempo. Não é difícil constatar esse fenômeno, basta observar como muitas pessoas sentem um enorme prazer de falar sobre infindáveis doenças crônicas que as acometem. É como se a doença e seus sofrimentos fossem elevados a uma espécie de esquisito valor.
Uma segunda fonte de renda, dinamizadora da economia – pelo menos uma vez por mês – é o chamado “aposento dos velhos”, minguado salário mínimo sustentador de toda uma legião de parasitas: filhos, sobrinhos, netos e agregados, eternamente esperando o pagamento mensal.
O que podemos aguardar dessas comunidades na qual tudo o que se refere à vida espiritual encontra-se mirrado? A Igreja Católica, de certa maneira, preenchia essa necessidade de arte, quero dizer, de música, canto, teatro, enfim, de uma opera entorpecedora dos sentidos, para que estes vibrassem e impusessem um distanciamento da consciência trágica da vida, representada pelos problemas cotidianos. Porém, tudo mudou. Além da crise generalizada da fé e do pouco interesse dos praticantes em ser também igreja (microcosmo da instituição), os rituais foram sendo simplificados, gerando pouco ou nenhum interesse. As antigas gerações se recusam a aceitar o exagero dos novos ritos, acostumados que estavam com a associação entre o sagrado e o Belo.
Quem sabe se possa dizer que essas pequenas cidades paguem o preço mais alto pelo mal-estar generalizado do nosso tempo, já que as metrópoles detém toda uma paisagem que, infestada por imagens, signos e sons logram um êxito de enganar os sentidos e, por tabela, a cabeça, derrotando ilusoriamente o tempo que sorri indiferente. 

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